Capítulo 2- Jantar De Boas-vindas III
— Pode olhar, garoto. — Marga consentiu, revirando os orbes violetas. — Não vou te transformar em pedra.
— É o que a Medusa diria — devolveu convicto, e a senhorita de cabelos verdes finalmente se soltou da sua palma. — Safira?
— Ela não é a Medusa, José — avisou Yara, enquanto os outros já se acomodavam à mesa.
— Malditos os terráqueos que criaram essa história mal contada! — amaldiçoou a guerreira.
O bruxo tirou as mãos da face e fitou o recinto enorme, passando os olhos pela comida e parando nos globos marcados por uma pupila vertical de Marga, a qual o encarou:
— Gosta do que vê? — Ela inquiriu, maliciosamente, enquanto Safira sentava na cadeira da ponta na lateral esquerda, ao lado de Cimmeria, com Xiang e Dragon logo depois dessa. Olímpio sentou no assento perto daquela que falava.
— Bem... — Olhou para sua namorada, indo até a cadeira na ponta da mesa, a qual foi indicada pelo deus do fogo, e lá ele sentou. — Se está se referindo ao lugar, então sim.
— Essas são Margaritifer e Cimmeria. — Indicou-as o jovem franzino, de cabelo marrom, já servindo seu prato vigorosamente.
— Esses são José, Safira e... — Só naquele momento, Fire King notou que não lembrava o nome do homem de traje branco e máscara de ossos.
— Dragon — completou a moça de pele cor de carvalho, já que seu namorado ainda fitava as serpentes sibilantes, o que o fera do gelo estaria fazendo também, se não ocupasse sua atenção com as brincadeiras de Xiang.
— Vamos, sirvam-se. — Olímpio falou para aqueles que o acompanharam até aquele salão e esses começaram rechear seus pratos. — Onde está Xanthe?
— Ele avisou que... — Marga fazia um chiado agudo com a boca enquanto tentava tirar algo que jazia preso entre seus dentes — iria jantar em seu quarto hoje.
— Não só hoje...
— Como assim?! — Sua reação exaltada à fala de King, fez as cobras chacoalharam, agitadas.
— Já há alguns dias que ele não faz as refeições conosco, preferindo o próprio aposento — esclareceu Cimmeria. — Quase não sai mais do quarto.
— E os motivos são...?
O questionamento de Margaritifer fez todos se entreolharem, sem respostas, nada que explicasse tal situação.
— E vocês não procuraram saber o porquê disso?
— Você sabe como Xanthe é reservado — proferiu a manipuladora de emoções —, nem mesmo eu consegui descobrir o que ele está passando.
— Só para que eu me situe aqui — Yara tomou a palavra —, quem é esse, do qual estão falando?
— Outro Guerreiro Feroz — sanou Fire, prestativamente. — Bem, ele vai ter que aparecer amanhã, para a votação.
— Vai ser a última, antes do Torneio Feroz — complementou Olímpio com placidez.
— Votação de quê? E que torneio é esse? — José atirou os questionamentos, nem as colheradas cheias que depositava na boca o impediam de saciar sua curiosidade.
— Não posso falar agora sobre a votação — declarou o deus pirocinético, brincava com seus próprios dedos, com os cotovelos em cima da mesa. — Mas sobre o Torneio Feroz eu posso explicar... É um evento que ocorre a cada quatro anos, no qual são escolhidos os novos Guerreiros Ferozes.
— Eu usaria a palavra: qualificados — proferiu o adolescente ígneo.
— Mas não é você que está falando — sussurrou Marga, num tom audível para todos, principalmente para o jovem que a fitou com uma serenidade mortal.
— Gente! — Cimmeria interviu, trazendo a calma.
— Continuando... — King retomou seu monólogo. — São qualificados doze poderosos, que, como sugere no nome do torneio, são todos feras.
— Por quê? — inquiriu Safira, terminando sua refeição rápida.
— Em uma das provas desse evento, é necessário que o participante tenha a forma de um animal — sanou o homem de orbes dourados e vestes escuras reveladoras.
— Na verdade, isso tem um fundo histórico de razões — refutou Olímpio, fazendo a marciana ao seu lado revirar os olhos. — Antes dos humanos chegarem aqui, milhares de anos atrás, no Fogo só habitavam seres místicos e...
— E por que os Sentimentos não os abençoavam, para que se tornassem feras? — A pergunta de Yara nem havia passado pela mente dos adolescentes terráqueos.
— Eles recebiam a habilidade dos Sentimentos, ganhavam consciência e tudo mais, mas, como não tinham contato com humanos, era ilógico se transformarem nesses — sanou o jovem prodígio. — Quando os poderosos chegaram aqui, em busca de um novo lar, ao invés de almejarem uma aliança, tudo que conseguiram foi uma guerra que perdurou por centenas de anos com os seres, os quais também não gostavam da presença dos humanos. No final, raças inteiras foram extintas e os terráqueos se saíram vitoriosos.
— Mas eles se arrependeram. — A manipuladora de emoções apressou-se em esclarecer, pois sentiu um leve desconforto misturado com raiva emanando do telepata albino que transparecia sua frieza através da máscara de ossos.
— Exatamente — confirmou o rapaz —, depois de alguns anos, todos os seres místicos sobreviventes tiveram seu espaço reconhecido, receberam os direitos e a liberdade que haviam sido tomados. Além de ficar decretado que apenas feras poderiam tomar a frente dos povos de Fogo, cada um em sua terra.
— Nossa... — As duas terráqueas expressaram o quão estupefatas estavam, mostrando a dificuldade de digerir: invasões planetárias, guerras espaciais, seres místicos que existiram e nunca poderão conhecer.
— Você vai participar desse torneio, Fire? — interrogou o bruxo, tentando não perder o apetite depois do que foi contado.
— Sim, preciso desse título para fazer mais por meu planeta — respondeu com fervor, mostrava-se realmente decidido.
— Vou torcer por você!
— Eu também — Yara concordou com Safira —, Guerreiro Feroz Fire King.
— Não serei chamado assim — contestou o deus, sorrindo, assim como os outros ígneos. — Os nomes são dados de acordo com o lugar que o fera irá coordenar.
— Eu governo Margaritifer, por exemplo, uma região mais ao sul daqui — informou Marga, chocando os desinformados.
— Então quais eram seus nomes, antes de serem guerreiras? — inquiriu a moça de íris esverdeadas.
— Nossos nomes devem ser deixados para trás, assim como nossa antiga identidade — sanou Cimmeria sem muita clareza.
— E quando vocês deixarem esses títulos, vão ser chamadas de quê? — José tinha muito que aprender com aquela cultura e sua indiscrição não deixaria nenhum detalhe passar.
— Defuntos, cadáveres, falecidos, mortos em combate... O que preferir — respondeu a mulher com serpentes na cabeça. Levantou-se em seguida. — Agora vou me retirar, porque não tenho secretária pra cuidar da minha vida, boa noite.
— Boa noite — responderam todos, quando ela já se encaminhava à porta. Logo foi a vez de Cimmeria erguer-se do assento confortável.
— Com vossas licenças... Você vem, Xiang? — questionou à garotinha, que já se mostrava satisfeita com a refeição.
— Acho que vou esperar o maninho. — Na verdade, ela só queria passar mais tempo ao lado de Dragon, o qual fazia flocos de neve a cobrirem e a encantarem.
— Eu já acabei, vamos — informou Olímpio, levantando-se também.
A pequena depressa choramingou, estufando seus lábios finos, gesto que o fera criocinético achou fofo. Entretanto ela também se afastou da mesa.
— Tchau, amigo Dragon... Tchau, Fire, Yara, José e Safira. — Xiang despediu-se, andando com a mulher até a porta da esquerda, enquanto o jovem dava a volta na mesa para acompanhá-las.
— Tenham uma boa noite. — Com isso, ele saiu por último do salão de banquetes.
— Então...
Os cinco se entreolharam e sorriram sem graça. A não ser pelo dragão, o qual, depois de quase um ano convivendo com humanos, ainda não havia entendido o humor deles, parecia-lhe muito complexo. Talvez apenas não soubesse sorrir, ou em nenhum momento encontrou motivos para tal gesto.
— Marte, hein? — O bruxo pronunciou-se depois do deus.
— Pois é... — As duas mulheres suspiraram, por fim.
— A ficha ainda não caiu? — indagou King.
— Que ficha? — Dragon os fez rir novamente.
Realmente, não era como se tivessem ido para um acampamento na floresta ao lado e fossem voltar na segunda-feira. Estava muito além de um simples teleporte para o outro lado do planeta. Aquilo era diferente de tudo e ainda não haviam tido tempo para decidir o que sentiam em relação a isso.
— Vamos, então? — O pirocinético chamou-os.
•••
—... por isso não podemos sair do castelo durante uma semana. — José explicava para Yara o que ouviu do barbado Tempe. Cursavam em direção aos seus aposentos, despreocupados.
Por que você vai participar desse torneio? — Dragon questionou, por telepatia, exclusivamente ao deus do fogo, o qual o olhou, sem compreender tal indagação. — Pelo que entendi, ou você ganha, ou você morre... Vale a pena?
Eu não luto por mim, luto pelo meu planeta e acredito que posso torná-lo melhor, isso se eu conseguir — respondeu mentalmente, convicto.
Está mesmo disposto a morrer por um planeta que nem sabia da sua existência enquanto era escravizado noite e dia?
Como você sabe disso?! — Fire não conseguia conter as expressões faciais que transmitiam sua surpresa, mas as escondia voltando o rosto para os lados.
—... achei ela meio... amarga. — A capitã opinava sobre algo que os dois feras não davam a mínima atenção.
Eu talvez possa ter lido suas memórias... — explicou-se na defensiva e logo completou. — Mas eu não tive a intenção de ser antiético.
Não faça mais isso! — bradou em sua consciência. — E se me importo com este planeta, almejando torná-lo melhor, é porque não quero que ninguém mais passe pelo que passei ou sofra o que sofri.
Entendi...
— Eu queria participar desse torneio.
— Só que você não é um fera, José — refutou Safira.
•••
— O que você tá fazendo? — questionou a moça avoada e sonolenta, quando o bruxo tentou beijá-la, na cama aconchegante de panos carmesins.
— Tentando beijar minha namorada? — Afastou-se um pouco e deixou seus músculos esmorecerem. Assim, os dois permaneceram deitados, um ao lado do outro.
— Aah... — Ela acabou com o pouco espaço entre eles e repousou a cabeça no peitoral desnudo do rapaz pensativo. — Acho que só estou cansada demais...
José vestia apenas as roupas de baixo e Safira um vestido de tecido leve vermelho.
— Na verdade, nós nem parecemos mais um casal.
— Não diz isso! — Ergueu seu corpo para olhá-lo em seus glóbulos esverdeados, uma vez destransformado.
— Sério, você tá lembrada que semana passada fez um ano que começamos a namorar? — questionou com serenidade e os olhos cor-de-safira da senhorita começaram tremer freneticamente, caçando um espaço onde pudesse esconder seu constrangimento.
— Nossa! Já se passou um ano... De-desculpa, eu não...
— Eu também não lembrei. — A afirmação do loiro a fez estranhar. — Isso que estou falando, sempre me lembro dessas datas, mas estávamos tão ocupados com aquela guerra, que até eu me esqueci.
— A única coisa que consegui perceber foi o fato de que não nos chamamos mais de: amor... — A declaração da poderosa o atingiu como um flash de memória. Quando haviam parado de mostrar o que sentiam? Realmente não saberiam dizer. Perderam alguma parte do sentimento? Se sim, não recordavam como aconteceu, mas entendiam o porquê. — Não é culpa nossa, a vida não foi justa com a gente.
Ela novamente se deitou ao lado do namorado, com seus ânimos neutralizados pelo sono que se aproximava e continuou:
— Primeiro enfrentamos o treinamento do Joseph, aí um assassino corrompido, depois chegamos ao abrigo louco, em seguida conhecemos os guardiões e fomos jogados numa jornada pela Terra em seguida, para termos que encarar uma guerra, por fim... Isso tudo em menos de um ano.
Ainda pensou em citar o encontro com Malléphycus na manhã daquele mesmo dia, mas achou melhor não lembra-lo de tal acontecimento. Mal sabia que aquilo não havia deixado a mente do jovem por um minuto sequer.
— Realmente não tivemos o melhor dos relacionamentos, nem desfrutamos do tempo que devia ser totalmente nosso. — Com isso, ele mostrou um sorriso sincero, o que significava estar satisfeito, mesmo com toda a conturbação, encontrava-se feliz, ou, pelo menos, era a imagem que desejava transmitir. — Mas não posso reclamar da vida, até por que foi ela quem me deu uma segunda chance de viver... De viver ao seu lado.
— Então devemos considerar essa vinda para Marte como mais uma chance de estarmos juntos? — indagou a de cabelos castanhos.
— Podemos ver desta forma.
Terminaram a noite aos beijos, findando qualquer milímetro de distância entre suas vontades semelhantes e as peles que suavam na noite fria. Se dois corpos pudessem ocupar o mesmo espaço, então assim seria. Apenas um, como a batida uníssona de seus corações acelerados...
No aposento em frente a aquele, uma cena bem diferente ocorria curiosamente.
— Então você dorme na cama, que eu vou dormir aqui. — Fire se acomodava na poltrona ao lado do acolchoado.
— Tem certeza que não há outro quarto disponível? — Yara tentava arranjar uma posição mais confortável entre os lençóis carmesins. — Não quero ser um incômodo.
— Estão todos ocupados, mas você não é incômodo algum. — Sua voz saía leve como a brisa que sacudia as cortinas que escondiam a sacada.
— Então por que não deita ao meu lado? — inquiriu fitando seus olhos cansados, que logo se arregalaram, fazendo o dourado brilhar. Ela pôde sentir o pulsar acelerado do sangue dele e o ambiente esquentar. O deus efervescia por dentro, fazendo a capitã sorrir. — Tem bastante espaço aqui na cama.
— Não se-sei se...
— Algum problema? — interrogou arqueando a sobrancelha, estava adorando ver sua reação.
— Não, é que... E-eu, você não... Nós... — Parou baixando a cabeça, acalmou os ânimos e tentou entender o porquê de sua relutância.
Se ela era o que o deus desejava, por que se mostrava receoso? Talvez fosse apenas o êxtase por mais um passo dado em direção ao objetivo, ou apenas a ilusão de estar finalmente avançando naquela relação. Seja o que fosse, refletiu profundamente em poucos segundos.
— Tudo bem, então...
Margaritifer adentrava uma acomodação sem a preocupação de esconder o quão avoada estava, pensando em assuntos que a rodeavam. Aquele não era o seu aposento, contudo, possuía a chave do mesmo.
Fechou a porta atrás de si e escorou suas costas na madeira escura, como se descarregasse seus problemas tanto quanto o seu peso corporal. Vislumbrando o cômodo engolido pela penumbra, por fim, sendo iluminado somente pela fresta de luz oriunda da janela. Percebeu também a silhueta de alguém sob os lençóis da cama no centro.
— Desculpa. — Foi o que disse apenas, enquanto dirigia-se para perto de quem lhe dava as costas.
Deitou-se ao lado do corpo quase imóvel. O único som que ouvia-se era o sibilar das serpentes sonolentas que pesavam na cabeça da guerreira.
— Me perdoe pelo que eu falei e fiz. — Mais uma tentativa, pousou uma mão sobre o ombro da pessoa coberta, então suspirou, pois aquilo não estava cheirando nada bem.
— Por favor, durma agora para que acorde cedo amanhã e esteja disposta para a reunião... Se precisar, chame sua serva — proferiu com frieza a mulher preta de cabelos alvos que exalava decepção.
Poucas horas antes, elas haviam discutido, chegando ao mesmo ponto das várias outras vezes que tiveram a mesma conversa. Marga governava o reino de Margaritifer, porém, sua companheira deveria servir no Monte Olimpo. Para mudar tal distanciamento, teriam que apresentar motivos e expor seu relacionamento, coisa que a mulher reptiliana não desejava naquele momento.
— Não quero uma serva! — Tentou puxá-la pelo braço, para que a mirasse em seus olhos acinzentados, mas ela resistiu. — Eu quero você, Arícia!
— Você me quer?! — A marciana girou seu corpo bruscamente. Tinha um jeito calmo de ficar brava. Um aroma mortal que exalava de um frasco envolto em incógnitas. — Se me quer realmente, por que não demonstra?
— Mas eu demonstro...
— Demonstra escondendo de todos a nossa relação?!
— Nós já conversamos sobre isso!
— E eu pareci satisfeita?! — Arícia questionou lhe dando as costas à medida que erguia seu corpo para sentar-se na cama. Depois de alguns minutos de silêncio, em que as lágrimas escorriam como os gases pelas tubulações, ela voltou a murmurar com embargo na voz.— Desculpa, é que eu... Você não vem me ver já faz algumas semanas, e sua ausência já estava me corroendo por dentro.
Virou-se para olhá-la novamente, amava aquelas pupilas verticais entre a cor violeta nos orbes da fera sensual, ainda mais quando dilatavam. Prosseguiu:
— Às vezes, temos que ceder por quem amamos, mas eu te entendo... Não é culpa sua...
— Tudo isso aconteceu por causa da minha fraqueza em não conseguir gritar meu amor por você — rebateu Marga, direcionando seu corpo para mais perto de sua amante misteriosa. Aproximavam suas bocas sem pressa. — Mas um dia eu vou, e seremos felizes para sempre.
— Desde quando você se tornou a otimista da relação? — A mulher esbelta tomou distância para encarar a outra, mostrando seu cenho franzido.
— Só me beija, pode ser?
Margaritifer a puxou pela sua veste de seda fina, fazendo com que Arícia depositasse seu peso sobre ela, assim como selou seus lábios carnudos aos dela. Entregaram-se uma a outra como não tinham feito há algumas semanas. Desejavam três coisas, mais que a sua própria parceira fiel, gostariam que a romântica noite nunca acabasse, que o dia não chegasse e que aquele momento se eternizasse.
Olá, poderosos e bruxos! Vim pedir que votem neste capítulo e compartilhem essa história que tanto amo escrever. E não esqueçam de falar o que estão achando hein!
Como será esse Torneio Feroz? O que definirá a votação que mencionaram? E essas novas relações que estão surgindo, como vão desenrolar? Incógnitas sobre os personagens novos, como aquele Xanthe?...
-José JGF
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