Capítulo 2- Jantar De Boas-vindas II
- Cimmeria, já pedi para que não fizesse isto. - King impôs sua voz pelo salão, deixando a capitã confusa.
- Só achei que ficaria mais dramática a cena. - A tensão do momento não os permitiu perceber a mulher de cabelo castanho que adentrava pela porta esquerda do recinto suntuoso. Trajava tons vermelho-escuros e preto, destaque para suas ombreiras em forma de cabeça de cachorro. - Não foi, Xiang? - indagou para a garotinha que a seguia.
- Sim, deu muita pena de te ver chorando, Fire - comentou a pequena de curtos e escuros fios capilares. As duas se dirigiram às cadeiras em frente aos outros já acomodados e sentaram-se.
- Yara, esta é Cimmeria, também Guerreira Feroz. Só quero deixar claro que a habilidade dela é manipular as emoções. - O deus apressou-se em explicar as lágrimas que se transformaram em vapor. - E esta é Yara, uma dos guardiões da Terra.
- É um prazer - cumprimentou a marciana, esbanjando uma animada cortesia, o que contagiou a poderosa de cabelo colorido.
- O prazer é todo meu - retribuiu sorrindo, vendo-as se servirem.
- E eu sou Xiang Fei, mas pode me chamar só de Xian, ou Iang, ou... Tô falando demais, né? - interrogou subitamente e todos concordaram. - Aah... É um prazer conhecer uma pessoa da Terra. Fire me contou algumas coisas sobre lá. É verdade que cai água do céu?
- Sim...
- Nossa! E têm várias árvores? É verdade que tem muita água? E a terra é verde? Me disseram que é verde e que tem vapor branco voando no céu...
- Xiang. - Cimmeria interviu fazendo acalmar os ânimos. A menina não controlava sua curiosidade, uma vez que aquele castelo, destinado a se tornar sua moradia, não passava de uma grande prisão para mantê-la sob controle.
- Ah, desculpe minhas exceções - proferiu envergonhada, baixando a cabeça -, é que eu amo falar.
- Tudo bem. - Yara relevou, até porque aquilo era normal para uma garotinha. Fire apenas observava, enquanto ainda enchia a barriga.
- Por que não os conta sobre o que estava me falando? - incitou a guerreira de belos olhos escarlates.
- Sim! - concordou com a mulher que comia elegantemente e voltou-se ao deus. - Eu decidi que vou participar do Torneio Feroz...
Sua fala foi interrompida pelo engasgamento de King, o qual começou receber leves tapas em suas costas, dados pela hidrocinética. Começaram a rir da cena que ele fazia, bebendo água ao mesmo tempo em que tentava recuperar o fôlego.
- Você o quê?! - interrogou retomando a calma.
- Neste momento de decisões que nosso planeta vai ter que enfrentar, é preciso fazer as escolhas certas. Não posso deixar que o poder da opção caia em mãos erradas, preciso lutar para me tornar uma Guerreira Feroz. - Aquilo era engraçado sendo dito pela voz fina e infantil de uma adolescente, mas era a pura verdade e todos de Marte sabiam daquilo.
- Já fala como uma líder...
- Foi você que botou isso na cabeça dela? - Fire inquiriu para Cimmeria, a qual deu de ombros, erguendo as mãos e alegando inocência.
- Eu decidi por mim mesma.
- E o que Tempe acha disso?
- Ele não sabe, ainda. - Tudo se aquietou abruptamente, talvez por intermédio dos poderes da marciana serena. - Fire, você vai participar, certo?
- Sim.
- E por que você não quer que eu vá?! - indagou fazendo um drama fofo. Seus olhos grandes complementavam o beicinho que sua boca adotou.
- Eu não disse que não quero, é só que...
- Que...?
- Xiang, você poderia ir chamar meus amigos para jantar? - O deus mudou totalmente de assunto.
- Mas você não me disse o porquê de...
- É o bruxo da Terra - sobrepôs sua voz, e a jovem arregalou os orbes à medida que ergueu o corpo.
- Onde ele está? - Fei já corria em direção a porta dupla central que se abria.
- Quarto corredor ao norte, terceiro andar, sétima porta da esquerda! - Precisou gritar para que ela ouvisse, em meio aos pinotes da correria que traçava cantarolando, depois de já ter atravessado a passagem.
- É... Se me permitem perguntar, por que não quererem que ela participe desse torneio? - questionou Yara, percebendo que os outros dois no salão partilhavam da mesma ideia.
- Xiang ainda é muito nova, deve ter uns treze anos, uma criança e...
- E já mostrou entender certas coisas. - A guardiã acreditava no potencial da pequena. - Conheci ela há poucos minutos e já senti confiança nela, acho que poderá se defender sozinha.
- Aí é que está o problema - Cimmeria tomou a palavra -, não tememos por ela, mas por aqueles que cruzarem o caminho dela.
- Por quê?
- Boa noite, povo ígneo. - Duas mulheres entraram pela porta da direita, e todos viraram-se para observá-las se aproximando da mesa.
A primeira, a qual a todos cumprimentou, andava imponente e de forma despojada, mas ainda sensual, usando trajes violetas e outros tons escuros. A que caminhava atrás, de ombros caídos, era menos chamativa, quase inexistente. A chegada delas trouxe um aroma doce ao ambiente, acabando com qualquer mal-estar presente.
- Boa noite, Maggie. - Os dois marcianos saudaram em uníssono.
- É Margaritifer! - ralhou para eles e logo adotou uma expressão plena quando avistou a terráquea. - Mas você pode me chamar de Marga - cumprimentou sentando-se ao lado dela, enquanto a segunda mulher permanecia de pé, ali perto, como uma escultura grega. - Quem é você? Nunca te vi por aqui antes.
- Eu me chamo Yara - apresentou-se com cautela, estranhando as chamativas víboras rubras que tomavam o lugar do cabelo daquela ao seu lado. - Sou da Terra.
- Ela está com medo - afirmou Cimmeria, tomando a atenção.
- Quem?!
- Todos ficam assim quando veem elas. - Margaritifer interviu na exclamação da guardiã, acariciando uma das serpentes que caiam por seus ombros.
- Eu não estou com medo! - bradou sem querer olhar para as serpentes.
- Eu posso sentir seu medo. - A de vestes escarlates refutou com convicção, antes de pousar uma taça entre seus lábios e engolir seu líquido.
- Tudo bem, Yara, até eu senti medo - comentou Fire, prendendo o riso.
- Mas eu não...
Um aroma de lavanda misturado com limão invadiu o salão por completo, e todos relaxaram cada emoção em excesso. Como se pudessem ficar ali eternamente, eles esmoreceram o corpo na cadeira.
- Obrigada, Arícia - agradeceu Cimmeria, dirigindo seu olhar à mulher ainda em pé.
- Obrigada também. - Os cabelos alvos e as vestes angulosas coloridas da olimpiana, finalmente, atraíram a atenção da terráquea. - Por que não se senta também?
- Eu sou...
- Ela é apenas uma serva - sanou rispidamente a dama de pele escamosa e fria como uma cascavel.
- Aah... - O clima tenso voltou imperceptível, mas depressa Yara o constatou quando mirou a mulher de cabelo castanho à sua frente e ela expressou facialmente um "longa história". - Achei muito legal sua técnica com esses cheiros.
- Obrigada, espero que tenha gostado dos que atribui a comida. - Arícia pronunciou-se com mais vivência, percebendo Marga servir seu prato, sem a mínima vontade de comer.
- Eu gostei muito, principalmente disso aqui. - Apontou para um pedaço de carne que King já havia dilacerado metade.
- Isso é pernil de ignurs - esclareceu a mulher ainda de pé, como se a guardiã tivesse conhecimento sobre aquilo. - Eu também...
- Você é aquela sobre a qual o Fire não parava de falar? - Margaritifer interrompeu-a cinicamente, fazendo Yara tornar sua vista ao deus que fuzilava a marciana com os olhos.
- Você falou de mim para todo mundo?
- Eu não falei de você para...
- "Tão bela quanto o pôr-do-sol ardente refletindo nas águas calmas do mar", você disse - pronunciou poeticamente e a terráquea corou no mesmo instante. - Só espero que não estrague tudo contando suas histórias...
- Se você não parar com isso, vai haver assado de jararaca como sobremesa. - O deus de fogo vociferou quase no ouvido da capitã, a qual jazia entre os dois que excediam o tom.
- Ela parece legal, até que é até bonitinha...
Antes que Marga terminasse sua frase e Fire retrucasse, um odor insuportável impregnou-se por ali, fazendo Cimmeria ter súbitas ânsias de vômito e os outros largarem suas talheres, pela repentina falta de apetite. Um fedor que misturava enxofre, amargura e muita raiva.
- Com vossa licença - Arícia quase sussurrou, mas logo firmou sua voz -, retirar-me-ei para servir o senhor Xanthe, ele me pediu para avisar que irá jantar em seus aposentos. Bom apetite. - Deu a volta na mesa para sair pelo lado esquerdo, dirigiu-se à porta, no entanto, antes de sair, virou-se para aqueles que permaneciam em silêncio. - Bem-vinda ao planeta Fogo.
Retirou-se, por fim, levando consigo o mau cheiro e a tensão.
- Marga - a Guerreira Feroz chamou sua atenção -, tá sujo aqui. - Indicou um lado da própria boca e apontou para sua amiga, a qual passou, sutilmente, um lenço nos lábios violetas.
- O que era? - questionou, já que não havia visto nada no lenço limpo.
- Veneno escorrendo. - Pôs-se a gargalhar junto do fera, e a mulher víbora revirou os olhos, agiam como se não tivessem presenciado tensão alguma poucos minutos antes.
- Então tá... - Fire tomou a palavra enquanto tentavam cessar o riso. - Margaritifer, quando você chegou aqui no Olimpo?
- Logo depois de você ter saído com Salazar para a Terra - respondeu, bebendo algum tipo de elixir em seguida. Repentinamente, sua feição começou expressar mais seriedade. - Você já escolheu seu lado?
- Lado? - Yara indagou antes de tudo, virando-se para fitar o deus ao seu lado esquerdo. - Lado de quê?
- Depois eu explico - prometeu a mulher e inclinou seu corpo para frente a fim de dirigir-se aquela que o questionou. - Eu não tenho lado nesta disputa, quero apenas a paz.
- Você sabe que um dia vai ter que escolher, não sabe?
Antecedendo a resposta de King, todos aguçaram a audição para ouvir o cantarolar que se aproximava mais a cada instante e invadia o salão pelas portas duplas principais. Uma voz fina cantava lindamente, enquanto uma segunda destruía a melodia, por ser grave, fora do tom e do ritmo.
- Tudo é possível! Ficar invisível! Nada é impossível! Mente ser legível! Pois você é incrível...
Xiang saltitava pelo corredor, ao lado de Dragon, que tentava acompanhar a música da garotinha. Na frente deles, iam três jovens que discutiam aleatoriedades.
- Eu achei que os marcianos seriam diferentes - comentou José, caminhando em direção as grandes portas. - Pele verde, olhos gigantes, tentáculos nas mãos...
- Primeiramente: não nos chame de "marcianos" aqui - redarguiu Olímpio, entre o bruxo e sua namorada. - Não denominamos este planeta como Marte, mas como Fogo, logo, não somos marcianos, e sim: ígneos. - Alcançaram finalmente a entrada do salão de banquetes e os guardas abriram a passagem. - E sobre esse estereótipo de extraterrestre, eles realmente existem, mas não aqui no Fogo.
- Como assim, têm...?
O questionamento de Safira foi interrompido pelas mãos de seu namorado, que, com um movimento rápido e precipitado, tampou os olhos dela abruptamente.
- O que você tá fazendo, José?! - interrogou roubando a atenção dos presentes, já no interior do salão, tentava se livrar da força do rapaz, o qual também cobria o próprio rosto com a outra mão.
- A Medusa tá sentada do lado da Yara!
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top