Capítulo 4- De Olhos No Vazio I

— Para que esse suspense todo? — inquiriu a guardiã aquática, sendo a penúltima a entrar no aposento do bruxo que ainda mantinha seus pensamentos inquietantes em segredo.

— É raro vê-lo assim tão tenso realmente — confirmou Safira, já sentada com as pernas cruzadas em sua cama de molas.

— Eu me lembro de ter visto ele assim só uma vez — comentou Dragon, permanecendo parado em pé, ao lado do acolchoado, enquanto Yara se acomodava no mesmo, e José trancava a porta do cômodo espaçoso —, foi quando ele furtou o papai Noel.

Os outros três fitaram automaticamente o rapaz que se voltava para eles, franziam o cenho a fim de expressar a descrença que sentiam. Sua namorada até deixou o queixo cair, sem controle da reação.

— Você roubou o Papai Noel? — A mulher de olhos azuis questionou com um sorriso de descrença, sentindo mais inveja do que surpresa.

— Eu não roubei — seu semblante foi de defensivo para malicioso à medida que tentava lembrar ao que o fera se referia —, só peguei uma esfera de teleporte emprestada, apenas isso.

— E eu pensando que você era um mocinho certinho. — Fire não ficou de fora. Encontrava-se sentado na poltrona de couro ao lado direito da cama, estando mais perto da varanda do recinto.

— Quando foi isso, amor? — interrogou a jovem com vestido de pétalas rosa e folhas.

— Foco no agora, pessoal! — O adolescente exclamou na tentativa de levá-los ao real problema. Somente naquele instante constataram que ele realmente falava com seriedade, o que, de certa forma, consideravam ligeiramente assustador. — A votação terminou em empate, como queriam saber, mas não é sobre isso que quero conversar... Ele já sabe que estamos aqui, Malléphycus está entre nós...

— Como assim?

— Você o viu?!

— Vamos atrás dele!

Safira, Yara e King pronunciaram respectivamente, erguendo o tom da voz ao mesmo tempo, assim como fizeram com o corpo. No entanto, José depressa os deteve, erguendo as mãos para indicar calma, sentimento que ele não aparentava esbanjar.

— Eu não o vi, mas desconfio que já esteja controlando uma das pessoas daqui. — Arrodeio não fazia o seu tipo, mas havia algo que o impedia de ir direto ao ponto: ele havia esquecido totalmente o nome de seu suspeito. — É aquele com cabelo branco, parecendo um fantasma cadavérico, com olhar meio assim. — Buscava descrevê-lo da melhor forma, mudando seu semblante para um cansado e sem vida, para que Fire entendesse a quem ele se referia.

A moça lançou alguns risinhos vendo a careta feita pelo namorado, o que contagiaria a mulher com tatuagem de tridente acima da cintura, se essa não estivesse imersa demais no assunto sério.

— Xanthe? — inquiriu o deus pirocinético.

— Esse mesmo!

— Xanthe, aquele que não queria sair do quarto para jantar? — indagou a guardiã.

— Exatamente — concordou o homem sentado, com um olhar analisador, enquanto alisava uma barba imaginária. — Por que acha que o guerreiro está sendo controlado? Ele devia estar com os olhos vermelhos, não?

— Na verdade, não — interpelou Safira, ainda tentando controlar o riso doce que apaixonava o rapaz, cujos pensamentos foram empacados para admirá-la. — Agora já sabemos da existência dos aliados, poderosos que concordam com Malléphycus e se aliam a ele espontaneamente, encontramos vários nesse ano.

— Por esse motivo desconfio do Xanti...

— Xanthe.

—..., mas ele é diferente de todos que já vi. — José ignorou a correção de Yara. — Eu sempre senti algo ruim emanando das pessoas que estavam sendo controladas ou que haviam se aliado, mas dele... eu não sinto nada, nem ruim e muito menos bom, simplesmente coisa nenhuma.

— Se você não sente nada, como deduziu que ele pode ser do mal? — interrogou Dragon, reivindicando todos os olhares.

— Quem diria que ele é bom argumentando? — zombou Fire, desviando novamente o foco da conversa.

— Aprendi com Maria. Se você pedir, talvez ela te ensine também. — Seu comentário não apresentava indício algum de maldade, entretanto, as damas não deixaram passar despercebido o que muitos diriam ser sarcasmo. Começaram gargalhar sem previsão de quando parariam.

Quando eu estava começando a gostar dele... — O fera de capa preta não conteve o aborrecimento, muito menos os pensamentos, até lembrar que esses também podiam ser ouvidos pelo telepata inocente.

O bruxo compreendia seu irmão de consideração, sabia que ele ainda não havia tido acesso a tal linguagem e que suas formas de se expressar ainda eram reduzidas. Noel e Maria realmente o ensinaram as coisas mais básicas e que consideravam de maior necessidade, como a longa lista de etiqueta. O pouco tempo disponível foi um grande inimigo ao desenvolvimento do fera frio.

— Gente, Malléphycus, lembram? — O rapaz chamou atenção das que tentavam controlar o riso. Não demorou muito depois disso para que elas adquirissem a seriedade precisa. — Acho que vocês não me entenderam, vou tentar ser mais direto. Quando digo que não senti nada nele, quero dizer que ele não tem Runk em seu corpo, Xanthe não tem vida.

Não era uma notícia que se ouvia com frequência, muito menos se digeria com facilidade. O silêncio se tornou um indício perfeito dos pensamentos que se exaltavam, buscando explicação para o que não entendiam.

— Eu não devia dizer isso, muito menos para estrangeiros interplanetários, mas vou falar para que não ache que Xanthe é um aliado de Malléphycus. — O deus do fogo mantinha o mistério, divertindo-se com a cara que os outros faziam enquanto tentavam compreender. — Na verdade, em relação à personalidade, ele sempre foi assim, recluso e fechado, desde que o conheço, pelo menos. A questão dos Runks é uma coisa que apenas os Guerreiros Ferozes sabem: Xanthe está morrendo.

As palavras de King pareceram o atingir tão psicológica quanto fisicamente, pois só bastaram elas para que suas pernas cedessem e o loiro caísse ali mesmo, sentado. Safira o alcançou num instante e abraçou com aconchego, o beijou como se quisesse sugar aquele sentimento ruim que ele mostrava sentir.

— Morrendo. — Foi a única coisa capaz de pronunciar em meio a turbulência que eram os pensamentos abatendo suas estruturas. Julgando e desconfiando de uma pessoa que está morrendo. Grande Bruxo da Natureza eu sou...

Estar sempre alerta e esperando uma possível ameaça pode ser um bom indício de que é realmente um ótimo bruxo, irmão... — O telepata apresentou apoio. Noel estava certo ao dizer que eles precisariam um do outro.

— A habilidade de invocar os mortos do Xanthe é bem conhecida por todo Fogo, ele é famoso por muitos acharem que ele controla a própria morte. — Fire relatava com a voz mais baixa que conseguia usar, para que fosse mais bem recebida pelo rapaz que a poderosa de cabelos esverdeados ajudava a se erguer do chão. — Vários ainda acreditam que ele é imortal, mas poucos sabem que é esse mesmo poder que está lhe cobrando a vida e o levando aos poucos. Ele se tranca no quarto para que não o vejam decair...

— Acho que já entendemos, Fire, obrigada! — A senhorita o interrompeu, levando José até a cama, na qual ele sentou-se escorando as costas na cabeceira. Asseguraram que estariam um ao lado do outro quando precisassem, e lá estava ela, oferecendo auxílio ao fraquejar do jovem, abraçando-o de lado.

Não é que ela não se sensibilizasse pela situação de Xanthe, mas sabia que aquele não era o momento correto de falar certas coisas para que fossem absorvidas, principalmente por seu namorado, o qual conseguia segurar as lágrimas, todavia, seu corpo tremia sem controle algum.

— Eu... sinto muito — redimiu-se o deus, arrastando a poltrona na qual se acomodava, para que se aproximasse ainda mais da parte na cama na qual estavam os jovens. Botou uma das mãos ardentes na perna estirada do bruxo, como se quisesse confortá-lo, desabrochando um sorriso em seus próprios lábios. O fera gélido permanecia de pé do outro lado da cama, e Yara se aconchegava numa parte dessa. — Pensa pelo lado bom, pelo menos, não foi...

— Nem pense em terminar essa frase! — Dragon interferiu na fala, prevendo o que seria dito, e ele logo percebeu que realmente deveria manter o silêncio.

Antes mesmo que aquela cena pudesse gerar alguma dúvida ou curiosidade entres os outros, batidas na porta foram ouvidas.

— Bruxo da Natureza, posso entrar? — Escutaram a voz masculina romper do corredor e adentrar o cômodo com efeito amenizado.

— Sim? — José respondeu o chamado, depois de alguns segundos de silêncio nos quais o grupo permaneceu em espera.

Com o consentimento dado, descargas elétricas atravessaram a passagem trancada e se juntaram numa forma humanoide.

— Oh, estão todos aqui! — surpreendeu-se o Bruxo Elétrico, com os braços cruzados atrás do corpo. — Acredito que já me conheçam, sou Salazar, e lhes digo que é um prazer tê-los aqui.

— Agradecemos por nos receber tão bem em seu planeta, estamos gostando bastante. — A guardiã tomou a palavra como mais experiente entre aqueles que o ígneo ainda não conhecia. Ajeitou-se em seu modo de sentar ao mesmo tempo em que falava, para estar mais apresentável. — Me chamo Yara, estes são Safira e Dragon.

— Muito prazer — pronunciou a jovem, ainda com os braços envoltos no corpo daquele que havia deixado de tremer. Havia permitido que fluíssem os pensamentos que engarrafavam sua consciência.

— Espero que estejam apreciando as acomodações — concluiu as apresentações e formalidades, direcionando seu olhar ao loiro ainda escorado na cabeceira. — O procurei em seus aposentos para informar que amanhã, um pouco mais cedo que a reunião de hoje, começaremos seu treinamento, como prometido. E eu mesmo me encarregarei disso.

— Sério? — A notícia o animou de forma brusca. — Muito obrigado, pode deixar comigo, estarei lá na hora certa. Aliás, onde vamos treinar?

— Basta apenas se teleportar para o maior fluxo de Runks por perto, é onde estarei — sanou fazendo menção aos pequenos pássaros dourados e reluzentes que o circundavam, como se o orbitassem. — Espero que entenda o fato de não podermos começar hoje mesmo, tenho muitos afazeres e quero dar mais tempo para que se acostume ao nosso planeta.

— Não, eu entendo, tudo bem, estou feliz de já começarmos amanhã, está perfeito. — Apressou-se em expressar seu contentamento, mesmo que os outros quatro ao redor dele soubessem que, se pudesse, já teria começado a treinar no dia em que chegou no Fogo.

— Muito bem. Ah! Gostaria de mencionar o fato de que você me surpreendeu hoje mais cedo, bruxo, impondo suas ideias e opinando de forma tão séria, como um líder. Tão novo e já garante ter um futuro brilhante — elogiava à medida que o moço tentava forçar o queixo para que esse não caísse, de tão desacreditado.

— Nossa! E-eu, muito agradecido... eu estou, m-muito, mesmo — gaguejou até quando levou uma tapa mínima nas costas, dado por Fire.

— Nos vemos depois. Sejam bem-vindos ao Fogo — terminou a frase em consonância a sua transformação em correntes elétricas que se dissiparam no ar.

Instantes depois que ele sumiu, os poderosos pareceram se exaltar ao mesmo tempo.

— Olha só quem está super importante.

— Vamos ter que pedir autógrafo daqui a alguns dias.

— Já é o favorito do Salazar.

Yara, Safira e King zombavam com graça enquanto o rapaz ainda tentava digerir os elogios dados há pouco. Sua namorada o fazia cócegas. Tudo aquilo para tentar animá-lo, pelo menos, mais do que já se mostrava animado, para que não voltassem ao clima anterior a aquele. Dragon os observava transitando seu olhar entre um e outro, na tentativa de compreender o que estava acontecendo com aqueles humanos.

— Muito obrigado, gente.— Finalmente se controlaram e José pôde tomar fôlego das cócegas, assim, a seriedade não tardou em tomá-lo outra vez.

— Eu já estava quase surtando com a guerra na Terra, somando aquela ameaça de Malléphycus, agora com mais esta questão... — Pausou sua fala, mantendo a cabeça baixa. Sabiam que ele se referia ao Xanthe. — Só me faltava desconfiar de todos ao meu redor, porém, sei que sempre vou poder contar com vocês.

— Safira, seu namorado ainda está na puberdade — começou o deus que sorria com malícia, interrompendo o adolescente. — Primeiro ele fica sério, quase chora, depois ri, aí se emociona e fica meloso. Os hormônios estão totalmente descontrolados.

— Não enche! — Ela jogou um dos pesados travesseiros como resposta, mas Fire o segurou no ar com agilidade. No entanto, ele não conseguiu se defender do segundo, jogado pelo bruxo, telecineticamente, trazendo mais risos à tona, inclusive o genuíno e camuflado sorriso do fera frio.

— Não vai ficar assim! — O marciano mirou-os com o almofada jogado pela terráquea, no entanto, ao lançar seu braço para traz com intuito de tomar impulso, seus dedos o sentiram ser tomado deles.

— Não precisa se preocupar, José. — Yara interviu, sentando-se sobre o travesseiro que havia tomado com facilidade, parando a possível disputa, assim como as risadas. — Aqui não teremos que nos preocupar com a guerra da Terra, e Malléphycus não deve nem saber que estamos neste lugar. Você só precisa se esforçar nos treinos e continuar dando boas ideias ao bruxo.

— Eu sei... Mas algo me diz que tudo pode dar errado a qualquer momento. — Não importava o quanto tentasse, seus pensamentos sempre o levavam àquilo, a algum possível desastre. Espero que minha última habilidade não seja pressentir o que vai acontecer...

— Pense nesta viagem como férias temporárias. — Firmando ainda mais o abraço de lado, comentou Safira.

— Não sei não, galera. Algo realmente está errado. —O pirocinético tomou a atenção. — Pensem comigo, desde quando José é o integrante sério do grupo? Tem alguma coisa errada no universo.

Safira pensava que aquele marciano apresentava suas brincadeiras engraçadas para disfarçar e compensar a forma mais carrancuda que mostrava algumas vezes. Yara imaginava que ele estava fazendo aquilo para que tirasse José de seus pensamentos ruins e esse sabia que o deus apenas se engraçava para a guardiã. Contudo Dragon possuía plena convicção de que King tinha em mente algo mais simples, agia daquela forma somente para que visse uma vez mais o sorriso da terráquea de longos cabelos coloridos.

— Aliás — a de cabelos e íris verdes iniciou, entre o sorriso misturado as lágrimas incontroláveis do gargalhar —, qual foi a incrível ideia genial que você deu, que valeu um elogio do próprio Bruxo Elétrico?

— Democracia.

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