29 - Marya em apuros
Marya chegava do colégio com um sobretudo cobrindo seu uniforme. Parecia afobada, ou mesmo, assustada. Bateu a porta atrás de si com força e passou os trincos. Ela tremia e estava ofegante. Pendurou o sobretudo no cabide do vestíbulo da casa. A mãe de Marya percebeu a estranha movimentação e indagou – O que foi, minha filha?
– Acho que nada, mamãe. Não sei... Havia um homem estranho. Acho que ele estava me seguindo.
A Sra. Wolchkin, preocupada, correu até a janela olhando para fora por uma fresta das cortinas.
– Viu alguma coisa? – perguntou Marya apreensiva.
– Não, ninguém, filha.
– Ele era muito esquisito, mãe. Senti calafrios.
– Ora, filha, não se preocupe, não há de ser nada. Está muito frio lá fora, isto sim. Vamos, preparei sopa. Vai se sentir melhor quando comer.
Marya comeu a sopa de legumes com carne, uma de suas favoritas e, de fato, sentiu-se um pouco melhor.
A mãe notou agitação da filha e recomendou – Vá tomar um banho e se trocar. Já passou, filha.
Marya subiu as escadas e foi direto para o banheiro. Abriu a torneira enferrujada da banheira que girou como um cão ganindo e começou a derramar água quente e vapores. Ela removeu a maquiagem diante do espelho e prendeu os longos cabelos alaranjados meticulosamente até formar um coque no alto da cabeça. Agora, a banheira já estava quase cheia. Despiu-se, revelando um corpo jovem e bonito como o de uma modelo fotográfica. Entrou na banheira, relaxou por algum tempo e cantarolou um pouco.
Demorou-se e saiu do banho bem tranquila, as preocupações se dissolveram conforme a previsão da mãe. Vestiu um roupão verde e felpudo e foi para seu quarto. Terminou de enxugar-se, admirando seu corpo nos espelhos da penteadeira. Vestiu pijamas brancos e foi em direção à cama. Uma forte corrente de ar gelado combinada com a visão homem de preto penetrando pela janela provocou um duplo calafrio. Seu coração gelou e o homem sorriu.
Ilya despertou com a mesma sensação de calafrios. Aquele homem diante de Marya era o Vorn-Nasca. Olhou para o céu, ainda era tarde e naquele sonho já era noite.
– Senhor Xir! – chamou sentindo-se enjoado. O coração estava pesado e frio, o estômago torcido e a respiração curta. – Desculpe, mas tenho que sair imediatamente. Se Halle aparecer diga-lhe que fui salvar Marya.
– Perfeitamente, meu jovem. Boa sorte!
Ilya saiu da estufa e correu pelo quintal, passou pela lateral da casa até o jardim e saltou a mureta para atingir a rua. Correu até perder o fôlego e percebeu que não teria forças para ir correndo até a casa de Marya. Forçou-se a continuar numa marcha rápida. O Vorn-Nasca jogava seu jogo e Ilya arrependia-se de ter procurado por Marya. Nunca devia ter ido à casa dela! O maldito estava sempre à sua espreita e agora tinha certeza disto. Pensava que se algo acontecesse a Marya, nunca seria capaz de se perdoar.
Quando chegou às proximidades da região central de Voln, verificou o relógio da torre, ao longe. Ainda faltavam alguns minutos para o fim das aulas do colégio. Ignorando a possibilidade de ser reconhecido, tomou o trem urbano para chegar mais rápido à Estação Central.
Quando desceu, escutou o sinal do relógio batendo dezesseis horas. Correu até chegar ao colégio e viu que a maioria dos alunos já estava dispersa. Marya costumava tomar um bonde até seu bairro e seguir a pé até sua casa. Correu, mas não alcançou o bonde que acabava de passar. Sentiu um arrepio, pois teve a impressão de que um dos passageiros era o Vorn-Nasca. Talvez levasse vinte minutos até o próximo bonde chegar. Correu atrás do bonde com todas suas forças, mas o bonde ficava cada vez mais distante. Até que parou numa esquina para subida e descida de passageiros. Recobrou as esperanças, mas o bonde insistia em escapar. Exausto, atirou-se num monte de neve fofa acumulada na lateral da rua. Seu peito queria explodir e seu fígado parecia fisgado por um grande anzol. Só conseguiu se levantar após alguns minutos e seguiu o mais rápido que pôde rumo à casa da amiga.
Ao chegar, já estava escuro. No inverno, escurecia pouco depois das dezesseis e trinta. Talvez ainda houvesse tempo para impedir o pior. Ilya resolveu tocar a campainha. A mãe de Marya atendeu. O rapaz reparou de imediato em seus olhos inchados.
– Marya... – disse afobado – Ela está... Como está?
Lágrimas desceram na face rosada da Sra. Wolchkin.
– Não temos notícias, rapaz... Você é colega da escola, não é?
– Sou sim... – sentiu-se aliviado, pois não fora reconhecido, não como um criminoso.
– Anna? – veio uma voz gorda e severa do interior da casa – Quem está aí?
– Um colega de Marya, da escola...
– Desculpe, Sra. Wolchkin, pode me dizer o que aconteceu? Eu só fiquei sabendo agora...
– Entre, por favor. – pediu chorosa.
Ilya não queria entrar, mas não conseguiu negar o pedido daquela mãe em sofrimento. Sofrimento causado por ele! Tudo culpa dele!
Entrou cabisbaixo e sentou-se numa poltrona na sala de visitas. A mãe de Marya, Anna Wolchkin, sentou-se de frente para ele, enxugando as lágrimas e assoando o nariz.
– Aconteceu ontem... Eu devia ter dado ouvidos a ela... É tudo culpa minha.
– O que houve?
– Ela chegou em casa, assustada e nervosa. Disse que um homem vestido de preto a perseguiu. Não vi ninguém na rua e acabei não dando a devida atenção. Procurei apenas acalmá-la. Pouco depois que ela se banhou, ouvi gritos. Corri para o quarto dela e vi um homem horrível com ela nos braços. Ele não era normal. Não era humano. Saltou pela janela como se descesse um degrau. Foi horrível, – soluçou – horrível!
Um forte desespero abateu-se sobre o rapaz. Agora sabia: ambas, Marya e Masha estavam nas mãos do maldito Vorn-Nasca. Era tudo culpa dele. Uma raiva cresceu dentro de si e ficou vermelho, principalmente as orelhas. Nesse instante, o Sr. Wolchkin entrou na sala e surpreendeu-se – Você!?
Ilya gelou. Ficou pálido e sem ação.
– Anna, vá depressa chamar a polícia.
– Polícia? Como assim, Tiúrin?
– Não vê, mulher? Este rapaz é o tal Ilya Gregorvich, o assassino!
– Assassino?
– Vai, mulher, liga logo para a polícia! – ordenou o Sr. Wolchkin, que se sentia indignado pela ignorância da esposa. Ela levantou-se e correu para o telefone. Tiúrin Wolchkin bufou – Devia ao menos ler os jornais!
Estava todo irado e suas bochechas gordas balançavam fazendo o bigode grisalho tremer num frenético tique nervoso.
O rapaz levantou e disse em sua defesa – Não sou assassino!
– Não ouse! – ameaçou Wolchkin.
Ilya ficou parado e escutou os passos de Anna cessarem e sua voz nervosa ao telefone chamando a polícia. Decidiu agir. Caminhou para a saída, mas o Sr. Wolchkin, muito mais alto, colocou seu corpanzil gordo na frente.
– Você não vai a lugar algum! – ameaçou com um vaso nas mãos.
– Escute, Dr. Wolchkin, não sou assassino...
– É, no mínimo, cúmplice daquele pseudo estudante... Bremmen. E o que faz você vindo até minha casa?
– Eu apenas, apenas me preocupo com ela...
– Ora seu!
Anna chegou com uma panela bastante pesada em mãos. – Tiúrin, não se atreva a quebrar meu vaso, tome esta panela.
A troca foi feita e a Sra. Wolchkin colocou aliviada o vaso sobre a mesa.
– Tranque a porta. – ordenou o marido.
Ilya conhecia bem a casa. Aproveitou a intromissão de Anna e correu para o interior da casa, rumo à cozinha.
– Volte aqui! – bradou o Sr. Wolchkin e, em seguida, atirou a panela.
O alto funcionário tinha péssima pontaria. Ilya alcançou a porta dos fundos e logo saltou para a casa de um vizinho sobre o muro.
– Volte aqui! Volte aqui, seu marginalzinho!
Ilya escutava o Sr. Wolchkin esbravejar enquanto saltava mais muros.
– Maldição! – havia se esquecido do cão. Teve que recuar. O bicho quase chegou a mordê-lo. Luzes se acendiam e logo outra voz gritou – Ali! Eu o vi! É um ladrão!
Ilya pulou para outro quintal e agradeceu por ter brincado ali anos antes. Conhecia bem as casas. Finalmente estava na rua. Aproveitou-se da escuridão para fugir. Viu ao longe carros de patrulha chegando. Escondeu-se no jardim de uma outra casa, entrando embaixo de um carro estacionado. Escapou por pouco.
Recuperou o fôlego e amaldiçoou a si mesmo. O maldito tinha Marya e Masha. Reuniu forças para uma longa caminhada de volta ao subúrbio. Tinha que encontrar Halle. Talvez estivesse na casa de Xir.
Ventava muito e começou a nevar.
– Não bastava toda esta porcaria! – resmungou. – Vou acabar congelando.
As pernas pareciam que iam se desmanchar. Suas mãos e pés sentiam a mordida do frio. A face e as orelhas doíam. Procurou protegê-las com o cachecol. Depois de tudo aquilo, Ilya não se deixaria vencer por uma nevasca. Tinha que conseguir chegar.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top