Capítulo 6 - Caipora Diferente, Ioiô e Sucuris Construtoras

Ela poderia pelo menos ter me secado com os poderes mágicos dela. – Reclamou Gregoriana torcendo a cabeleira cor de cobre quente. — Ou feito roupas novas com aquele cabelo brioso dela. Disgrama.

— Gori, ela não controla a água, só atrai os peixes e faz cana e café crescerem dos seus cabelos. - Defendeu Tobias sentindo a barriga doer de preocupação.

— Eli ni contoli a águi. – Retrucou a menina fazendo caretas e gesticulando as mãos. — Não defenda ela, seu pamonha.

Tobias e Gregoriana se olharam fazendo bico.

Eles saíram de perto do Véu da Noiva, o santuário e prisão da santa Cica, atordoados e desnorteados. A deusa tinha dito que era hora de eles irem e todo o lugar desapareceu.

Sem perceber estavam no meio da Mata sozinhos - um olhando para o outro. Em silêncio começaram a andar novamente e sem rumo tentando entender a enxurrada de coisas que estavam acontecendo.

Gori bufava a cada passo querendo falar algo, mas não sabendo bem o quê. Tobias encarava a grama procurando qual o motivo de Cica ter trazido sua amiga para o lugar mais perigoso do mundo, uma pontada de raiva surgia cada vez que pensava sobre o assunto.

Perceberam, tarde demais, que estavam sendo seguidos.

Olhos grandes e esverdeados surgiram nas moitas e nas copas das árvores. Aos poucos, um traque-traque nervoso tomou o arredor e uma horda de caiporas vermelhas penduradas nas árvores se apresentou batendo os dentes serrilhados.

Tobias travou fazendo Gori bater nele.

Ara pamonha... - Começou a menina, mas parou assim que olhou para cima. — Eita, diacho.

As bichinhas de orelhas pontiagudas por algum motivo não atacaram direto e ficaram olhando para Gregoriana com curiosidade. Elas apontavam uma para outra e inclinavam as cabeças de forma pensativa, elas farejam o ar e apertavam os olhos como se tentassem ver algo a mais na menina ruiva.

— Eu acho... - Disse o garoto de forma vacilante. Sua voz estava fraca, mas não sentia medo como da outra vez. — Eu acho que elas pensam que você é uma delas. - Completou se fazendo de escudo humano.

Que bichos são esses? - Perguntou Gori por cima do ombro dele fazendo sua nuca arrepiar. — Ocê acha que eu pareço com elas? - Azedou o rosto. — Carcule bem suas palavras, podem ser as urtimas.

— Claro que você NÃO é nem um pouco parecida com elas. - Enfatizou Tobias revirando os olhos. — Mas elas acham que sim.

Gregoriana tentava não pensar que em um momento estava brincando com as carpas no aquário, ficando o mais longe possível do amigo e em outro estava sendo engolida por uma carpa gigante branca, depois vomitada debaixo d'água e puxada por um cardume de peixes para a Mata, e pior, para ser a ajuda de Tobias. Questionava-se o que Cica tinha falado para ele aceitar uma missão maluca daquelas, de qualquer forma ela não gostava da santa.

— E por que elas acham que eu sou uma delas? - Questionou a menina.

São caiporas, um tipo de fada-duende das matas, segundo as lendas elas protegem os animais pequenos. - Tobias conhecia muita coisa do folclore, graças ao seu avô, mas não sabia nada de como se livrar dessas criaturas. — Você é pequena, tem um ar selvagem e cabelos vermelhos... Pode ser isso. — O último comentário lhe rendeu um tapa no braço, que por algum motivo o fez rir.

— Eu pensei que existisse só uma, tipo que nem no "Castelo Rá Tim Bum" e tinha que assoviar. - Comentou Gori enfiando a mão no bolso de trás da calça, lembrando-se de algo que havia ouvido sobre predadores. — E outra, não é o Curup...

O menino virou rapidamente tampando a boca de Gori. Ela soltou um gemido de reclamação, mas o pavor nos olhos do amigo a fez se acalmar.

Por causa do movimento rápido as fadas selvagens arreganharam os dentes e fungaram de apreensão.

— Não diga esse nome. - O garoto olhou para os lados procurando alguém. — Esse cara, na verdade, cuidava só dos animais grandes, mas com o tempo foi ganhando poder. - Um assobio alto e agudo ecoou no meio da floresta fazendo as folhas balançarem. Tobias segurava com força as coisas dentro do estômago. — Vamos chamá-lo de... 'Você-Sabe-Quem'.

— Credo Tobias, cê não tem criatividade nenhuma. - A menina cruzou os braços com algo na mão. — Vamos chamá-lo de "Passos Reversos".

As caiporas começaram a bater os dentes rapidamente percebendo, finalmente, que Gregoriana não era uma caipora diferente.

— Gori, depois nós escolhemos um nome, eu acho melhor a gente começar a correr. - De dentro da mochila o menino ouvia o Ajubá-Aburé roncar. — Você é pior do que um Magikarp no deserto. - Comentou o garoto balançando a mochila.

— Cara, - Respondeu Ajubá-Aburé, meio miando e meio latindo, irritado. — Eu sou um receptáculo para os espíritos dos mortos e socorrista freelancer, e não um lutador.

— Eu sei, mas você podia ter uns poderes. - Tobias sabia o quanto as fadas eram rápidas, e não queria ter a chance de descobrir se elas também comiam rápido, seu pensamento era como ia manter Gori a salvo. — Eu acredito que agora seria um momento de perigo, cadê meu avô?

— Cara, não é assim que funciona. - Respondeu Ajubá se espreguiçando dentro da mochila cutucando as costas do menino. — Quando você realmente estiver em perigo, um sinal será mandado para a central dos espíritos, uma Queronte vai analisar o pedido, convocar o espírito e lhe explicar as regras e o tempo que tem e só depois disso o espírito vem e usa esse corpinho amarelo, ou algo do tipo.

Grande mer...

Gregoriana ignorou a discussão do amigo com um boneco que havia ganhado vida, abriu a mão revelando um ioiô com pisca-pisca. Ela esticou a corda fazendo luzes laranja e vermelha brilharem.

Fogo! - Gritou uma caipora recuando um pouco.

Fogo. Fogo. Fogo. - Repetiu as outras.

As caiporas olhavam para o brilho do ioiô - que parecia uma bola de fogo giratória- saltando no lugar admiradas e com medo. Gori ergueu o brinquedo girando como se fosse laçar um boi, coisa que fazia todos os dias de manhã para ordenhar a Floriosa, as duendes dentuças recuaram um pouco e quando a menina lançou o ioiô na direção delas, saíram correndo e gritando "fogo".

Que ideia genial Gori. - Falou Tobias, assim que se recuperou da atitude da amiga. — Mas como você sabia que elas iam fugir?

Eu não sabia se ia dar certo, mas uma vez meu avô disse que a maioria dos bichos tem medo de fogo. - A menina deu um beijo no ioiô, se sentindo orgulhosa depois de fazê-lo dormir na corda. — Não é fogo, mas lembra um.

— Você foi bem corajosa. - Afirmou o menino se sentindo envergonhado por não ter feito nada, mas disfarçou bem. — E mais uma vez, foi genial, parecia a Mulher-Maravilha com o laço da verdade.

O rosto de Gregoriana começou a esquentar e para disfarçar começou a olhar para os lados se abanando com as mãos.

Acho que estam... - Começou a falar, mas parou assim que a terra debaixo dos seus pés tremeu. — Eita, lasqueira.

Do chão, três sucuris sibilavam em protesto aos pés da menina. Eram enormes, do tamanho e do comprimento de micro-ônibus e com presas maiores que os braços de Gregoriana. Seus corpos eram grossos e suas peles tinham tons marrons e verdes escuros.

As serpentes olharam para eles e deram o bote.

Tobias tropeçou em Gori, o que foi bom, pois assim desviaram do ataque rolando para o lado. Arrastaram-se pelo chão se sujando de barro até conseguirem se levantar e correr.

O ataque combinado das sucuris abriram buracos do tamanho de piscinas pequenas, mas por não acertarem suas presas sibilavam de desgosto.

Os dois corriam sem olhar para trás.

O garoto sentia que o seu coração ia explodir a qualquer momento e câimbras explodiram em suas pernas devido à corrida. Ele caiu mais vezes do que gostaria de admitir e Gregoriana, por sua vez, corria tão rápido quanto um raio, só dava para ver seu rastro vermelho pulando raízes, desviando de galhos e dos botes das cobras. Para Tobias ela parecia o Flash.

— Tubia, não dá pra correr para sempre. - Comentou Gori depois dos dois contornarem uma árvore grossa, enquanto as sucuris seguiram reto derrubando árvores e fazendo sulcos no chão, por sorte, elas não enxergavam tão bem. — Me diga que você sabe para onde devemos ir.

— Cica me mandou vestir o capuz. - Respondeu ofegante segurando os peixes da santa na barriga.

Só isso? - Reclamou Gori jogando as mãos para cima. Ela se encostou em uma palmeira para tomar ar, seu rosto estava vermelho e encharcado de suor fazendo o cabelo grudar na testa, suas pernas estavam bambas. — Odeio santas de cabelos brancos perfeitos e deuses em geral.

— Eu... Nem... Acreditava... Neles... - Respondeu Tobias, que falava por sílabas aproveitando o espaço entre elas para respirar.

— Tobias, o que duas crianças podem fazer contra tudo isso? - Ela mostrou o lugar ao redor com os braços. — Estamos na sétima série, não podemos nem ficar acordados até meia noite e morremos de medo da nossa diretora Regina, como vamos enfrentar criaturas, santas e deuses?

— Não sei Gori. - Respondeu o menino derrotado. Ele deslizou sobre a árvore sentando no chão e colocando a cabeça entre as pernas. — Eu não sei. - Repetiu engolindo o choro.

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