Capítulo 7- Mostrem-se, Feras II
Mesmo que estivessem numa altura considerável, a queda dos dois feras não tardaria em ter um fim... possivelmente trágico. O homem de traje branco descia de cabeça em direção ao galo alaranjado e sua velocidade foi suficiente para alcançá-lo. Dragon envolveu seus braços ao redor da ave e começou a concentrar-se em como pousariam. À medida que o faziam, poucas pessoas notavam o ponto límpido descendo ao solo como míssil, contudo, não davam atenção.
Quando sentiu que havia chegado o momento certo, o dragão rodopiou no ar e enrijeceu suas pernas com dificuldade. Repentinamente, uma ventania teve início sendo emitida pelo solado de suas botas azuis, a potência era tanta que se assemelhava a uma nevasca controlada. Em sua mente, buscou imitar a técnica de voo que assistiu o deus pirocinético usando. O vento gélido começou desacelerar a precipitação, requisitando ainda mais atenção, principalmente dos feras que sentiam a brisa fria se aproximar de suas cabeças.
Era comum que muitos competidores chegassem ao ponto de partida daquela forma, talvez buscando impressionar os que observavam, entretanto, isso não funcionava tanto quando o foco jazia todo no Bruxo Elétrico que ainda se pronunciava:
—... Honrando nossos costumes milenares, vamos finalmente dar início ao torneio!
— Não acredito que eles vão participar! — Na cesta do balão, José exclamou sua incredulidade.
— Sabia que dariam um jeito... — Cimmeria comentou para si mesma, depois de vê-los descendo ao campo da maratona.
Boa sorte, Xiang e Dragon. — Fire desejou mentalmente com cordialidade, esquecendo-se que o telepata poderia realmente estar ouvindo.
— Dragon! — Tempe aproximou-se do fera branco com muito esforço para andar entre as centenas de participantes que se aglomeravam. — Não me diga que esse galo é a minha pequena Xiang! — Apontou o animal que ele guardava nos braços, com cuidado. Sua face enrugada transparecia um misto de indignação e ameaça. — Essa é minha filha?!
O que deveria fazer se o próprio marciano lhe pediu para que não falasse?
Eu tenho que responder? — questionou telepaticamente para a ave que segurava.
Óbvio que não... — Então o poderoso apenas ignorou o velho que lhe dirigia a palavra, focou seus olhos azuis para frente e somente isso. — Já vai começar!
— Prontos?! — Salazar inquiriu retoricamente e fez uma pausa dramática. — Esqueçam seus nomes formais, pois agora representarão animais! — Como um cântico místico, todos que o sabiam acompanharam a voz do bruxo, fazendo o reverberar invadir cada coração.
O pequeno dragão adolescente sentiu aquilo como um chamado, considerava-se pronto para mostrar quem realmente era e trazer honra aos seus antepassados. As transformações iam ocorrendo gradativamente, pois muitos ainda esperavam o momento apropriado de fazê-la.
— Apenas os mais fortes vencem as guerras, por isso mostrem seus poderes, feras! — Foi a parte que fez o coração da corajosa Fei arder em bravura. Daria tudo de si, julgava-se pronta para qualquer desafio que o futuro lhe reservasse. — E, quando o rugir tomar conta de sua voz, é chegada a hora do grande Torneio Feroz!
O ecoar do som da trombeta marcou o início da disputa. Os que estavam à frente impulsionaram seus corpos igualmente, aqueles que ainda tinham forma humana se transformavam enquanto disparavam. Não eram simples animais apenas, mas seres como centauros, cães infernais, ignurs, morte-ecoantes...
Fire King havia tomado a frente para que não esmagasse nenhum oponente menor na corrida, deu poucos passos rápidos e um pulo imponente quando atravessou a linha de partida imaginaria. Antes que seus pés encontrassem o chão outra vez, já havia se tornado um grande chimpanzé com mais de quatro metros.
Margaritifer juntou os braços esticados acima da cabeça e sua pele assumiu completamente a maciez de uma cobra, à medida que tomava uma forma cilíndrica e alongava anormalmente. Os punhos juntos se tornaram a cabeça e os pés viraram o chocalho que fazia seu som apavorar os próximos a sua prepotência ainda maior que o primata pirotécnico.
Enquanto a inevitável poeira subia, era óbvio que aqueles que podiam voar tinham certa vantagem, por serem mais rápidos e possuírem maior liberdade de locomoção. Como no caso do antigo Guerreiro Feroz, Noachis, o qual ganhou ainda mais massa do que sua estatura flácida já possuía. Renegando o esperado, seu corpo se moldou como um enorme elefante branco, o qual esbanjava duas asas do tamanho de suas pequenas orelhas e ganhou o céu rapidamente.
— Em quem você apostou este ano, Manish? — indagou sonoramente um dos comentaristas.
— Não quero ser precipitado nem nada, mas eu arrisquei no que está ganhando, o guerreiro smilodon nunca decepciona...
Ele se referia ao fera que seguia antes de todos com uma velocidade inalcançável, suas patas se moviam quase tornando-se invisíveis, era aquele que antes atendia pelo nome Olímpio. O felino de presas enormes havia se tornado um dos favoritos entre os apostadores por sua velocidade inigualável. Em poucos segundos, já havia percorrido centenas de metros.
No entanto, para a surpresa daqueles que apostaram no prodígio, havia um concorrente que estava pronto para lhes impressionar ainda mais. Os olhos diamantes do poderoso reluziram enquanto sua pele macia adotava um aspecto escamoso, as asas surgiram em suas costas e o dragão albino que apareceu da recente cortina de poeira tomou um grande foco dos que assistiam.
— MAS O QUE É AQUILO?! — A exclamação do apresentador representou os gritos abafados de todos nas arquibancadas.
— NÃO PODE SER, BHAV!
— MEUS OLHOS ME ENGANAM!
Muitos dos que vislumbravam a disputa do alto, seja em steágnos ou balões, tentavam entender melhor o que era aquela espécie, a qual criava tantas dúvidas. “Não tem como ser um dragão!”; “Só pode ser um milagre!”; “De onde ele veio?”... Não importava quanto tentassem, era quase impossível acompanhar com os olhos a figura alada que deslizava no ar igual bala, pois o projétil com mais de seis metros passava como um vulto.
— Isso sim que é surpresa! Um dragão entre nós! — Para alegria dos telespectadores, os aparatos de filmagem finalmente conseguiram captar a rapidez bestial.
— Depois dessa, nada mais me surpreende, Manish. — Aquele fera trazia consigo várias incógnitas que tumultuavam a cabeça de todos, assim como aquilo que ele carregava entre suas garras. — Pela surpresa que estou vendo vinda do público, todos vão perder suas apostas...
Se o smilodon, conhecido também como tigre-dente-de-sabre, estivesse representando a velocidade do som, então o dragão o ultrapassou sendo a própria luz. A velocidade que mostravam era discrepante em relação aos outros. Contudo nem mesmo com a agilidade deles conseguiam atravessar toda a imensidão da cratera sem demorar ou cansar.
Depois de alguns poucos minutos, o lagarto voador foi o primeiro a alcançar a metade do trajeto retilíneo, sendo alvo do vislumbre daqueles que formavam a classe alta de Fogo e viam tudo da elevada torre do templo no meio do vulcão. Alguns usaram lentes de aumento para observar melhor a fera esplendorosa e perceberam o que ela carregava consigo.
— O dragão, pelo visto, tem dois amigos. Quem serão os sortudos? — questionou o comentarista vendo os telões mostrarem o pequeno galo que tinha suas penas sacolejadas pela rapidez e na outra mão da fera jazia algo tão pequeno que era indistinguível para entender. — Para aqueles que não sabem, o participante só precisa passar por estes oitenta quilômetros, todavia, não importa o modo, certo, Bhav?
— Exatamente, mas, além de uma corrida, esta maratona também é uma exibição...
Enquanto o tigre, que parecia ter tatuagens douradas espalhadas pelo corpo, dava a volta no templo central para que continuasse seu percurso até o final, muitos outros poderosos já o encalçavam. Para aqueles que não possuíam uma velocidade tão grande quanto os que seguiam na frente, a opção restante era atrair a atenção de uma forma diferente.
Era o que fazia o animal que se assemelha a um cervo branco que exibia sua grande galhada, seu pelo espesso lembrava a longa barba alva do velhinho guerreiro. Ele pulava sobre plataformas invisíveis que criava com seus poderes atmosféricos. Fazia seu próprio caminho enquanto parecia reluzir na luz do meio-dia. O mesmo fazia a pequenina porca que encantava a muitos com sua pele de aspecto cristalino, refletindo qualquer flash de luminosidade. Aquela era a outra guerreira, a que manipulava dimensões usando os espelhos como uma armadura chamativa, fazia isso ao mesmo tempo em que os controlava para fazê-la voar livremente, porém, com muito esforço.
Os que encontravam maior dificuldade em completar o percurso eram os animais terrestres, como o centauro que buscava um espaço seguro no meio da aglomeração de feras que corriam imparáveis. Ou a cadela colorida com patas brancas que deixava um rastro de arco-íris por onde passava. Sarama, considerada a raça mãe de todos os cães, muito rara. Ela desviava com agilidade daqueles que podiam lhe ser uma ameaça acidental, representando a poderosa que manipulava emoções.
A discrepância de velocidade já havia separado muito bem os que se mostravam verdadeiramente velozes, que já passavam da metade, daqueles que não possuíam tal habilidade. Outros também prendiam os olhares em si por seus status ou pela forma que faziam o trajeto. Os dois casos correspondiam ao pequeno coelho lívido com uma roupa especial que o permitia voar com estilo.
— Então o guerreiro do coelho vai mesmo confiar em sua fama como garantia do sucesso? Pelo que vejo, está dando certo! — O narrador da corrida referia-se ao Krolik, a cantor famoso.
— Olha, muitos aparentam apreciar a imponência daquela ignurs também! Devo admitir que ela marca presença por onde passa! — mencionava o touro que sustentava o próprio corpo com os dois pés traseiros, portava um grande martelo de guerra e era carregado majestosamente pelo trono rochoso em cima do colossal golem de pedra em forma bovina. — A cada ano, eles parecem se superar.
Os mais covardes que desejavam, pelo menos, terminar a maratona sem serem pisoteados, acabavam optando por ir pelo subsolo, o que era permitido, contudo, lhe custaria prestígio no final. No início das tradições, milênios atrás, aquele evento começou como um simples e luxuoso desfile de exibição para aqueles que assistiam, todavia, o impulsivo espírito de competidor rugiu mais alto, dando início a uma corrida épica.
Em menos de quinze minutos, Dragon já começava desacelerar seu voo e baixar a altitude, indo em direção à construção que marcava o final, parecia um templo asteca. Com um pedido telepático do galo, o dragão pousou no pé da enorme escadaria, pois fazia parte da tradição subi-la em figura humana. Era impossível entender o que era gritado pelas arquibancadas dos dois lados da construção. Havia chegado a hora de mostrar quem eram.
O fera tomou sua forma humana, recebendo os aplausos com a cabeça erguida, tentando enxergar o topo do templo antigo. Depois colocou no chão os dois animais que havia levado com ele, o segundo era um roedor, um mero rato.
— O dragão pousou aos pés da chegada junto de sua equipe! Fogo está ardendo em admiração e curiosidade!
A ave, então, sacudiu suas penas alaranjadas e ganhou altura enquanto se tornava a pequena...
— Canção da Morte! — O brado de Bhav reivindicou a atenção de todos para os televisores presos as dezenas de steágnos que sobrevoavam a cratera. Aquele era o apelido popularizado de Xiang Fei. — Inacreditável, será que alguém terá alguma chance contra ela? Talvez tenhamos mais surpresas futuramente...!
— E você acertou, olha só quem é a terceira integrante do trio que chegou em primeiro lugar!
A ratazana adotou um corpo esbelto que brilhava como bronze polido, os cabelos brancos esvoaçavam como os panos leves que lhe cobriam em parte.
— A serva mestra do palácio no Monte Olimpo! Não sei como essa equipe surgiu, mas garante trazer entretenimento como em nenhum outro ano!
Os três puseram-se a subir a escadaria enquanto acenavam ao público e para as câmeras voadoras que os rodeavam. Arícia já sabia o que os dois tramavam e juntou-se a dupla quando foi chamá-los a pedido de Tempe e José, no dia anterior a aquele. Antes, não imaginava que o homem era um dragão, todavia, no mesmo dia, depois que lhe contaram isso, tentou se mostrar apta a guardar o segredo. Precisava de ajuda, pois não conseguiria cumprir aquela maratona sozinha.
Após poucos minutos de subida, agradeceram por chegar ao topo, onde encontraram Salazar com um sorriso misturado com uma face indecifrável. Ali era muito alto, podia-se ver a onda de poeira cada vez mais perto, eram os outros competidores aproximando-se; além das arquibancadas dos dois lados que seguiam até onde não podiam enxergar mais, elas rodeavam todo o perímetro do vulcão e se encontravam onde havia sido o início da maratona.
— Começaremos as apresentações dos valentes participantes... — anunciou o bruxo, segurando um microfone próximo da boca. Direcionou o objeto até a mulher e ela caçou a câmera principal com o olhar acinzentado.
— A guerreira da ratazana irá competir no Torneio Feroz! — Quando afirmou com convicção, sua voz ecoou pela caldeira fazendo a gigante serpente que rastejava velozmente se espantar e acelerar ainda mais.
Só pode estar de brincadeira! — A marciana não podia acreditar no que sua amante havia feito.
Salazar voltou o microfone para a pequena ígnea, depois que a mulher deixou o lugar, entrando numa passagem que levava para dentro do templo, agradecendo o ovacionar. Quando a menina abriu a boca, a ação mútua que todos tiveram foi tampar seus ouvidos, o medo lhes atentou ao desastre que ocorreria, mas ela apenas recuou.
Por favor... — O homem de branco entendeu sua deixa e juntou sua boca ao objeto na mão do Bruxo Elétrico.
— A corajosa guerreira do galo irá participar do Torneio Feroz! — Seu brado reverberou como uma censura ao medo, todavia, ela os entendia muito bem. Não havia como não temê-la, pelo menos, era o que pensava para se “confortar”.
A menor baixou a cabeça e fechou os olhos para que entrasse pela passagem sem ter que olhar para ninguém que a julgasse com seus semblantes enrijecidos. Entrou sem receber nenhuma palma no mínimo, apenas aquelas simbólicas que vieram de Salazar, o qual sentia pelas lágrimas que ela derramava ao descer pelas escadas internas da construção templária.
O clima tenso cessou apenas quando o foco mirou o fera que tinha uma expressão de decepção por baixo da máscara de ossos. Sua vontade era de lançar estacas de gelo para todos os lados, pois os pensamentos da ígnea o traziam grande tristeza, por isso não tardou em agilizar o processo para acompanhá-la.
— O guerreiro do dragão irá batalhar no Torneio Feroz! — Precisavam da confirmação para sanar o restante das descrenças. A afirmação do poderoso foi recebida com as aclamações mais potentes que já preencheram aquela cratera, no entanto, ele simplesmente as ignorou e adentrou com abrupta vontade, por fim.
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