Capítulo 4- De Olhos No Vazio II
•••
Manhã ensolarada de Tercius. No palácio central do Monte Olimpo, só se ouvia falar do grande Torneio Feroz que ocorreria em menos de uma semana. As emoções circulavam ainda de forma sorrateira, assim como as apostas que já começavam a ser feitas. Quais seriam as feras que teriam coragem suficiente para participar do torneio e talvez acabar dando de cara com um dos Guerreiros Ferozes?
No entanto os terráqueos recém-chegados desfrutavam de uma pequena parte dessa animação apenas, uma vez proibidos por Tempe de sair do castelo, para que não sofressem pela mudança brusca de atmosfera. Somado a isso o fato de que era na cidade capital ao redor da construção antiga onde se concentrava a maior parte da energia vibrante de ansiedade.
Depois de conseguir se concentrar no principal foco de Runks e teleportar para lá, José finalmente encontrou Salazar numa parte arejada e bem decorada do palácio olimpiano. Com abertura para o céu laranja do amanhecer, um espécie de tatame quadrado rodeado de alpendres cobertos se projetava para o rapaz. O bruxo diria que aquele cenário havia sido criado inspirado na cultura oriental se estivesse no planeta Terra, principalmente por causa dos bambus que cresciam ao redor do chão de pedra talhada.
— É aqui que o senhor treina?
— Na verdade, não — declarou sucintamente, vendo-o contemplar os detalhes. — Tenho um lugar especial para meu treino. Acho esse local o mais adequado para que você pratique. E não me chame de senhor, por favor.
— E por que não treino no mesmo lugar que... você? — inquiriu, dirigindo seu olhar aos globos dourados do homem robusto com traje escuro e amarelo.
— Você vai acabar constatando, bruxo, que seus poderes são limitados aqui em Fogo, pois os Runks se originam de formas de vida diferentes das que se encontram na Terra. — Abriu os braços fazendo menção ao espaço que os rodeava, como se ele ainda não houvesse notado. — Esta parte do castelo me pareceu o mais propício ao Bruxo da Natureza.
— E então, o que vamos treinar? — Direto ao ponto.
— Hoje, já vamos tentar descobrir qual sua habilidade particular — sanou Salazar, percebendo o semblante do mais novo se iluminar com a notícia, assim como a estranheza que surgiu no brilho de seus olhos azulados.
— Sem nenhum aquecimento? Nenhuma demonstração? Talvez explicação? — questionou, recordando-se do treinamento que recebeu de Joseph. Tal lembrança o fez desanimar e sentir uma ligeira raiva ao mesmo tempo. Então ele realmente não fez questão alguma de me ver desde aquele dia...
Para cada pergunta, o ígneo negava com a cabeça, a qual possuía certos adereços amarelos que pareciam pequenas antenas elétricas. Movia sem muito esforço, o que fez o menor propor mais uma vez:
— Que tal um duelo para mostrar o que já sabemos?
— Bem...
Num movimento rápido, o homem estirou a mão direita mirando José, e de sua palma zarpou uma corrente elétrica comparada a um raio controlado. Todavia o assalto estendeu-se, envolvendo-o quase como uma segunda camada de sua existência, mas sem ao menos ousar tocá-lo, para desparecer logo em seguida. A reação do loiro se mostrou ser apenas permanecer no modo estátua que adotou pela surpresa, a qual o fez arregalar os olhos.
— Bruxos não podem atacar outros, é simplesmente impossível — explicou levando seu longo cabelo preto como ébano para os dedos que se puseram a alisá-lo com cuidado. — O Runk usado para atacar é o mesmo que se recusa a ferir um de seus manipuladores. Ou seja, sem duelos, mas posso contar como adquiri minha habilidade especial, se desejar.
— Sim, com certeza. — Transmitiu sua animação através do aceno exacerbado de cabeça. Criou gosto por histórias desde quando era Joseph que as contava todas as noites antes de dormir, depois sonhava com o que lhe havia sido contado. As lembranças nesse dia não o deixavam viver o presente em paz.
— Antes de ser bruxo, eu era apenas um inventor, muito diferente dos outro, diga-se de passagem — começou, caminhando em círculos ao redor de José, com vagareza, pressionando os próprios bíceps para cruzar os braços atrás do corpo musculoso. — Buscava uma nova forma de energia para as máquinas de Fogo, quando o antigo bruxo faleceu, oito anos atrás, contando no tempo da Terra. Uns dizem que foi assassinado, mas eu sei que ele apenas aceitou ser levado pelos Runks e deixou este plano mortal...
— Quando Xiang se transformou a partir de um galo, mostrou um poder sem controle, então Tempe depressa se prontificou em contê-la, mas nem seu grande domínio era pálio ao descontrole da pequena fera. — O terráqueo forçava sua imaginação na tentativa de visualizar o que era dito e de compreender.
— Enquanto tentava ajudá-los nessa missão, foquei totalmente em meu interior e, de repente, Tempe se tornou mais poderoso do que nunca foi — continuou o monólogo, deixando de andar quando terminou a última translação ao redor do rapaz que tentava entender. — Foi naquele exato momento que compreendi que posso maximizar um poderoso e seus domínios ao extremo.
— Nossa...! — Foi o que conseguiu expressar enquanto em sua mente surgiam milhares de possibilidades para sua quinta capacidade. — Quando você diz que focou no seu interior, quer dizer...?
— Descobri o que me tornou um bruxo, pois a habilidade assinatura está ligada a nossa personalidade e é esta que nos faz uma escolha plausível aos Runks — elucidou, gerando ainda mais curiosidade no jovem que usava um pontudo chapéu verde.
— Aah... — O que será que os Runks viram em mim? — E como soube o que te tornou um bruxo?
— Isso foi simples, bastou apenas perguntar... — pronunciou com mistério, adorando ver José se corroendo por dentro como um bom curioso.
— A quem?!
A resposta dele pareceu ser mais complicada de entender quando o marciano virou-se de lado e sentou-se ali mesmo no tatame de pedra, como se fosse a poltrona mais confortável já criada. Depois deu dois toques no chão, e o terráqueo o imitou, sentando-se ao seu lado. De alguma forma, aquele local conseguia manter o silêncio mesmo fazendo parte de um castelo que se animava cada vez mais com a chegada de um torneio. Foi naquele profundo vácuo cheio da mais pura falta de som que o adolescente sentiu a inquietação por causa de sua respirar descompassado que o tirava concentração.
Felizmente, para ele, não demorou muito para que conseguisse, seguindo como base o suspirar de Salazar, acalmar sua respiração. Não precisou nem que ele o pedisse para fechar os olhos, pois já havia o feito. Obrigado pela aula de meditação, Kongjian... Lembrava-se das horas que passou em frente a uma cachoeira na Índia, muitos meses antes.
— Agora, busque na mente a sua vida passada — instruiu o ígneo, murmurando num único suspiro quase inaudível.
— Buscar quem? — Deixou a calma para indagar, olhando-o usufruir da paz. Não sabia se havia entendido corretamente o sussurro efêmero.
— Sua vida passada, quem veio antes de você, antes que se tornasse bruxo — esclareceu de uma forma que pareceu dificultar ainda mais a compreensão.
— Aah... — Fechou os olhos novamente. Eu nem acredito em reencarnação... Não sei como uma pessoa que veio antes de mim vai saber sobre minha vida. Será que eu deveria saber quem é? Segundos após, tornou a olhar seu tutor. — E quem é que veio antes de mim?
— Você não...? — Apresentou incredulidade nos traços faciais que dirigiu ao rapaz, entretanto, entendeu a situação. — Você nunca procurou sua vida passada antes, então isso vai ser mais complicado... — Ergueu seu corpo como o vento levantava uma folha seca e pôs-se a cursar um percurso monótono de um lado a outro, ponderando o que deveria fazer a seguir.
— Acredito que você Já tenha feito isso, então como foi? — inquiriu José, vendo se aproximar subitamente, como se houvesse descoberto algo inovador.
— Vejamos... Apresente-se para nós, personificação de toda a energia vitalícia!
O fim de sua convocação marcou o momento perfeito que os bambus resistentes deixaram seu balançar sútil para tremer de forma frenética. Deles surgiu o farfalhar dos pássaros dourados que iluminaram ainda mais o ambiente, rodeavam aos montes os dois bruxos encantados, aglomerando-se num só ponto em seguida.
— Já pedi para que se referisse a mim como Hugo — censurou a figura espectral de manto dourado, ascendendo dos Runks, bem na frente dos dois, aos quais apresentou serventia com uma mesura generosa. — Bom dia, Bruxos Elétrico e Natural.
— Olá, Hugo. — cumprimentou o rapaz, acenando para o recém-aparecido.
— Faz tempo que não me chamas, não é mesmo? Já está bem poderoso e muito forte, pelo visto. A última vez foi, vejamos... — Encenou uma cara pensante para agregar no drama que fazia. — Desde o dia que tornou-se bruxo!
— Desculpe-me, mas eu acabei de saber que podemos te invocar, além de que, na primeira vez, você surgiu sem eu chamar. Depois disso, sempre consegui senti-lo, achei que apareceria quando fosse necessário ou só quando quisesse — esclareceu com refutações enquanto o ígneo apenas olhava o diálogo impreciso.
— Bem, agora você sabe... — Hugo concluiu com um sorriso convencido. Desviou o olhar de um para outro e outra vez, esperando que dissessem algo a mais. — E então... Por que me convocaram?
— Ah, o Bruxo da Natureza encontrou certa dificuldade em acessar a sua vida passada. — Indicando o adolescente ao seu lado, esclareceu Salazar. — O chamei para que o ajude nessa questão.
— Entendo... Seu desejo é uma ordem. — O espectro abriu os braços e seu corpo se desfez numa poeira cintilante que começou rodopiar.
A ventania dourada que se formou em poucos segundos levava tudo o que tocava, deixando somente o vazio para trás. José vislumbrava o solo se dissipar como se fosse feito de ar, e os bambus desprenderem da existência, transformando-se também em ciscos reluzentes que juntavam ao ciclone. Tudo se foi, Salazar, Hugo, o tatame, o céu laranja, os alpendres, tudo desapareceu junto com a poeira que os carregou. Restando apenas o loiro, na imensidão da inexistência alva, como um gigantesco salão lúrido.
— Vejo que o cortou realmente... — Ouviu uma voz à suas costas e se virou rapidamente.
— Você... — O rapaz atentou-se a vestimenta do homem que apresentava uma idade já avançada, mesmo que seu longo cabelo e barba ainda estivessem começando a se tornar grisalhos entre as partes amarelo-douradas. — O senhor não é minha vida passada, mas o Bruxo da Natureza que veio antes de mim.
— Nossa! E como descobriu? Foi pela nossa vestimenta idêntica, pelo mesmo chapéu pontudo, ou pelo meu cajado? — ironizou o velho ranzinza, indicando o que era mencionado. As roupas eram realmente iguais, contudo, as do homem pareciam apertadas por seus músculos mais avantajados. — Todavia não mude o rumo da conversa. Eu demorei anos para deixá-lo tão grande assim!
— Refere-se a isso? — O jovem tateava as mechas de seu cabelo que não alcançavam mais nem o seu ombro, percebendo a longa trança daquele à sua frente, quase arrastava no chão. Então deve ser por causa dele que assumo esta aparência e ganho estas roupas quando me transformo... — É... Meio que não foi proposital, ele não cresceu mais desde que se transformou em folhas quando tentei teleportar.
— Amador — zombou como num suspiro à medida que revirava seus olhos verdes. — Por que não me questionou a forma correta de usar seus poderes?
— Mas eu só soube que podia contatá-lo há pouquíssimos minutos — retaliou na defensiva, cruzando os braços.
— Muito bem... — Tomou fôlego. — Agora que estamos aqui, compreenda que tudo que sei, você sabe também; toda minha experiência é sua, pois meus Runks o escolheram para residir e agora somos um. O que quiser entender, basta apenas me perguntar.
— Que ótimo. Vamos ver... Qual o seu nome? — indagou depois de ponderar sobre o que indagaria.
— Florêncio.
— E como você morreu?
— Então você quer saber por que foi escolhido pelos Runks para ser meu sucessor... — O senhor simplesmente ignorou a enrolação de José e foi direto ao ponto, pois já entendia a causa de sua convocação. Não facilitaria a relação deles, por mais que estivessem ligados.
— É exatamente isso. — Perder aquelas trança, pelo visto, foi um grande erro que cometi...
— Você... era a única opção, pronto, falei — atirou as palavras de uma forma que indignaram ainda mais o rapaz.
— O quê?!
— Como próximo Bruxo Natural, o escolhido deveria ter amor pela natureza obviamente — começou como se fizesse esforço para lembrar. — Os olhos da minha alma não se voltaram para outra pessoa senão Safira, ela seria uma bruxa excepcional. Eu achava isso até que você se aproximou dela e pude perceber que apresentava semelhanças a ela...
— Se gostava tanto assim dela, por que não a escolheu?! — O moço só percebeu que tremia e sentia uma breve raiva quando o tom de sua voz saiu mais alto do que desejava.
— Acredite, eu o faria sem pensar duas vezes, entretanto, poderosos não podem se tornar bruxos, somente humanos normais, os quais precisam se sacrificar em um ato de coragem. — Alegrava-se com a irritação que transparecia cada vez mais no semblante de José. Considerou-se vingado por ele ter perdido as longas tranças douradas e decidiu finalmente dar-lhe sua esperada resposta.
— Você o fez, jovem, apresentou sua coragem e sacrificou-se pelo que amava, por quem amava, por aquilo que acreditava. Foi naquele momento que vi em ti uma coisa que me fez te eleger: acima de tudo, você sempre se coloca no lugar dos outros e tenta descobrir uma forma de ajudar a quem quer que seja...
— Tem seus defeitos pessoais, é claro, como todo e qualquer ser humano, contudo, ainda assim... tem grande empatia. Torna-se muito mais forte quando luta em união, com alguém ou por alguém. Por isso te escolhi e em nenhum instante me arrependi.
— Nossa... — Precisou do silêncio que se instaurou ali para absorver as palavras, olhava suas botas marrons. — E-eu não sei o que falar.
— Dizer obrigado seria o ideal, mas tudo bem, já obteve sua resposta. — Deu-lhe as costas, por fim.
— Espera, tem mais algo que preciso saber!
— Pergunte — autorizou sem, ao menos, virar-se.
— Vou ser mais sucinto desta vez, percebi que não gosta de arrodeio. — Recapitulou a interrogação na mente. — O que Malléphycus o propôs, antes de te matar?
— O fera sombrio é um estrategista nato e muito astucioso, seria Ilógico me contar qualquer parte de seus planos antes que tivesse total certeza que me aliaria a ele — explicou-se e depois ergueu a mão com o dedo indicador contando unidade. — Entretanto, uma coisa é certa, ele não medirá esforços para conquistar o que almeja.
Florêncio virou-se uma última vez, para observar os traços de receio que se dissiparam no semblante de José.
— Muito obrigado pelas informações.
— Será sempre um prazer lhe auxiliar. Agora, se me dá licença, boa sorte e que os Runks lhe auxiliem. — O antigo bruxo se desfez em luzes cintilantes enquanto acenava e, da mesma forma como o jovem foi parar ali, regressou à realidade, na qual Salazar o esperava.
— Como foi? Não, não precisa me dizer — interviu quando o rapaz já abria a boca para lhe contar, jazendo confuso. — Seja lá o que lhe foi dito, será necessário que busque o significado disso em seu interior, o que significa para você. Então, por enquanto, só precisa refletir.
— É só isso?
— Exatamente, continuaremos depois, agora vou...
— Espera. — José o interrompeu, percebendo que o outro preparava-se para teleportar. — Preciso te falar sobre um dos Guerreiros Ferozes...
— Xanthe? — O adolescente acenou depois de amenizar a surpresa que sentiu. — Sabia que perceberia que ele não possui Runks. Eu ia esclarecer isso para você, mas esqueci. Espero que não tenha pensado nada malévolo sobre ele.
— Quem? Eu?! Jamais, pensaria, nada, disso — concluiu sua frase nada convicta, forçando um sorriso para acompanhar o de Salazar. — Fire me contou que ele está morrendo.
— Então, sobre isso... — Tomou fôlego para continuar. — Xanthe me pediu para guardar este segredo, apenas nós dois sabemos, mas notei que você é curioso demais e iria descobrir cedo ou tarde... Os Guerreiros Ferozes acham que ele está morrendo, porém, se fosse assim sentiríamos a vida dele se esvaindo. Mas não há Runk algum para sentir, logo...
— Ele já está morto... — murmurou sentindo a verdade o atingir novamente, como se não o deixasse descansar por uma hora sequer. A culpa ainda o castigava por julgar alguém, no entanto, tal sentimento se intensificou ao descobrir que o sujeito estava literalmente... morto. — C-como ele não...?
— Deixou de viver? — Procurava não encarar os olhos marejados de José. — Achamos que é por causa de seu poder de invocar os mortos. É como se ele estivesse se auto-invocando inconscientemente.
— Então ele é imortal.
— Não, pessoas imortais não podem morrer, Xanthe já está morto. O que restou foi apenas um mero fantasma do que ele era. Acham que ele está morrendo, contudo, na verdade, permanecerá definhando até que nada mais sobre...
Como vão, poderosos? Animados para o Torneio Feroz? Espero que sim! Peço que cliquem na estrela aqui embaixo e compartilhem essa saga que promete lhes encantar. Não deixem de dizer também o que estão achando!
Qual será o último poder de José? Seus pensamentos turbulentos continuarão? O que acharam da história de Xanthe? Quais segredos Fogo ainda guarda? Malléphycus está à espreita?...
-José JGF
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top