Capítulo 3- Decisões Extremas II
— É... Eu deveria saber sobre o que será essa votação? — indagou o rapaz de cabelo curto dourado, tentando não encarar nenhum presente na reunião.
— Fire...
— Há alguns anos, José — o deus reivindicou a palavra, em pé ao lado do jovem, a pedido de Salazar —, Fogo se tornou palco de uma disparidade de opiniões civis. Momentos após aquilo que aconteceu nas fábricas, que eu te contei, Salazar ascendeu como o novo bruxo, trazendo consigo uma incógnita: Deviam continuar com a cultura milenar do fogo e do vapor, ou adotar a tecnologia e a eletricidade?
— Essa divergência trouxe certa rivalidade entre os povos, por isso estamos tentando chegar a um consenso desde então — relatou Olímpio, sentado novamente no seu assento.
— Não me levem a mal, mas... — tentou amenizar aquilo que falaria — se faz tanto tempo desde que começou essa rivalidade, como ainda não chegaram num consenso?
— Você vai acabar percebendo, bruxo, que não é tão simples assim alcançar o equilíbrio entre opiniões extremamente opostas. — Tempe declarou alisando sua barba longa, com um semblante que transmitia um ar de sabedoria.
— Espero que consigamos hoje. — O Guerreiro Feroz juvenil ergueu seu corpo da cadeira mais uma vez. — Acho que agora podemos começar... Bem, como sempre, defenderei a eletricidade como novo meio de sobrevivência para os ígneos. Visando a evolução, constata-se que não podemos continuar com essa cultura tão arcaica...
— Você constatou isso sozinho — refutou com rispidez uma mulher negra ao lado de Tempe, indignando o bruxo terráqueo. — Vivemos muito bem com o vapor e não vejo necessidade de mudar isso...
Fire percebeu a reação estranha de José e aproximou-se ainda mais dele.
— Não intervenha nesta discussão — confidenciou em seu ouvido, enquanto os marcianos continuavam argumentando com exclamações. — É só um debate... normal.
Normal?! Se normal é assim, nem quero imaginar eles com raiva... Estava mais espantado pela forma como falavam do que pelo que era dito.
— “Vivemos muito bem”, e o que me diz da Retaliação do Fogo, Aonia? — Com incrível serenidade que alguns invejavam e outros descredibilizavam, Tempe argumentou.
— Já discutimos esta pauta — contestou Noachis, o guerreiro barrigudo ao lado direito do jovem que os observava com curiosidade. — Apenas uma falha rara no sistema operacional.
— Falha que matou dezenas de pessoas inocentes — protestou Olímpio, sentando-se por não saber quanto aquilo demoraria.
— E quem garante que não acontecerá o mesmo com essa tecnologia nova? — inquiriu uma mulher de pele em tons lilases, acomodada ao lado de Xanthe, o qual preferia não participar dos debates às vezes, assim como sua melhor amiga, Cimmeria.
— Esta não é a questão, Sabaea. — Tyrrhena, a dominadora de dimensões, respondeu a sua vizinha, com seriedade. — A situação é que já tentamos da forma do fogo e os resultados se mostraram negativos, agora devemos tentar de outra forma.
— E quanto isso demoraria? — interrogou o homem entre Margaritifer e Noachis, ele tinha um semblante ríspido. Como se não quisesse estar ali e se saísse para outro lugar, também não gostaria de estar lá. — Agora que foi declarada a ascensão de um antigo inimigo, deveríamos mesmo nos submeter a uma mudança tão extrema e que está coberta de incógnitas? Seria como derrubar uma muralha para construir outra mais resistente, no entanto, nada impediria o oponente enquanto estivéssemos nesse processo demorado.
— Belo discurso, Sirenum, mas é para isso que estamos aqui — afirmou Tempe, com um tom de encorajamento. — Nós, Guerreiros Ferozes, somos a muralha resistente de Fogo e estamos mais fortes que nunca. Somos impenetráveis, com isso, deveríamos nos ater ao aprimoramento interno, começando com a implementação da eletricidade.
— Gostaria que fosse assim como diz. — Depois de alguns segundos de silêncio, o próprio Bruxo Elétrico se manifestou, coisa que não fazia em debates internos. — Mas Malléphycus provou ser capaz de se infiltrar facilmente entre seus inimigos, se for da vontade dele. Podendo controlar e manipular outras pessoas, não há muito que possamos fazer para contê-lo.
Não demorou um milésimo de segundo entre o fim do pronuncio de Salazar e o tsunami de exclamações exaltadas. Uns mostravam indignação e discordância pelas palavras ditas, outros concordavam com exaspero, além dos que tentavam amenizar a gritaria paralela. Singularmente, o guerreiro pálido e o moço de verde eram os únicos que não se esforçavam para fazer a mínima questão de exteriorizar suas opiniões; muito diferente de Margaritifer, a qual usava a voz apenas para somar a onda de exaltações alteradas.
— Calma! — Foi necessária somente a firmeza da voz de Cimmeria para que todos se aquietassem, difundindo a placidez entre os presentes. — O fera das trevas não é o que está em debate neste momento. Agora, em relação a nossa verdadeira pauta, eu acho que os sinais são bem claros... Não temos mais um Bruxo Combustão, e sim o Bruxo Elétrico. Não deve ter sido por acaso que os Runks cometeram tal alteração.
— Está insinuando agora que os próprios Runks estão contra nós? — contrapôs a ígnea de cabelo escarlate, sentada entre Olímpio e Promethei, o grande homem ao lado de Marga.
— Pelo contrário, querida Arabia — Tyrrhena requisitou a atenção para si —, se os Runks nos deram outra chance com outro bruxo, ao invés de nos destruir com a explosão da fábrica, é por que estão do nosso lado. Então façamos o que a própria energia vital nos indica, para que não recaia sobre nós sua ira.
— Acho que equivoca-se em suas afirmações — abordou Noachis, realocando seu peso na cadeira para ficar mais confortável. — O Fire King, na verdade, foi quem nos deu uma segunda chance quando absorveu a catástrofe. — Apontava o deus que não transmitia muita simpatia em meio àquela situação. — E não há por que os Runks lançarem sua ira contra nós.
— Eu não salvei ninguém! — A exclamação do fera pirocinético extinguiu cada traço do sorriso convencido que o guerreiro possuía. José tomou um susto, mas ninguém percebeu, pois fitaram o homem que não gostava que o vangloriassem pelo que ocorreu no passado. — O que fiz deve-se totalmente ao fato de que recebi ajuda de algo que me tornou um deus, então considerem isso como um ato de misericórdia.
— Achei que você não tivesse um lado — sibilou Margaritifer, com um sorriso venenoso.
— E você está de qual? — inquiriu sua amiga manipuladora de emoções, erguendo o semblante.
— O mesmo que o Fire...
— Eu não estou de nenhum lado!
— Como deus do fogo, achei que seria o primeiro a ir contra tal mudança. — Promethei quase cantarolou sua frase afiada.
— Não estamos aqui para definir lados, mas para achar soluções! — Com o tom um pouco acima do normal, Olímpio levou a ordem para aqueles que já se excediam. — E os problemas são os milhares de anos explorando este planeta, suas escassas matérias-primas, tiramos a própria vida cada dia mais de nosso lar e sabemos disso. Porém quando prejudicamos o nosso mundo, é a nós mesmos que estamos matando. Por isso eu opto por uma energia mais limpa e uma tecnologia menos propícia a nos exterminar.
— Eu acho que...
— E eu tenho certeza... — Salazar interrompeu Sirenum — que já podemos começar a votação.
— O Monte Olimpo opta pela eletricidade. — O pequeno ígneo afirmou com convicção.
— A região de Arabia escolhe o fogo — declarou a mulher ao lado do líder.
— Promethei vota no fogo — pronunciou o homem grandioso.
— A nação de Margaritifer escolhe eletricidade.
— O reino Sirenum prefere o fogo.
— Noachis vota também no fogo.
Ressaltavam suas opiniões em ordem, sendo os seis primeiros aqueles ao lado direito do terráqueo, o qual apenas observava, tentando entender o que ocorria. Será que eles votam em nome de seus domínios, ou as pessoas que votaram e eles estão apenas transmitindo a escolha? Será que eu tenho que votar também? Tomara que não...
— A região de Tempe opta pela eletricidade — proclamou o velho barbado, sentado ao lado esquerdo de José, o qual percebeu que não precisaria opinar.
— Aonia vota no fogo — afirmou a ígnea preta de olhos âmbar.
— A nação de Cimmeria escolhe a eletricidade.
— O domínio Xanthe prefere a eletricidade — afirmou roboticamente o pálido mórbido, dando calafrios no Bruxo da Natureza.
— A região Sabaea vota no fogo. — A fala da mulher de tons lilases fez todos adotarem a tensão que se impregnou entre eles, visto que só restava mais uma guerreira para votar.
— O reino de Tyrrhena opta pela eletricidade.
Com isso, um silêncio se instalou ali entre os suspiros de alívio e decepção que ressoavam à espera de algum pronunciamento.
— Bem, uma vez mais a votação termina em empate, então...
— Espera. Acabou?! — A voz de José interrompeu o bruxo que levantava para se pronunciar.
— Diante dos votos de mesma contagem, não há mais o que ser feito por agora — sanou Salazar.
— E por que vocês não...? — Escolhem um número ímpar de pessoas para votarem? Ele não sabia se podia expressar aquela opinião. Não queria parecer estar discordando de toda uma cultura planetária, por mais que estivesse. Como posso falar isso de forma menos direta? — Por que vocês não pedem ao Fire para votar também?
— Eu sou apenas um pacificador do povo — declarou King, com convicção. — Ajudo a manter a paz para que não haja uma disputa ofensiva de fato. Não posso escolher um lado.
— Até porque, se fosse pelo Fire — Arabia requisitou a atenção —, já teríamos mudado o nome do nosso lar para planeta Elétrico.
— Não estamos discutindo isto no momento. — Olímpio repreendeu com plenitude, mas o que conseguiu foi a exaltação de muitos dos presentes. O debate tomou proporções não tão civilizadas e só piorava, lados contrários bradavam suas opiniões como se isso fosse resolver.
— Por favor... — Ignoraram Salazar, o qual suspirou balançando a cabeça e, com o movimento recluso de sua mão, fez todos que se excediam levar um leve choque. Descontinuaram, por fim, virando-se para o seu bruxo. — Não resolveremos nada desta forma.
— Acho que o que resolveria seria pedir para todos votarem. — A fala tímida de José conquistou os ouvintes, por isso pôs-se a desenvolver sua ideia com mais firmeza. — Digo, todos mesmo, cada pessoa, poderosa ou não, de Fogo. Peçam para que escolham e saberão qual o melhor caminho para seguir.
— Parece uma boa ideia. — Cimmeria foi a primeira a se pronunciar. — Pelo menos acabaria com essa discussão desnecessária entre nós.
— Então eu achei sem graça — retaliou Marga, alisando uma de suas cobras rubras.
— Não é para ter graça, é para ser prático...
— É assim em seu planeta? — Tyrrhena interviu na fala do rapaz.
— Mais ou menos...
— E funciona? — indagou o pequeno jovem prodígio.
— Bem...
— Não podemos submeter nosso povo a uma política que não nos cabe — declarou o idoso ao lado esquerdo do terráqueo, com o máximo de leveza. — Não me entenda mal, mas deixá-los escolher pode de alguma forma abrir mais espaço para que a disparidade de opiniões se transforme numa guerra real. Isso é tudo que queremos evitar.
— Todos concordam com Tempe? — questionou o Bruxo Elétrico ainda de pé, e todos permaneceram em silêncio, indicando que pensavam de forma semelhante.
— Algumas tradições e culturas não estão em nosso poder para manipular — proferiu Cimmeria, como reconforto, sentindo a frustração do loiro.
— Pois bem... — Salazar começou, ponderando. — No próximo dia de Primus, daqui a sete dias, começará o tão esperado Torneio Feroz. Quando chegar seu fim, novos Guerreiros Ferozes terão sido selecionados, estando vocês entre eles ou não. Deverão decidir o rumo do nosso planeta. Espero que, com eles, consigamos chegar numa conclusão e que Magnólia nos ajude nesta caminhada... Encerrada a reunião a respeito de nossa política. Tyrrhena...
Assim como foram parar ali, eles regressaram à realidade verdadeira, a qual se mostrava menos brilhante e ofuscada que a espelhada.
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