Capítulo 7- Mostrem-se, Feras I

O fim da madrugada de festejo se dividiu entre aqueles que ainda o desfrutavam pelas ruas do Monte Olimpo e os que sabiam que deveriam ter o máximo de disposição para o próximo dia, reservando a noite para dormir. Sendo o último o caso de Fire King. Depois de alguns minutos naquele balão que flutuava sobre a capital voadora, fizeram o mesmo descer à moradia de Maximus novamente. Por conseguinte, decidiram que passariam a noite naquela residência, o que deixou Monkka bastante alegre, pois gostava de ter visitas em sua casa.

Ignorando o medo da possibilidade de que aquele grande pedaço do monte poderia despencar dos céus e acabar destruindo todo o Fogo no impacto, tentaram dormir nos vários quartos de hóspedes. O bruxo terráqueo buscava imaginar como conseguiram elevar uma extensão tão grande que tinha seu maior diâmetro de oitenta quilômetros aproximadamente. Mesmo que já tivesse visto algo parecido na Terra, em um abrigo secreto que flutuava na China, porém, não chegava nem perto de ser tão imenso quanto a capital.

Dada a tardia hora de dormir, alguns não conseguiram acordar cedo, enquanto outros levantaram antes mesmo que a luz solar chegasse ao horizonte, e havia aqueles que nem buscaram dormir, por variadas razões.

— Bom dia, amor — desejou José, sentindo o cheiro da senhorita em seus braços impregnar o aposento.

— Muito bom dia — respondeu coçando o olho e esticando as pernas sobre a cama não tão aconchegante quanto a do palácio. O jovem esboçou um sorriso, engatilhando a curiosidade de sua namorada. — O que foi, amor?

— Eu estava pensando: será que vamos passar todos os fins-de-ano no céu? — questionou-se olhando pela janela vidrada.

É com isso que ele está ocupando a mente? — Até que também recordou do dia que vislumbrava fogos de artifício de cima de um tapete voador.

— Já devemos nos preocupar com o desse ano? — Adotou o humor descontraído do rapaz.

— Não, vamos esperar para ver... — Planejar não fazia o seu estilo. — Nós tínhamos um compromisso para hoje...?

— Safira, José, levantem-se! — Ouviram a voz de Yara perpassar a porta trancada.

O casal não demorou em sair do cômodo e se posicionar a mesa farta, com o café-da-manhã. Somente quatro pessoas se faziam presentes. Maximus se encontrava na sua oficina, trabalhando nas máquinas com ânimo.

— Onde está Fire? — Passando algo no pão que lhe parecia geleia, o loiro indagou.

— Saiu bem cedo, para se preparar para o torneio — informou a guardiã.

Aah! É verdade! Já é hoje...

— Xiang e Dragon ainda estão dormindo? — A moça de cabelos verdes perguntou, estranhando o silêncio que a ausência dos dois trazia.

— Na verdade, eu também não os vi...

— Eles saíram mais cedo que o Fire, pareciam apressados — sanou a meiga Monkka, percebendo a surpresa dos outros.

O que eles vão aprontar? — questionou-se o jovem de olhos azuis galácticos.

— Bem, eles sabem se cuidar — declarou Yara. Enquanto a anfitriã da casa pensava que se referia ao homem de branco, ela o fazia a pequena marciana. Ela é muita esperta...

À medida que a expectativa de muitos era elevada, a curiosidade se alastrava entre os que presenciariam o evento pela primeira vez. A hora de descobrir finalmente havia chegado junta com a proximidade do meio-dia. O sol aparentava brilhar muito mais forte naquele dia, espantando o frio costumeiro, devia-se ao fato da capital ainda se encontrar nas alturas.

— Por que não vamos no mesmo balão? — interrogou Safira para Maximus.

Escolhiam em qual das engenhocas iriam ao evento, naquela oficina havia duas, entretanto, o casal olimpiano não queria dividir a mesma com os terráqueos, foi o que o ígneo informou enquanto sua mulher ia atender as batidas na porta. Paralelamente ao atendimento da marciana a um possível freguês, o homem buscava uma forma de se explicar sem mencionar o triste passado...

Por causa do que seu irmão fez, mesmo com os relatos de Fire King de que aqueles dois civis não possuíam participação na escravatura de feras, qualquer um que possuísse Magnus no nome também recebia olhares de julgamento sobre si. Para qualquer um, seria melhor que não fossem vistos com um integrante daquela família condenada.

— É que... vocês vão ter que voar mais rápido se quiserem aproveitar melhor o evento, e nós estamos velhos demais para essa adrenalina toda — explicou sem muita convicção o ferreiro, ocupando o olhar com alguns nós do automóvel aéreo.

— Tudo bem, senhor. Nós entendemos... — A guardiã declarou, vendo o constrangimento da situação.

— E então... Vocês, por acaso, sabem pilotar balão? — A indagação de José fez todos se entreolharem. Ele já havia tomado um lugar na grande cesta, juntamente da namorada.

— A Xian sabe! — Dragon apareceu com a garota, ao lado de Monkka. Ofegantes como se tivessem corrido uma maratona, foi exatamente o que fizeram para chegar ali a tempo.

— Onde vocês estavam?! — inquiriu a moça como se já estivesse os repreendendo pela atitude irresponsável.

— Fomos... Ela precisava ver Tempe e Olímpio antes do torneio. — Fei lhe instruía telepaticamente o que devia dizer.

Sem mais delongas, pois não havia tempo para perder, os cinco acomodaram-se da melhor forma como puderam e Xiang pôs-se a conduzir o balão até as alturas, pelo menos, ainda mais alto que a ilha voadora. Enquanto sobrevoavam a capital, junto de mais centenas de balões, steágnos e outras locomotivas aéreas, José teve sua sutileza ultrapassada pela curiosidade.

— Por que você meio que não está... falando? — direcionou seu olhar à pequena concentrada em pilotar as hélices e a força combustiva que os mantinha no ar. Ela olhou do loiro para seu melhor amigo.

— A habilidade dela é ativada pela fala, mas Xian não tem tanto controle, ainda... — O fera foi sucinto. — No castelo, os poderes dela são contidos por Tempe.

Os outros três já sabiam sobre aquele fato, todavia, desconheciam a parte da ativação pela fala.

Isso explica ela tagarelar tanto quando tem a chance — pensou a guardiã hidrocinética.

Assim seguiram em direção à parte periférica da capital e, em questão de segundos, já possuíam a vista do grande nada depois das fronteiras de terra, apenas um imenso abismo se seguia dali. Depois que ultrapassaram os limites da capital, constataram a maior cratera imaginável por eles, localizada obviamente abaixo da porção de solo voador.

— O Monte Olimpo é, na verdade, um enorme vulcão — elucidou Dragon, recebendo as informações da marciana e apontando a quilométrica caldeira abaixo deles. — Depois de dois bilhões de anos em erupção, ele finalmente se tornou inativo e foi aí que construíram as estruturas da cidade em cima.

Enquanto Safira se atentava ao que era dito, José fitava os detalhes da paisagem indescritível. À medida que o balão perdia altura, podia-se ver as enormes turbinas presas à base da ilha voadora, suspendendo-a no ar, tornava-se mais visível também o que os esperava mais abaixo dali. Contudo, o que atraiu as íris da hidrocinética foram as construções que podiam enxergar a partir da muralha que rodeava perfeitamente a cratera do vulcão.

— Então havia uma cidade inteira depois daqueles muros... — Na noite anterior, atentou-se ao paredão metálico, todavia, não podia imaginar o que havia depois dele. Por que será que foram isolados?

Eu me perguntei a mesma coisa — o telepata depressa interviu na mente da dama —, mas a Xiang me explicou que eles ocuparam aquele espaço depois que a muralha foi construída. Foram avisados que morar ali podia ser perigoso enquanto a capital do monte tivesse em processo de elevação, mas ignoraram o aviso por não encontrarem outra opção — contava o que tinha ouvido de sua amiga no dia que fugiram do palácio. — A alta divisória não pôde ser derrubada pois mantinha a segurança, pelo menos, esta é a teoria.

— É como uma imensa arena! — exultou o bruxo que quase se jogava de um canto a outro da cesta, na tentativa de não perder nada, por mais que seus olhos já não enxergassem o outro canto daquele imenso buraco.

A cratera havia sido reconstruída para melhor servir ao seu proposito daquele dia, perdendo parte do aspecto original acidentado, e adotando uma forma mais plana. Sua caldeira possuía, aproximadamente, oitenta quilômetros de uma ponta a outra no seu maior lado, sendo o mesmo tamanho da capital flutuante. Depois disso, ainda havia uma inclinação íngreme para todos seus lados, na qual se via o restante da cidade após a muralha, e então era notável uma quilométrica queda, sendo o final de fato.

O Monte Olimpo contava com seiscentos quilômetros em sua maior base, possuindo uma área equivalente ao que seria a Alemanha, na Terra. Sendo intitulado o maior vulcão de todo o sistema solar.

— Aquilo é...?

— As arquibancadas. — O fera frio respondeu a moça que não enxergava bem de tão longe.

No que seriam as paredes da cratera foram postas as arquibancadas, era impossível medir o tamanho e a quantidade de assentos disponíveis, os quais já se mostravam quase completamente ocupados. Um preocupação em meio toda aquela grandeza seria a visão, talvez não houvesse nenhum poderoso que conseguisse enxergar numa distância de oitenta quilômetros. Para isso serviam os binóculos que muitos usavam, além das grandes telas suspensas em vários steágnos que sobrevoavam a caldeira, elas televisionavam o que era gravado por câmeras espalhadas pelos pontos estratégicos.

Um desses locais era a charmosa torre do templo antigo que localizava-se no exato centro da cratera e servia para a alta classe somente. Outros telões mostravam o principal foco daquele evento, uma aglomeração de animais e pessoas se projetava em um dos lados daquela arena, todos atrás de uma linha imaginaria.

— A primeira prova é uma corrida? — questionou o bruxo que se coçava de tanta emoção.

— Na verdade, isso não é uma prova...

— Prontos para a maratona de exibição e alistamento?! — A fala de um homem ecoou cortando a explicação de Dragon. Sua voz partia de vários cantos espalhados, assim como os gritos exasperados dos torcedores.

— Como sabem, ela tem uma duração de doze horas apenas... Será que teremos mais surpresas desta vez como foi no último Torneio Feroz, Manish?! — Os comentaristas serviam mais para entreter as pessoas enquanto o evento não começava de fato.

— Com certeza, Bhav, inclusive, já estamos tendo uma neste instante, pois o querido e aclamado Krolik está entre os participantes. — Os gritos excederam o limite do suportável quando várias telas mostraram um moreno acenando entre os competidores.

Uma das pessoas que adotou a excentricidade do momento foi a pequena Fei, começando pular e suspirar. Era penoso vê-la contendo-se ao máximo para não gritar.

— Quem é esse? — O julgamento no olhar de Yara trouxe a sanidade à garota novamente.

— Cantor, compositor, músico, dançarino e superlindo, Krolik é uma estrela aqui em Fogo — relatou o homem de branco imitando a voz quase perfeitamente de sua amiga, todavia, sem a empolgação dela. Não houve o pedido para que ele falasse aquilo, entretanto, já havia decorado de tanto que a ígnea ouvia as cações dele, não era atoa que sua música favorita havia sido escrita pelo famoso.

— Será que ele vai dar um show por aqui também?!

— Isso eu não sei, mas quem, com certeza, vai colocar isso tudo para pegar fogo é nosso Salvador, Fire King! — O deus tomou todo o foco das pequenas câmeras que flutuavam em hélices e enviavam as imagens para os telões. Uma tecnologia baseada mais em magia do que na ciência em si.

Enquanto nada começava, o aglomerado de competidores apenas aumentava. Qualquer fera que tivesse coragem o suficiente para enfrentar o embate podia participar. Sobrevoando perto daquele local, o grupo terráqueo notava mais e mais pessoas chegando, essas ou os feras já transformados.

Um detalhe daquela maratona era o fato de terem que fazê-la em forma feral, muitos a tomavam somente no momento certo, principalmente os mais famosos, que eram os favoritos das câmeras. Os que já se mostravam na forma original eram aqueles que tentavam tomar a atenção pelo animal que podiam se tornar, ou o faziam buscando o anonimato parcial, por várias razões pessoais, o que não duraria muito já que teriam de se apresentar como humanos também.

— Se essa maratona tem tanto tempo de duração, então não precisam sair correndo na frente, certo? — José raciocinou uma melhor forma de cumprir aquela parte do evento, mesmo que não fosse competir. — Pelos meus cálculos, é possível atravessar todo o percurso sem atraso, mas quem sair junto com muitos outros pode sofrer por causa do pouco espaço entre os feras. Eu ficaria por último...

Qualquer terráqueo, netuniano ou jupteriano que assistisse a corrida poderia pensar o mesmo. Os milhares de participantes se juntavam num dos lados da cratera como um amontoado, muitos acabariam machucados se tentassem sair juntos. Esse pensamento era ainda mais válido quando levassem em conta que teriam de correr em forma de animal, talvez fosse por isso que muitos dos guerreiros mantinham distância de feras como Fire King.

— É claro que você pensa assim. — Dragon retrucou com a exata voz da menina que prestava atenção na locomoção aérea. — Vocês são estrangeiros, mas eles são ígneos, qualquer coisa para nós significa uma disputa épica. Todos vão querer, a todo custo, ser o primeiro a terminar a maratona.

— Olha, mas o que é isso, Bhav?! — A exclamação do comentarista foi explicada quando os televisores apresentaram um ser que mostrava da cintura para cima em forma de homem e abaixo disso um corpo de cavalo. — Temos um centauro entre os guerreiros este ano!

— Nem fera e muito menos humano, muitos estão se perguntando se isso é válido... — A parada com suspense serviu para os que assistiam expressarem sua inaudível opinião. — Ele é um ser místico e, como tal, tendo uma consciência semelhante à humana e depois de abençoado por um Sentimento, também é digno de ser um dos próximos Guerreiros Ferozes.

Com aquilo, ele reivindicou muita da atenção do público para si, exibindo sua armadura vermelha enquanto ficava nas patas traseiras. Assim como já faziam os que, naquele momento, ainda eram considerados os atuais representantes dos feras. Tempe acenava junto do quase invisível Olímpio, que quase se perdia em meio aos outros poderosos de maior estatura.

Cimmeria e Tyrrhena exibiam sua graciosidade e charme tanto quanto Margaritifer esbanjava a imponência que suas serpentes a permitiam ter. No entanto, aquela marciana em específico tinha uma amarga preocupação pendente, não havia visto sua amada aquela manhã, não disse que amava Arícia naquele dia, isso poderia ser um erro trágico e irreparável.

Era fato que todos que se dispuseram a competir cultivam o mesmo temor, pois entre os milhares que estavam ali, se não conseguissem ficar entres os doze escolhidos, era porque a derrota havia os alcançado em campo de batalha. Por isso Fire disse que amava Yara ainda na cama, o mesmo fez Xiang, indo ao castelo para ver aqueles que considerava sua família. No entanto Marga não teve o mesmo privilégio...

— Agora, deixaremos vocês com o grande Bruxo Elétrico, Salazar! — A animação com que o comentarista entoou o nome foi recebida com vaias de todas as arquibancadas. Era o brado dos conservadores, os que consideravam culpa dele a disparidade civil que enfrentavam e diziam que havia sido ele a trazer discórdia.

— Obrigado, Manish... — O pronuncio de Salazar elevou os gritos do público. — Primeiramente, feliz primeiro Primus do ano, e que Magnólia nos guie no melhor caminho. — A menção daquele nome calou subitamente a todos, foi mágica a forma como baixaram a cabeça em respeito, o qual não mostravam pelo bruxo, mas por aquela que o mesmo havia citado.

Nota mental: perguntar quem é Magnólia... — José deixaria sua curiosidade para ser saciada posteriormente.

— Hoje ocorrerá somente a maratona e a inscrição da...

Precisamos de uma boa distração, pois eles podem tentar nos impedir. — Dragon ignorava o anúncio que ecoava por toda cratera.

Pode deixar comigo... — Era hora de pôr o plano em ação.

O balão do pequeno grupo sobrevoava o ponto onde os concorrentes permaneciam, era o momento perfeito. Xiang deu um pulo na cesta e transformou-se em uma ave, mas uma que não podia voar, um galo alaranjado. O animal direcionou seu corpo para fora da geringonça, batendo as asas freneticamente, entretanto, foi detido pelo bruxo que o segurou. Depois que puxou de volta, sentiu uma rápida e dolorosa bicada na mão, soltando a ave que partiu em direção a cabeça de Safira, depois saltou para Yara, a qual desviou temendo as garras da fera.

Os gritos de exaspero do grupo alarmado mal chamavam atenção em consonância aos que reverberavam pela caldeira planificada. O galo pôde partir livremente para fora da cesta, descendo com alta velocidade em direção ao solo, e o dragão disparou logo atrás com prontidão.

— Ainda bem, Dragon vai trazê-la de volta. — José prendia a respiração vendo seu irmão descer com rapidez, oscilando entre alívio e preocupação. Porém, a guardiã hidrocinética já entendia o que a dupla tinha em mente:

— Acho que eles não estão fazendo plano de voltar...

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