Capítulo XVI: Não queria ver-te chorar
Há alguns anos, quando os reis de Erysimun ainda não pensavam em abandonar o posto, as coisas eram mais leves, e a vida de seus filhos, menos conturbada. Todos pensavam em como seria a coroação de Antero, mas não ansiavam por aquele momento, tendo em vista que o jovem príncipe ainda tinha apenas dezesseis anos.
Em uma manhã iluminada pela majestosa luz do sol, a pequena princesa Agnessa descia correndo as escadas até os aposentos de seus pais. Havia acabado de completar doze anos e, como presente, ganharia um animal, um cavalo, para sermos exatos. Nada deixava a jovem astuta princesa de Erysimun tão animada quanto seus aniversários. Todos os anos, os reis ordenavam que fosse preparado um banquete com todas as suas comidas prediletas. Além disso, faziam todas as suas vontades e permitiam que, por alguns instantes, se sentasse em um dos dois tronos reais. A menina se divertia, e seu irmão a acompanhava em suas travessuras. Mesmo que mais velho, Antero adorava correr ao lado de Agnessa pelos corredores, passagens secretas, salões e jardins do castelo.
A pequena usava um vestido cor carmim, costurado especialmente para a ocasião. Na verdade, a jovem não havia dormido, seu anseio pelo dia seguinte era tanto, que não conseguira pregar os olhos, nem mesmo quando o sono já se apossava de seu corpo.
As pupilas de Agnessa cintilaram quando os primeiros feixes solares tiveram contato. Veloz como uma lebre, a menina saltou de sua cama e, sozinha, vestiu-se. Sua astúcia era notável já nos tempos de outrora, não gostava que a ajudassem a se vestir ou arrumar os cabelos. O fazia só, e não se sentia bem em ter pessoas que dariam a própria vida por ela.
Sua coroa leve repousava sobre seus cabelos ainda um tanto claros na época. Seus pés pequenos apressavam-se. Ela queria pegar os pais ainda dormindo, era como um rito que ela seguia todos os anos.
Quando enfim chegou em frente à grande e estupenda porta de madeira, a garota observou o brasão presente em sua superfície. Ela nunca se cansava de admirar a imagem que carregava o peso de todo reino. Tal brasão era arredondado, continha o nome de Erysimun e era como se folhas de outono saltassem de seu centro.
Agnessa abriu a porta lentamente, ansiosa por acordar seu pai. Ela teve então a visão de Demétrio e Auriviana, que dormiam feito pedras. A jovem princesa aproximou-se, respirou fundo, e tomando um impulso no chão, pulou, jogando o corpo em cima de seus progenitores.
Os dois assustaram-se, ou pelo menos fingiram o susto.
— Agnessa, minha filha, quase mata-nos! — a rainha Auriviana disse, levando as mãos ao peito, em um tom nada sério, brincava com a menina.
— Papai, já é de manhã! Lembras do que me prometeste? — a pequena indagou.
O homem esfregou os olhos, abriu um espaço para que a menina se sentasse entre eles na cama, então passou o braço por sobre seus ombros e disse:
— Precisamos conversar. Sabes que não é costume as mulheres andarem a cavalo, não sabes?
— Mas a Teodora anda! — retorquiu.
Teodora, a general das tropas de Erysimun, nesta época ainda era uma jovem aspirante a soldado. Depois de algum tempo, fora chamada para guerrear por outro reino, uma guerra que duraria ainda alguns anos. O rei Demétrio permitiu, já que em seu reino tudo estava em paz.
— Meu bem, o caso de Teodora é diferente. Mas, mesmo assim, vamos lhe dar o que nos pediu de presente. Contanto que não saias a cavalgar por aí sem antes ter algumas aulas e também tamanho para tal.
— Sim senhor, papai — ela respondeu com um sorriso que abrilhantava sua face harmoniosa de bochechas rosadas.
— Agora deixes que eu e sua mãe nos arrumemos para que possamos levar-lhe até o estábulo — deu um beijo na testa da filha.
A menina, mais que depressa, deixou o cômodo e pôs-se à porta. Roendo as unhas, ela esperava avidamente pelo presente que lhe foi designado.
Assim que prontos, o rei e a rainha encaminharam-se junto com a menina para o estábulo, Antero, seu irmão, já estava lá. Ele havia ganhado um dos animais de presente em seu aniversário de dez anos, e o amava como se fosse alguém de sua família.
— Ag! — Ele caminhou até ela de braços abertos, levantou-a pela cintura e a girou pelo ar. — Feliz aniversário!
— Obrigada, Antero — respondeu, já virando-se para as baias, onde estavam os animais.
— Pois bem, querida, escolha o que mais lhe agrada — sua mãe ordenou.
Os olhos de Agnessa então percorreram cada centímetro do local, analisando todos os cavalos ali presentes. Estava fascinada, sempre sonhou em cavalgar em um dos imponentes cavalos de seu pai, todavia, nada lhe chamou mais atenção que um potro, tinha cerca de onze meses.
— Papai, aquele ali... - ela apontou para a última baia.
— Meu bem, aquilo é uma égua. Será vendida para a reprodução, não serve para o que queres — Demétrio respondeu.
— E por que não? — inquiriu, aproximando-se do animal de porte médio, com o pelo mesclado entre branco e marrom.
— Ora, Agnessa, tem tantos outros, veja esse puro sangue... — sua mãe interferiu, porém foi interrompida.
— Eu quero essa, mamãe. Já escolhi — a menina respondeu.
— Vou chamar o domador para que lhe diga como os outros animais são bons e hábeis — Demétrio bradou impaciente enquanto caminhava em direção à lateral do estábulo, onde geralmente o cuidador e domador dos cavalos se encontrava.
Pouco tempo depois, retornou. Junto consigo trazia um homem grisalho, tinha cerca de sessenta anos, e também seu filho, de idade superior à princesa em dois anos.
— Domenico, por favor, tire da cabeça de minha filha a ideia de ficar com a égua, eu não consigo fazê-la entender que este animal não é digno de uma princesa — ele falou, partindo o coração da menina.
No mesmo instante, os olhos de Agnessa encheram-se de lágrimas. Ela tentou não chorar e, para disfarçar, olhou para o lado justo no momento em que Ícaro, filho do domador, a encarava.
— Pai! — o jovem rapaz então caminhou até onde estavam os adultos.
— O que foi, menino? Não vê que estamos tratando de assuntos sérios? — Domenico, seu pai, o repreendeu entre os dentes.
O rei e a rainha apenas sacudiam suas respectivas cabeças para os lados em negação, pela situação em que a filha lhes colocara.
— Eu tenho algo a dizer sobre a égua que a princesa deseja — Ícaro começou.
— Ora! E quem esse menino pensa que é? — a rainha Auriviana questionou retoricamente.
— Bom, alteza, se me permite. — Prestou reverência e continuou: — Eu sou filho de Domenico, e o acompanho desde que me entendo por gente. Gostaria de ressaltar que essa égua é cria de Ceres, seu puro sangue mais estimado, e também um dos animais mais ágeis que temos aqui. Além de ser perfeita em sua saúde, a égua também já apresentou grande desempenho e fortaleza, antes mesmo de seu primeiro ano. Peço que reconsidere o pedido da princesa.
— Mas que ultraje! — a mulher esbravejou.
— Acalme-se, Auriviana! — Demétrio sustou sua fala. — Tens absoluta certeza de que este animal pode atender a todas as necessidades de minha filha? Tens certeza de que esta égua está à altura de uma possível sucessora ao trono?
O rapaz suspirou, olhou para o jovem animal e assentiu:
— Sim, alteza. Acredito que como qualquer outro cavalo aqui deste estábulo, irá servir para qualquer tipo de atividade que a princesa deseje exercer.
— Domenico, o que pensas disto? — o rei interpelou o domador dos cavalos.
— Alteza, preciso admitir que meu filho está correto em suas colocações. É um bom animal — o velho homem respondeu.
Auriviana encarava o marido de uma forma assustadora, enquanto mantinha os braços cruzados. Agnessa abraçada ao irmão, Antero, pressionava os lábios na tentativa de prender as lágrimas.
— Pois bem. Agnessa — Virou-se para a garota —, ficarás com a égua. Mas já lhe aviso que não haverá troca se por ventura arrepender-se de sua escolha. — Ergueu o dedo em frente à face.
A jovem princesa sorriu alegre, não acreditava que o rapaz havia conseguido persuadir seu pai de tal maneira. Ela afagou o rei em um abraço tão forte que o homem quase perdeu a respiração por um instante.
— Tu não tens pulso firme com Agnessa! Espero que esse mimo todo se volte contra ti algum dia! — Auriviana virou-se de costas e deixou o local.
A princesa se importaria se, em dado momento, não estivesse tão feliz e estonteante com o presente que lhe foi garantido. Enquanto seu pai dava as coordenadas para o domador, a menina caminhou até Ícaro, seu filho, e sem que o restante dos presentes percebesse, sussurrou perto de seu ombro.
- Obrigada por isso.
O rapaz, com as mãos para trás, sem desviar o olhar da conversa do rei que estava próximo, respondeu no mesmo tom:
— Não queria ver-te chorar.
Em seguida, caminhou até onde Domenico falava com o rei, e reforçou a confiança que tinha na jovem égua, a qual a princesa nomeou Oliviana. Segundo ela, os olhos do animal imploravam por um nome doce e gentil.
*****
Sete anos depois, na cachoeira dos segredos...
— Eu sou sua, Ícaro. Assim como és meu.
Ele desvencilhou os lábios de minha pele e seu olhar se aprofundou nos meus olhos.
— Eu acredito, e por isso, acho que não devemos nos exceder — falou.
— Ícaro...
— Meu amor — Pôs as mãos em meu rosto, acariciando minhas bochechas —, eu lhe amo mais que a qualquer coisa neste mundo, sempre sonhei em ter-te em meus braços, chamar-te de minha — Fez uma pausa —, assim como sempre sonhei em desposar-te com a benção de seus pais.
Neste momento senti como se uma luz acendesse dentro de mim e iluminasse meus pensamentos. Tornei-me envergonhada pelos meus atos, e pela situação em que me encontrava. Afinal, o que eu iria fazer?
— Ícaro eu não sei o que lhe dizer, eu...
— Sh! Não diga nada. — Beijou minha testa.
Eu cruzei os braços, tapando a parte desnuda de meu corpo, ruborizada.
— Acho que já ficamos tempo demais aqui — ele disse.
— E-eu também acho.
Ícaro segurou em meu queixo e ergueu meu rosto:
— Não precisas seres tu uma mulher que não és, eu lhe esperei por todo esse tempo. Continuarei esperando-te até a eternidade se for preciso. Quando tu fores minha esposa, então faremos o que tanto nossos corpos anseiam. —Despejou um beijo no canto de minha boca, eu correspondi com um sorriso fechado. — Vamos!
Entrelacei minhas mãos às suas e saímos da água. Vestimo-nos e nos sentamos na mesma pedra de antes, preferi esperar que meus cabelos secassem, para não haver qualquer tipo de indagação em casa.
O domador deitou-se, apoiando a cabeça em uma das mãos, e com a outra sustentou meu corpo escorado em seu peito. Ouvíamos o barulho da água enquanto olhávamos para o céu.
— Ícaro, posso pedir-lhe um favor?
— Claro, meu amor — replicou atencioso.
— No dia de minha coroação — Virei-me para ele, apoiando o queixo em minha mão que estava sobre seu peito —, podes acompanhar-me durante o cortejo até o castelo?
— E como o farei? Seu pai jamais permitirá!
— Eu já pensei nisso, eu tenho direito a escolher os cavalos, a carruagem e o cocheiro. Pensei que poderias ser, então eu escolho uma das carruagens de fronte aberta, assim poderemos ficar o mais perto possível um do outro.
— E achas que não vão questionar-lhe sobre essa escolha? — indagou.
— Não se eu pedir para que Antero finja ter escolhido tudo em meu lugar, por conta da indecisão — respondi.
— Se puder, será um grande prazer, minha rainha — brincou e beijou minha testa.
— Não diga isto! Por favor, é a última coisa em que quero pensar agora.
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