Capítulo 5 - História Triste, Pegue Isso e DondeQueuTô?


O som da mata se tornou um murmúrio e os peixes aos pés de Cica ficaram parados como se estivessem tristes. As águas do rio corriam lentas e aos ouvidos do menino pareciam que lamentavam algo. Tobias pensou em falar algo, porém os olhos da indígena perderam os castanhos e as órbitas voltando a tempestade aquática de azul ao marrom desencorajando-o.

O menino enfiou um pedação de peixe na boca para mantê-la ocupada mesmo não gostando muito.

Em outros tempos, eu era uma filha do trovão, nascida e criada na palmeira Oeste, a Morada da Água, das Chuvas e dos Trovões, em nossa tribo nós aprendemos a sempre compartilhar não importando com quem e por causa disso fui abençoada por Nossa Avó Eterna. - A divindade mexeu os pés fazendo os peixes se agitarem criando espumas sobre a água. — Ganhei o talento de atrair peixes toda vez que encostava meus pés no rio. Os cardumes se amontoavam nas margens saltando e espirrando água para todos os lados. — Houve uma mini tempestade nos olhos da divindade por lembrar-se de tempos que era livre. — Mas toda bênção vem acompanhada de uma maldição. - O semblante dela caiu e seus olhos tomaram um tom marrom barroso. — Equilíbrio sabe.

Ela parou por um tempo como se tentasse lembrar.

Xamãs, chefes de tribos e outros seres tentaram ficar comigo, mas na minha tribo a mulher só fica com quem a faz feliz e nenhum conseguiu. - Continuou com o tom triste e se sentindo culpada. — Um dia enquanto dormia perto de uma árvore sagrada, o Curupira me agarrou achando que podia me fazer feliz, mas não chegou nem perto e ficou furioso, mandando javalis e onças atrás de mim, - Na sua voz tinha um pouco de ressentimento e dor. — desesperada pulei nas águas e os peixes me carregaram pelos rios, assim cheguei aqui, bem antes dessa terra ser nomeada em homenagem ao meu nome.

— Então quer dizer que por causa do Curupira você veio parar aqui, mas por que continuar aqui em Piracicaba, você é uma deusa, poderia governar em qualquer lugar? - Perguntou o menino.

Por algum motivo ele sentia que poderia enfrentar qualquer coisa agora que estava de barriga cheia.

— Eu não era uma divindade nesse tempo, só uma abençoada, mas você já vai entender. — Cica jogou as sobras do banquete na água - os restos de peixes assados se tornaram peixes inteiros, vivos e nadando ao redor dos seus pés. — Em uma noite fui acordada pelo barulho dos peixes me alertando que o Curupira havia enviado uma besta da água para me matar, desesperada clamei a todos que pude, mas a grande maioria não se importou comigo, exceto uma divindade.

O Saci. - Concluiu o garoto olhando para o capuz que estava sobre seu colo.

Sim, mas não qualquer Saci, o que me socorreu veio de uma terra ligada com a nossa, ele era um grande provocador e mandingueiro. - Sem Tobias perceber como ou em que momento, a deusa estava trançando folhas de bananeira fazendo uma cesta, enquanto ele segurava um pedaço de cana. — Usando seus truques, ele me ligou as águas do rio me tornando imortal e conectada a elas para sempre e fez a besta adormecer.

— Caramba, tudo isso porque o Curupira ficou bravo? - Ele largou a cana e fechou as mãos em punhos. — Isso é revoltante.

— Sim, mas tudo acontece pelo querer da Natureza e esse querer sempre tem um proposito. - Cica largou o cesto e pegou o pedaço de cana do menino, jogou no rio e os peixes trouxeram de volta como se fossem cachorros adestrados. — Se o rio secar, eu me torno mortal perdendo o brilho dos meus cabelos, e a grande besta vai acordar, me matar e destruir a cidade.

O QUÊ?! - Gritou Tobias fino demais e dando um sobressalto. — Ela... Ela está debaixo da cidade?

Sua cabeça está abaixo da Catedral. - Comentou Cica, espantada. — Você não sabia disso?

— Tem um poema, mas não pensava que era verdade. - O menino fechou os olhos tentando lembrar a letra que sua professora Débora havia feito à sala decorar. —

"A Catedral da Praça tem um segredo que dá até medo! Contam que, no subsolo, há uma cobra bem grande! Sua cabeça fica na igreja, e seu rabo na Rua do Porto! É gigante! No fim do mundo, dizem que ela irá despertar e engolir toda a cidade! A Cobrona! Valha-me Deus! Será verdade?"

Cica bateu palmas quando o garoto acabou de recitar. Ele abaixou a cabeça encabulado sentindo vergonha.

— Meu trabalho é continuar chamando os peixes e protegendo o rio. Mas com o passar do tempo à cidade foi crescendo e os homens me esquecendo, - Cica olhava triste para o rio, que agora parecia muito com o rio de Piracicaba que Tobias havia pescado várias vezes com o avô. — Ainda há peixes e água, mas não sei por quanto tempo vai ter, eu sinto minha magia enfraquecer e para piorar estamos chegando na época da Caçada da Lua e do Sol, e o Saci está desaparecido.

Então você está me dizendo que devo encontrar o Saci? - Conclui Tobias sentindo um nó se formar em sua garganta. — E que Caçada é essa que você tanto fala?

— Sim, encontrar o Saci é parte do que você tem que fazer. - Respondeu a santa com o olhar triste para o garoto.

Era algo difícil de fazer para guerreiros, quem dirá mais para um rechonchudo e brincalhão curumim, pensava enquanto encarava o menino.

— Mas não é só isso, você tem que levar o takuapu sagrado para Nossa Grande Avó Eterna, assim ela pode ganhar tempo para que o Saci consiga fazer suas provocações e as gêmeas Celestes possam afastar as forças da Guardiã Azul, a protetora da Morada Oeste. - Concluiu jogando o pedaço de cana novamente nas águas.

Eu já falei que só tenho 13 anos? - Perguntou o garoto, enquanto arrancava a grama no chão e jogava no ar. — Como eu me meti nisso?

A divindade deu de ombros passando a mão sobre um símbolo estranho que brilhava na pedra. Era uma linha sinuosa que parecia uma cobra com cabeça de peixe, com a cauda virando uma caverna.

É uma missão perigosa, então você vai precisar de mais ajuda. - Completou Cica fechando os olhos se concentrando. — Pegue isso.

As águas do rio começaram a borbulhar fazendo os peixes nadarem perto da beirada e um emaranhado vermelho emergir no meio do rio.

Tobias não podia acreditar no que estava vendo.

Ele se levantou trôpego, correu e pulou no rio, ajudando-a a sair das águas.

— POR MIL COICES DE MULA, - Gritou a menina, cuspindo água e puxando o ar com força. — DONDEQUEUTÔ?!

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