16 - Enfermaria
Ainda no dia anterior, não se falava em outro assunto na universidade. A dupla de assassinos Gregorvich e Bremmen havia sido vista no prédio da arqueologia. Pouco depois disso, a polícia e até pessoas do exército foram vistas circulando pelo campus. Quando soube do ocorrido, Masha Flammoc teve um mau pressentimento. Não conseguia concentrar-se nas atividades de sua pesquisa pensando em Bremmen e no fato de ter colaborado para o assassinato do Grão Mestre Exul, um de seus queridos professores, anos atrás.
– Droga! – jogou o experimento de lado muito irritada. Era o terceiro que perdia naquela tarde.
– Srta. Flammoc, por que não tira o resto do dia para descansar? Parece que hoje o trabalho não está rendendo. – sugeriu o professor Zatchev, sem olhar para ela diretamente.
– Droga, professor! O que há comigo? – ela tirou os óculos de proteção do rosto.
– Parece distraída, Srta... Por que não me ouve e vai descansar um pouco? Tem trabalhado muito duro nas últimas semanas.
– Ah, tudo bem, professor. Acho que vai ser melhor isto que torrar mais um circuito.
– Descanse e retomaremos o trabalho depois.
Masha irritou-se ao lembrar que os próximos dois dias eram folga de final de semana. Temia não cumprir o prazo. Temia perder a verba para a renovação do projeto de pesquisa caso os resultados não ficassem prontos a tempo.
Masha desceu as escadas, pois não gostava de usar elevadores. A área de estacionamento atrás do prédio da Engenharia Taumatológica ainda estava lotada de carros, mas não era difícil encontrar o seu. Um velho Thonva verde.
Masha abriu o carro e jogou a papelada no banco do passageiro. Sentou-se, ajustou o retrovisor e então gritou ao perceber que havia um homem recostado no banco de trás.
– Shh. Quieta, Masha, sou eu, Halle Bremmen.
– Bremmen? De jeito nenhum! – a pesquisadora não reconheceu suas feições e sua fala estava lenta, sem energia e um tanto distraída.
– Estou usando um disfarce: loção taumatônica. – explicou.
– Bremmen, é você mesmo! – observou-o melhor e constatou – Você está sangrando!
– Eu tô muito ferrado...
– Está mesmo, está cheio de polícia atrás de você! Como pôde matar o Mestre Exul? – ela apertava o couro do encosto do banco com força, seus dedos brancos pelo esforço.
– Você tá maluca? Não matei ninguém. Caímos numa cilada. Fomos incriminados.
– Maluco é você! Como resolveram vir logo aqui na universidade?
– O tonto do Ilya foi descoberto, mas não importa. Temos que dar o fora daqui. – Halle fazia uma careta de dor.
– Nada disso! Você é que vai sair do meu carro.
– Masha, não faz isso. Eu te imploro. – Halle tocou-a nos ombros.
A pesquisadora assustou-se, pois a temperatura da mão de Halle era altíssima. Ela virou-se e colocou a mão na testa dele. Estava ardendo de febre.
– Você está com a maior febre!
– Deve ter sido a mordida do cão infernal.
– Cão infernal?
– Escuta, Masha, não dá para ficar discutindo aqui. Você tem que nos ajudar. Tem muitas vidas dependendo disto.
– Como assim?
– Dá partida no seu carro. Eu te explico no caminho.
A moça concordou e manobrou para sair. Halle deitou-se no banco e torceu para não ser visto. Masha dirigiu tensa por todo o percurso e só ficou aliviada quando entrou com o carro na garagem de sua casa.
A febre de Halle piorava e ele não conseguia andar sozinho. Masha ajudou-o a entrar. A garagem dava passagem para a cozinha.
Eles estava fraco mas conseguiu falar – Finalmente estou conhecendo sua casa. E, o melhor, abraçadinhos.
– Outra gracinha dessas e eu te largo no chão, Bremmen.
Halle sentou-se numa cadeira de madeira pintada de vermelho e, com a ajuda da moça, tirou a camisa. O braço estava muito feio, sangrando e, no local da mordida, havia um inchaço cheio de pus.
– Acho que depois de me ver assim, nossas chances foram para zero. – ele debruçou-se sobre a mesa, exausto.
– Sempre foram zero, Bremmen. E, pelo visto, parece que as suas também. A menos que te leve a um hospital.
– Não! Se fizer isso é que estarei zerado de vez. – fez um esforço para virar a cabeça de lado.
– Bem, então o que sugere? – ela andava de um lado para o outro.
– Não conhece alguém que possa vir aqui? Alguém que possa ajudar?
– Talvez. Minha prima trabalha no HCV.
– Ela é médica?
– Não, auxiliar de enfermagem.
– É bonita como você? – deu um sorrisinho débil.
– Corta, Bremmen. Vou ligar para ela.
– Espera. Me coloca num chuveiro quente. Estou com muito frio.
– É... – avaliou o estado de imundice dele – Um banho não vai te fazer mal. – puxou-o pelo braço levando-o até o banheiro.
O banho foi revigorante, mas a febre ainda estava forte. Halle estava começando a ficar fora de si.
– Masha! Uma toalha, por favor.
Quando a moça entrou no pequeno banheiro, viu Halle despido e corou. Virou o rosto e entregou a toalha. Halle se enxugou e saiu do banheiro, com dificuldade, enrolado na toalha.
Masha trouxe-lhe roupas de homem.
– De quem são? Do seu namorado?
– Não, foram do meu pai.
Halle vestiu-se, as roupas ligeiramente apertadas, e despencou no sofá.
Masha ofereceu chá e biscoitos. Halle consumiu rapidamente, sentindo-se bem por ter alguém cuidando dele.
– Sabe, Masha, preciso te falar uma coisa.
– O que é?
– Se eu morrer... Preciso falar isso... Você é a mulher mais linda que já vi. Se você me quisesse, eu ia ser o cara mais feliz do mundo.
– Halle Bremmen! Você está delirando, isto sim!
Halle sorriu e adormeceu. Enquanto esperava por sua prima, Masha não resistiu e foi ver o que havia dentro da sacola de Bremmen.
Havia supersoro, um creme, uma pistola, uma garrafa estranha que parecia ser o receptáculo de um genista, um livro sobre Vorn-Nascas e um caderninho de anotações.
As anotações pareciam estar numa espécie de código. Masha não pôde compreender nada e ficou curiosa.
Um pouco mais tarde, a prima de Masha, Fiodora, chegou. Também era muito bonita e trouxe consigo uma maleta com medicamentos. Tinha cabelos negros como os da prima, mas o corte era curto. Não era gorda, mas tinha muito mais busto e quadril que sua prima.
– Aí está o salafrário, cuidado, ele é um mulherengo incorrigível.
– Pelo que você havia falado, achei que ele seria mais bonito.
– Este não é o rosto dele. Está usando um disfarce.
– Ah, sim. Vejamos...
Fiodora mediu a febre e exclamou – Está altíssima e esse ferimento no braço está infeccionado!
Abriu sua maleta e aplicou uma injeção em Halle. – Isso vai cuidar da febre. Preciso de uma bacia de água quente.
Fiodora levantou-se e acompanhou a prima até a cozinha. Masha colocou água para esquentar no fogão. Enquanto esperavam, Fiodora começou – Masha, querida, onde está com a cabeça? Acolher um criminoso procurado é crime! – estava tensa.
– Sei disso, prima, mas o que eu deveria ter feito? Entregá-lo à polícia? Além do mais, não acredito que ele seja culpado.
– As pessoas mentem, você sabe...
– Mas também falam a verdade, não é mesmo?
– Umas poucas.
– Nossa, Fiodora, você é tão pessimista!
– E você vive numa bolha! Isolada dos problemas do mundo naquele seu laboratório.
Masha calou-se esperando a água esquentar.
– Olha, prima, – Fiodora recuperou a calma – só estou lhe avisando para tomar cuidado. Se fosse você, colocaria ele para fora na primeira oportunidade.
– Farei isto, prima. Vamos lá...
***
Uma hora depois, Halle despertou.
– Ilya... – murmurou.
Masha aproximou-se – Como se sente, Bremmen?
– Melhor, eu acho.
– A febre abaixou, comentou Fiodora.
– Esta é minha prima, Fiodora.
– Ah, olá, muito prazer. Obrigado por cuidar de mim. – disse deitado, pois ainda não tinha forças para sentar-se.
– Masha, preciso de um favor. Temos que avisar Ilya de que estou bem e que irei ao seu encontro assim que possível.
– Certo. Onde ele está?
– Numa pousada na região do porto. Você tem um papel? Deve procurar por Ilyodorv Priech. – Halle deixou o endereço.
– É melhor avisá-lo amanhã. Hoje está muito tarde. Além do mais, aquela não é uma boa vizinhança.
– Certo. Agora que está um pouco melhor, que tal uma explicação para tudo isso? – Masha mostrou os objetos de Halle, colocando-os sobre a mesa de centro.
Halle esforçou-se para sentar. Notou que seu braço tinha um curativo grande, todo enrolado por ataduras. Doía um bocado.
– Vamos lá então. Tudo começou com a história dos óculos...
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