01

Ive observou a placa Hierapolis-Pamukalle passar diante de seus olhos, quando o carro finalmente acessou a divisa para a cidade.

Afundou ainda mais no banco onde estava, se encolhendo embaixo do cobertor que havia obrigado seu namorado a pegar no porta malas na última parada, porque ela sentia que estava congelando.

Não que ela não gostasse do clima frio, até apreciava bastante, mas temperaturas negativas já eram demais para seu corpo, ainda mais misturados ao fato de que ela estava se remoendo de ódio do homem no volante, por ter arrastado-a para outro país.

Certo que Ive sempre mencionou o quanto gostaria de viajar pelo o mundo, mas a Turquia não estava nem perto da sua lista de países aos quais ela sabia que poderiam lhe agradar.

Mas também não era como se alguém fosse dar ouvidos a uma possível maluca, suicida, que aparentemente tinha perdido por completo sua sanidade.

Ela sabia que Josh só estava preocupado com ela, que no instante em que ele a pegou no meio da madrugada, apenas de camisola sobre o parapeito do prédio onde moravam, ele havia assumido total responsabilidade em cuidar dela.

Era até fofo, se isso não envolvesse tirá-la do país, com a alegação de que talvez ela se sentisse melhor em outro ambiente.

Ive não queria outro ambiente, ela queria seu apartamento, sua cama, seus ursos de pelúcia e sua rotina de sempre. Queria seus amigos da faculdade e seus pais. Mas até mesmo os dois mais velhos haviam concordado de que ela precisava respirar novos ares. E até mesmo pagaram aquelas passagens e cuidaram do passaporte dela.

Se ela ao menos soubesse que estar em outro país a livraria daqueles pesadelos, se contentaria. Mas sabia que nada iria mudar, ele nunca deixaria de perturbar seus sonhos, não importava onde fosse.

— Acho que você vai gostar da casa que escolhi para morarmos, apesar de ser só por um ano, aposto que vai te fazer bem. Fica no final da cidade, atrás tem uma linda floresta, eu pesquisei bastante antes de fazer essa escolha. Acho que se conectar com a natureza, num clima gelado e com outra cultura, pode te fazer relaxar. — Ele sorriu, conforme falava com certa empolgação sobre o novo lar deles.

Ive queria xingá-lo, mas se limitou apenas a forçar um sorriso. Também não poderia ser uma grande ingrata com o homem que só queria o bem dela.

E ele se esforçava tanto, que às vezes ela achava que não o merecia.

Josh Lannister, era um jovem prodígio, tinha acabado de se formar em medicina e estava prestes a começar sua especialização para ser psiquiatra. Mas abandonou tudo na madrugada em que quase viu sua namorada se jogar de cima do prédio, mesmo que ela estivesse apenas dormindo e aparentemente desenvolvido sonambulismo, ele ainda se preocupou o suficiente em largar todos os seus sonhos e ir cuidar dela.

— Eu sinto muito por isso. — A morena sussurrou, encolhendo seus ombros e se afundando ainda mais no escudo de depressão que pairava sobre si.

— Não precisa sentir, eu soube que aqui eles tem ótimos cursos de especialização. Só mais um ano, eu termino a minha especialização aqui e depois podemos voltar pro Canadá tranquilos. Podemos vender o apartamento e comprarmos uma casa maior, então posso abrir meu consultório lá e fazer os atendimentos residenciais.

Ele soava sempre tão positivo. E Ive estava a ponto de começar a chorar, porque ela não conseguia sentir a mesma animação que ele.

Desviou os olhos do ruivo ao seu lado e apoiou a testa contra a janela do carro. Vendo a cidade finalmente começar a tomar forma, várias casas modestas, alguns poucos prédios e uma arquitetura que lembrava muito as dos séculos passados. Ela gostou das estruturas feitas de madeira, que pareciam ser cobertas por verniz, o que dava ao local, uma aparência de cidade velha, mas mesmo assim, ainda tinha seu charme.

Como uma boa estudante de história, ela se sentiu um pouco nostálgica. Tentando se apegar a esse sentimento, para não lembrar os motivos de estar ali.

— Como foi que soube sobre essa cidade? Você nunca falou sobre a Turquia. — Ive se voltou para o ruivo novamente, que mantinha os olhos fixos na estrada, conforme ia dobrando algumas ruas estreitas.

— Uma amiga da faculdade me falou sobre ela, disse que as casas são construções antigas e que tem muitos memoriais e arquiteturas que provavelmente você iria amar, já que é estudante de história.

— Hum. — A morena mordeu o interior de sua bochecha. — Que amiga?

— Está com ciúmes? — Josh riu, a encarando rapidamente, antes de tirar uma mão do volante e apoiar a outra sobre a perna dela coberta pelo cobertor.

Mas Ive recuou e ele afastou rapidamente o toque dela.

Não fez por querer, mas mesmo que ele entendesse os motivos dela, ainda podia enxergar uma leve fagulha de decepção nos olhos azuis dele.

Não era todas as noites em que tinha aqueles sonhos perturbadores, com um homem que ela nem sabia quem era, apesar de recitar seu nome como se o conhecesse. Mas todas as vezes, eles eram intensos o suficiente, para que a garota sentisse nojo de toques e que não suportasse nem mesmo os de seu namorado.

Ele sabia sobre os sonhos, depois de dois anos de namoro e dele reparar quando ela ficava estranha e extremamente arisca, a pressionou a respeito desses comportamentos.

No início ele pensou que os sonhos dela pudessem refletir algum tipo de abuso que Ive sofreu na infância, mas ela nunca havia passado por isso. E também não achava que os sonhos dela fossem cenas de um abuso, seu corpo sempre queria aquilo, por mais que ela achasse que fosse errado.

Talvez se devesse ao fato de que alguma parte de sua mente a lembrava que ela tinha um namorado. E que sonhar com outro homem, talvez pudesse ser considerado uma traição.

Não demorou muito, para que as casas desaparecessem e uma mata verde e densa começasse a tomar conta de todo o local. O carro diminuiu a velocidade e dobrou em uma estreita e curta estrada de terra.

Ive virou a cabeça no instante em que Josh estacionava em frente a uma enorme casa. Dessas com dois andares e uma construção antiga, ao menos era o que aparentava, por mais que a madeira brilhante entregasse que tinha passado por uma reforma recente.

A morena se desvencilhou do cobertor e desceu do carro, antes mesmo que seu namorado fosse abrir a porta pra ela.

Foi recebida por uma leve garoa que rapidamente deixou seus cabelos úmidos e a fez sentir um frio congelante, que a obrigou passar os braços ao redor de seu corpo e correr para a sacada, subindo os degraus molhados, que a fizeram deslizar de leve com suas botas de salto.

Ia precisar de sapatos novos se iria viver num lugar tão úmido como aquele.

Parou perto da porta e esperou Josh se aproximar, já que ele era quem estava com as chaves.

Não queria nem discutir qual era o aluguel daquela casa, porque não parecia ser bem o tipo de imóvel barato, ainda mais se tivesse um peso histórico como todo o restante da cidade parecia carregar.

— É muito frio aqui. — A morena resmungou batendo os dentes um contra o outro.

— Vai esquentar conforme os meses passam, em junho vai ficar mais tolerável. Até dezembro já podemos considerar um calor de verão, agora no início do ano as temperaturas são mais baixas mesmo. — Ele explicou pacientemente, pegando um molho de chaves e selecionando a maior para abrir a porta da frente.

Assim que ele abriu a porta, cedeu espaço para que ela entrasse. Ive não perdeu tempo em correr pra dentro, sentindo a mudança brusca na temperatura. O interior da casa era bem mais quente e acolhedor, mesclado ao estilo vitoriano dos móveis antigos e um carpete felpudo abaixo de seus pés.

Havia uma lareira do outro lado da sala, um longo sofá de couro, duas poltronas e uma mesa de centro feita de vidro.

Havia uma passagem que dava acesso a um possível corredor e na lateral uma escadaria que os levaria ao segundo andar da casa.

Era muito bonita.

O tipo de casa que Ive sempre quis morar, mas ela não era uma rica privilegiada como seu namorado, que já vinha de uma família cheia de ancestrais com muito dinheiro. Ela era apenas uma estudante de História, que conseguiu uma bolsa depois de se matar de estudar durante sua adolescência e tinha um trabalho de meio período em um mercadinho na esquina da rua da sua casa. Apesar de que desde que ela e Josh começaram a namorar, o ruivo sempre ficava insistindo para que ela largasse o emprego, já que ele tinha dinheiro suficiente para sustentar os dois.

Malditos fossem os herdeiros.

Ele mal havia deixado que ela trouxesse no mínimo uma mala de roupa, alegando que comprariam tudo novo quando chegassem na Turquia.

— Vou olhar os andares de cima. — Ela avisou assim que o ruivo parou ao seu lado e pareceu analisar as expressões dela.

— Certo, eu vou acender a lareira. Se precisar de alguma coisa, só me chamar.

Ela lançou um sorriso amoroso para o mesmo, antes de girar sobre os calcanhares e seguir em direção às escadas.

Não conseguia imaginar o quanto deveria ser difícil para o Lannister lidar com alguém como ela, mas era extremamente grata pela compreensão e paciência que o mesmo tinha.

A escada rangeu quando ela pisou nos primeiros degraus, apesar de ter se assustado com o barulho, isso não foi o bastante para que ela desistisse de subir e conhecer os quartos. Apressou o passo, até chegar no topo e dar de cara com um longo corredor cheio de portas.

Diminuiu seus passos e se aproximou da primeira porta à esquerda, abriu e contemplou um enorme quarto, com uma cama de casal no centro e um dossel. O guarda roupa era de madeira escura e gigantesca, alcançando o teto do local, também havia uma penteadeira, o chão coberto por um carpete em tom marsala e uma outra porta ao lado que deveria dar acesso ao banheiro privativo.

Apesar da casa parecer ter sido construída há muitos séculos atrás, a estrutura era bastante moderna por dentro.

Fechou a porta e caminhou até a próxima ao lado, o quarto era um pouco menor, apesar de haver definitivamente os mesmos móveis que no anterior. O que não ocupou muito o tempo de Ive vasculhando o local.

Ela saiu e seguiu para o outro, o último da esquerda. Abriu a porta e contemplou um cômodo totalmente vazio, não havia nenhum móvel ali. Nem ao menos o carpete, o piso era de taco, cortado em diversos ângulos diferentes, que transformaram o ambiente em um real cenário do final do século XVII. Havia apenas um par de cortinas brancas que balançavam por conta do vento fraco que adentrava o cômodo. Ive sentiu um pouco de frio e se perguntou se as cortinas talvez não estivessem molhadas por conta da cidade chuvosa?

Se aproximou da janela, abriu as cortinas e segurou no vidro, abaixando as alavancas que o mantinham suspenso no alto. Assim que puxou a segunda trava, uma brisa mais forte acertou seu rosto, agitando seus cabelos, de forma que a obrigasse fechar os olhos.

— Ivelle!

A voz masculina que ressoou, parecendo um sopro junto ao vento, era a mesma voz do homem que assombrava seus sonhos.

A morena abriu os olhos rapidamente, tentando encontrar o homem em algum lugar, mas havia somente um conjunto de árvores enormes, onde alguns galhos chegavam a forçar a entrada pela janela.

Um arrepio percorreu todo seu corpo e sem querer, ela soltou a janela que já não estava mais presa às travas, o vidro cedeu, com o impacto dele se fechando, houve um estouro e os cacos de vidro voaram todos sobre ela.

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