Capítulo 1- Planeta Fogo II

Depois de mais algumas despedidas um pouco menos dramáticas, Noel requisitou a atenção de todos ali:

— Muito bem, muito bem, hora de ir... — Os presentes se uniram mais. — Fire King, por favor, faça as honras.

O deus de curtos cabelos escuros, então, voltou-se às pedras grandes e direcionou a palma de suas mãos para elas.

— Ativar portal terráqueo! — exclamou convicto e uma grande runa circular esverdeada surgiu no solo à frente deles, envolvendo os pedregulhos centenários. Repentinamente, as rochas começaram se mover novamente, no entanto, daquela vez, não se tornaram tronos como antes, daquela vez se formaram várias colunas ao redor do símbolo reluzente, como postes. — Planeta Fogo! — A runa transfigurou sua cor, para um vermelho escarlate.

— Pois bem. — O guardião tomou a atenção de todos os presentes. — Os viajantes façam uma fila, ombro a ombro, por favor.

Assim fizeram, pondo-se próximos ao portal, de costas para esse, e Noel se voltou até eles.

— Nada mais justo que, em dia de Natal, vocês ganharem presentes... — começou já os deixando entusiasmados, principalmente os jovens ansiosos. — Em suas futuras jornadas, enfrentarão o perigo, sendo assim, não terão tempo para tentar aprender o idioma dos locais que visitarão, por isso, desenvolvi este aparato.

— O que é isso? — indagaram os adolescentes, observando-o tirar algo de sua bolsa amarronzada. Pareciam comprimidos, tinham uma cor azul escuro, quase preto.

— Isto são micro-tradutores que lhes ajudarão na comunicação com outras pessoas e até seres — esclarecia mostrando-os e foi até Fire, que jazia na ponta da fila de cinco pessoas.

— Eu acho que não preciso, é para meu planeta que estamos indo — disse quase se gabando.

— Este aparelho não disponibiliza apenas a língua marciana. A não ser que você seja um poliglota universal, eu aconselho aceitar — refutou entregando duas espécies de pílulas.

Andou para o lado, tendo à sua frente, Yara, a qual ria do que havia acabado de acontecer, assim como todos os outros naquele momento, mas ela parou subitamente. Entregou dois para a guardiã aquática, depois para José.

— Cuide bem do seu novo irmão, não deixe que ele se coloque em confusão — cochichou para o bruxo e esse assentiu sorrindo em pensar que, se fossem realmente uma família, ele faria o papel de filho mais velho; o dragão tinha milhares de anos, mas ainda possuía uma ingênua mente humana.

— O maiorzinho, vocês põem na língua e coloquem o menor dentro de um ouvido — instruía Noel, ao entregar os tradutores para Safira, e assim eles se puseram a fazer. Depois ele ofereceu os de Dragon. — Aqui... — Filho. Os pensamentos do guardião não sabiam se era certa a viagem do fera para seu planeta natal, um pressentimento paterno lhe fazia sentir que algo muito ruim o esperava.

— Papai — pronunciou o homem de traje branco, a segunda palavra que havia aprendido.

Todos o fitaram automaticamente, pasmos com o fato de ter falado e curiosos para saber como o outro reagiria, dado que não gostava de ser chamado de tal forma. Todos surpresos, com exceção de José e Fire, é claro, uma vez que o primeiro foi quem ensinou o fera a falar, já o segundo por ter conhecido os dois poderosos naquele mesmo dia, por isso não entendia a tensão na qual o local submergia.

— Você...

Eu vou ficar bem, papai, não se preocupe comigo — terminou telepaticamente, sendo abraçado por Noel. Alguns segundos depois, eles se desvencilharam e o dragão fez a mesma coisa que os outros, pondo os presentes.

Inesperadamente, o aparato que colocaram na língua começou se mover e adentrar forçadamente em suas gargantas. Eles tossiam, quase vomitando pela agonia repentina, mas logo o aparelho estacionou e puderam se acostumar aos poucos com a leve coceira no pescoço.

— Se acalmem... Porque piora.

A fala do senhor de gorro vermelho e headphone marcou o início exato da dor latente que os cinco começaram sentir na cabeça, a segunda parte do tradutor se introduziu completamente em seus ouvidos. Quase gritavam pelo incômodo excruciante, porém, também depressa cessou e todos mostraram suas faces indignadas ao guardião.

— Isso é para traduzir ou deixar a gente mudo?! — O pirocinético foi o primeiro a reclamar.

— E surdo também! — Yara continuou, forçando as mãos em suas têmporas.

— Eu quase não senti. — Quando Dragon comentou, todos o miraram, mostrava-se feliz por finalmente falar mais que duas palavras.

— Sigam o exemplo e deixem de ser molengas. — O homem interviu nas exaltações. — O que botaram na boca vai fazer com que suas cordas vocais traduzam o que irão falar, para a língua que ouvirem antes que digam algo. O do ouvido os fará entender tudo que for dito em alguns outros idiomas.

— José lembra um duende que cresceu demais. — King zombou na língua marciana, olhando-o.

— E você parece um homem das cavernas. — No mesmo dialeto, o moço retaliou, chocando a todos e ficando maravilhado consigo mesmo. — Dá pra se acostumar com o incômodo na garganta e no cérebro.

— Agora podemos finalmente ir — declarou a guardiã marítima, acenando com a cabeça para os outros três poderosos que permaneciam um pouco afastados dali, Aurora, Arya e Pierre. Desejavam boa sorte enquanto acenavam com a mão.

— Venham nos visitar! — O deus gritou para eles.

— Cuidem do planeta por mim. — José pronunciou-se por último.

Os que fariam a viajem deram as costas, encarando as pilastras rochosas, assim como a runa no chão gramado, enquanto Noel se distanciava. Os dois jovens uniram as mãos, e os cinco sincronizaram um único passo, entrando no portal que emitiu uma luz vermelha intensa. Percebiam seu corpo deixar de existir em segundos, não sentiam um átomo sequer dele. Transformaram-se no mais puro brilho e dispararam para cima, em direção à vastidão do céu.

O bruxo logo se constatou no espaço, viajando na velocidade da luz, dado ser apenas isso que o consistia naquele instante. Sentiu-se livre vendo os milhares de astros luminosos se embaralharem pela alta velocidade. Também notou que algo o guiava como se estivesse no piloto automático, o que agradeceu, já que, se precisasse controlar seu corpo estando a aproximadamente trezentos mil quilômetros por segundo, talvez parasse dentro de algum buraco negro.

Bem melhor que ser astronauta...

Se alguém os visse, seriam cinco estrelas cadentes que, ao invés de cair, afastaram-se da Terra. José tentava memorizar cada detalhe da viagem, tendo em mente que depressa acabaria, pela rapidez que a faziam. No entanto descobriu que a distância entre Marte e a Terra, naquela época do ano, era um desafio a ser percorrido até mesmo pela luz.

Demoraram uns quatro minutos enquanto luzes e finalmente chegaram ao planeta vermelho, Fogo. Os cinco precipitavam como meteoros ardentes enquanto seus corpos diminuíam a velocidade. O encurtamento da distância os fez perceber as construções grandiosas que preenchiam o globo, indícios das civilizações que o povoavam.

Iam em direção a algum tipo de castelo gigantesco e, quando fecharam os olhos, temendo o que poderia acontecer, sentiram seu corpo se formar outra vez e os sentidos retornaram junto com um calor intenso. Só aí seus pés encontraram o chão levemente.

— Uhuu! — José exultou dando pulos e saindo da runa vermelha do chão, a qual cobria um pequeno espaço da câmara feita de tijolos simétricos, um cômodo com paredes altas, mas sem teto algum.

— Amor, mantenha a seriedade aqui. — Safira o repreendeu indo até ele, enquanto os visitantes vistoriavam a sala com estilo diferenciado.

— Esta é a torre do portal de Fogo. — Fire informou, cursando até a grande porta dupla de madeira vermelha junto de Yara, que se mostrava desgastada por causa da viagem louca, e Dragon, o qual parecia mais quieto que o normal.

— Nossa! É gigante!

— E muito alta. — A moça complementou seu namorado. Os dois olhavam pela janela da alta câmara circular.

No instante em que o rapaz pensou em sair voando por cima da construção, para que pudesse desbravar aquele lugar, as passagens duplas se abriram e um imponente homem de vestes em tons metálicos, adentrou o recinto.

— Sejam todos bem-vindos ao planeta Fogo, lar dos poderosos mais destemidos — cumprimentou com uma reverência exagerada e todos agradeceram indo para perto dele. Sua pele era do mesmo tom do deus pirocinético e ele, curiosamente, falava em inglês, com um sotaque estranho. — Me chamo Marcos Magnus e serei o guia turístico de vocês... Aliás, não viria somente um bruxo junto com você?

— Longa história... — interviu King com gentileza. — E seus serviços não serão necessários. Posso fazer isso por você.

— Fui designado para facilitar a comunicação daqueles que não sabem o idioma ígneo — contrapôs o homem com uma posição ereta. Algo em seu tom sugeria uma leve rispidez.

— Que idioma é esse? — José inquiriu entre Fire e sua namorada.

— A língua daqui, como eles não chamam este planeta de Marte e sim de Fogo, então seu dialeto é chamado de ígneo e não marciano... — O fera de olhos dourados sanou a dúvida, tendo, do seu outro lado, Yara e o dragão.

— Nós já sabemos sua língua, estudamos ela por anos. — Dragon afirmou no idioma daquele planeta, e os outros não contiveram a gargalhada depois de ver a face constrangida que Marcos adotou.

— Exatamente, eu ensinei a eles cada verbo, cada palavra, cada... Cada subjetivo — completou o deus marciano, fazendo com que o volume dos risos se intensificasse, mas por vergonha.

— Então, senhor subjetivo — o homem manteve a postura enquanto eles tentavam controlar as risadas. Parecia inchar de raiva —, já que pode fazer isso por mim, onde se localiza o aposento do bruxo?

Calaram instantaneamente, naquele instante, Marcos mostrou superioridade à medida que a tensão os rodeava.

Pensa em alguma coisa, Fire King, devolve à altura. — Ele matutava consigo mesmo a todo vapor. Pessoas que nasciam em Marte costumavam ter uma personalidade orgulhosa e nada fácil de lidar.

— Quarto corredor ao norte, terceiro andar, sétima porta da esquerda. — Dragon tomou a palavra com detalhes precisos, entendendo a situação na qual o deus pirocinético se encontrava.

Obrigado... — agradeceu mentalmente, assim que entendeu que aquele homem de branco podia ouvir os pensamentos. Marcos esboçava sua surpresa, assim como os outros três presentes.

Por nada — respondeu o fera.

— Bem... Já que não precisam de mim — retornou ao tom cordial do começo —, sejam bem-vindos novamente.

Com isso, ele saiu de cena dando as costas de uma forma quase robótica antes de atravessar a passagem. Depois disso, todos se entreolharam e começaram a gargalhar.

— Mandou bem demais, Dragon. — José comentou quando iniciaram uma caminhada, a qual logo se mostrou extensa, até suas acomodações.

Andavam por um corredor espaçoso, esclarecido pelas janelas do lado esquerdo, as quais deixavam entrar uma luz alaranjada, iluminando as portas do lado direito. De vez em quando, pessoas passavam por eles, encarando-os indisfarçavelmente, alguns também acenavam para Fire, o qual retribuía, sorridente.

— Olha só quem já voltou! — Uma figura juvenil os parou, animadamente, todavia, ainda com discrição.

— Galera, este é Olímpio — King esclareceu enquanto ele cumprimentava Dragon —, um grande amigo desde que me conheço por gente.

— Não deixe Pierre saber que você disse isso. — O moço proferiu apertando a mão do marciano de pele clara, mas bronzeada. — Eu me chamo...

— José, o Bruxo da Natureza, e sua namorada, Safira — completou beijando a mão da senhorita com vestido curto de pétalas. Voltou-se, em seguida, para Yara. — Esta deve ser a dama de quem você me falou.

— Você falou de mim?

— Ao que devo a honra de sua maravilhosa recepção?! — O deus interviu na fala da hidrocinética, exaltado.

— Vim apenas ver seus novos amigos e acompanhá-los até suas acomodações — relatou com os finos braços dobrados atrás do corpo, o qual era bem franzino e se apresentava coberto por um anguloso sobretudo azul.

— Tem certeza? O último que tentou nos mostrar o caminho... digamos que desistiu — retaliou Fire, fazendo os outros soltarem risinhos abafados. Entretanto foi necessário somente o levantar da sobrancelha de Olímpio para que o fera mudasse de comportamento. — Vamos logo.

Assim, voltaram a cursar pelos corredores. Com mais um integrante no grupo, não podiam andar um do lado dos outros. Os jovens tomaram a frente junto de Dragon, tendo o bruxo no meio; os outros três caminhavam atrás, com o deus entre os outros dois poderosos.

— Aliás, King — tomou a palavra aquele que apresentava uma estatura pouco menor que a de José —, você, por algum acaso, não discutiu outra vez com Marcos Magnus, não é mesmo?

— Como você sabe? — inquiriu Yara, voltando-se ao adolescente de olhos castanho-escuros, como seu cabelo curto.

— Eu conheço o Fire desde quando era um pequeno chimpanzé...

— Não precisa relembrar essa história...

— Você já contou para eles?

— Não! — responderam, curiosos. A não ser pelo último descendente da espécie draconiana, o qual mantinha seus orbes cristalinos vidrados no que se podia ver além das grandes janelas.

Então foi neste planeta que meus parentes viveram... É bem diferente de como eu imaginava.

— Contei um pouco para José e Safira, mas não precisam saber de tudo — retaliou o deus, recusando a nostalgia.

— Se você diz... Quem sou eu para contrariar?

— Você é Olímpio. — Dragon afirmou convicto, sem perceber a retórica da pergunta.

— Então... — O bruxo decidiu abordar outra conversa quando viraram à direita numa encruzilhada de corredores iluminados por lâmpadas no teto. Pareciam mais próximos do centro da construção grandiosa, já que por ali não se viam mais janelas. — O que vamos fazer depois de deixarmos nossas coisas nos quartos?

— Dormir. — O marciano baixinho pareceu ordenar ao invés de sugerir.

— Mas acabamos de acordar lá na Terra. — O loiro contestou virando para o grupo, marchando de costas alegremente, porém, visivelmente cansado.

— Temos que nos acostumar com o horário daqui, amor, precisamos dormir. — Foi a vez de Safira se pronunciar. De uma hora para outra, eles se mostravam exaustos sem que nem percebessem. — Você viu, lá fora já está anoitecendo.

— Na verdade, ainda é meio-dia. Vocês estão mais distantes do sol, aqui os dias são menos claros. — Olímpio explicou didaticamente, enquanto o bruxo tornava a andar como os outros. — Contudo devem dormir agora, pois uma viagem interplanetária exige muito do ser humano, é uma coisa desgastante...

— Aliás, José — King reivindicou a atenção com sua voz embargando, no entanto, não se apresentava tão abatido quanto os outros —, na viagem, eu pensei que você iria gritar igual uma garotinha medrosa — comentando isso, o deus direcionou seu punho ao encontro das costas do rapaz, mas foi detido bruscamente.

— Não toque no meu irmão. — Dragon retaliou com a voz fraca e os olhos pesados, segurava firmemente o pulso do fera de capa preta. A temperatura do ambiente começou oscilar entre calor e frio repentinamente, mas a tensão se manteve persistente no ar.

— Essa viagem vai ser incrível! — O bruxo exclamou ao perceber o conflito à suas costas.

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