Capítulo XIV: Boatos

A sua companhia passou a ser a melhor coisa que existia em minha vida. Estávamos ao pé da grande árvore. Eu, sentada com as costas escoradas ao seu tronco, e Ícaro repousava a cabeça em meu colo, sobre as inúmeras camadas de anágua.

— Ícaro, pensaste alguma vez em ser mais que um domador de cavalos? — questionei, enquanto acariciava seus cabelos com carinho.

— Como assim, Agnessa?

— Bom — Levei meus dedos lentamente até sua orelha, e vi que ficou arrepiado —, daqui uns dias eu serei rainha de Erysimun. Pensei que poderia lhe dar um título.

— Meu amor, eu não me importo em continuar com meu trabalho, e se isso não for um problema, sinto-me feliz em cuidar dos animais.

— Mas não gostarias de se tornar um duque ou um cavaleiro da alta cúpula de Erysimun?

— Eu? — Soltou um pequeno riso, escorou-se em seus braços e se ergueu, ficando ao meu lado. — Sabe o que eu gostaria? — Fez uma pausa. — De poder ficar contigo sem ter que esconder, levar-te para ceia comigo e meus pais sempre que quisesse, mostrar-te a cachoeira dos segredos...

— Cachoeira dos segredos? — indaguei, enquanto ele mantinha uma das mãos sobre a minha.

— Não conheces?

Neguei.

— É uma queda d'água que fica aqui perto. Seus pais nunca a levaram?

— Digamos que isso não faz parte dos "passeios reais". Além de ser demasiadamente perigoso para uma futura rainha chegar perto de uma cachoeira.

— Queres dizer então que se eu a chamasse para irmos até lá amanhã, recusarias? — Acariciou minha bochecha enquanto, de maneira desconcertante, me encarava no fundo dos olhos.

— Eu tenho medo — retorqui.

— O que temes? É apenas água, e eu sei nadar perfeitamente bem. Posso resgatá-la se alguma fera das águas tentar lhe pegar — brincou e eu ri do que disse.

— Então... Eu aceito, meu domador.

— Hm. Meu domador, é?

— Oras, tu és um domador, e és meu — disse, e ele ergueu uma sobrancelha. — És meu, não é? — semicerrei os olhos e pressionei os lábios.

Ícaro riu de minha cena.

— Claro, meu amor. — Aproximou-se e me beijou. — Meu coração, meu corpo, minha alma, minha vida, é tudo seu.

— Céus! — exclamei atarantada.

— Princesa, eu lhe amei por tanto tempo sem poder dizer. Lembro-me ainda de quando eras apenas uma garota, querendo cavalgar no puro sangue mais alto de seu pai, mas ele não a permitia.

— Ainda recordas?

— Como poderia esquecer-me? Lembro-me exatamente do dia em que me descobri apaixonado.

— Espere! Então já gostavas de mim todos estes anos.

— Claro, Agnessa. Sempre fui um homem apaixonado em segredo.

— É por demasiado engraçado — Cortei o momento mágico que se instalava —, pois uns tempos atrás eu me recordo de saber que estavas entrelaçado a uma moça lá do povoado.

— Foi uma época difícil. Haviam muitos boatos sobre seu pai ter lhe prometido ao príncipe de Dominus.

— Mas isso foi uma calúnia! — justifiquei. — Meu pai jamais me prometeu a nenhum homem, ainda mais depois de inverter as coisas e me tornar a futura rainha ao invés de meu irmão.

— Eu não sabia! — replicou. — Além disso, meus pais também me pressionaram para que me casasse e formasse uma família, mesmo que não fosse com a mulher que eu amava.

— E por que se separaram antes mesmo do noivado?

— Ouviu o que eu disse? — ele indagou, já perdendo a paciência.

— Se tu não a amavas por que não me contou sobre seus sentimentos?

— Terias me aceitado? — falou.

— Bem eu... não sei o que dizer sobre isso. Ah! Ícaro, melhor encerrarmos este assunto. — Contorci os lábios.

— Tudo bem, minha princesa. Sabes que pertenço a ti agora.

— E não quero ter conhecimento que o senhor esteve no povoado de conversas sem fundamento com alguma donzela, se é que ainda são donzelas!. — Cruzei os braços e revirei os olhos.

— Ag!

— O que foi? — perguntei inquieta.

— Venha aqui! — Puxou-me para um beijo, em seguida nos desprendemos e nos entreolhamos. — Eu quero apenas a ti. Tu és minha amada, não desejo nenhuma outra. — Sorriu.

Correspondi ao seu gesto com um sorriso também.

— A propósito, não comente sobre nosso passeio de amanhã perto de Antero. Se tem alguém com mais temor das águas que meu pai, esse alguém é meu irmão.

— Como for de tua preferência.

Ícaro me ajudou a levantar, e nós caminhamos juntos até a entrada do estábulo, onde me sentei e me despus a espera de Antero, enquanto o domador cuidava dos cavalos do lado de dentro.

Estava ansiosa e aflita, desejava contar ao meu irmão o que havia acontecido, todavia, tinha receio sobre até que parte ele acreditaria. Além de tudo, o feitiço havia dado certo, então eu deveria manter segredo. A segunda parte ainda estava por vir, a grande magia proibida que se tornaria a força suprema de Erysimun sob meu comando. Sim! Eu queria. Apesar de temerosa, por conta do que Levi havia me dito, eu sabia que deveria utilizá-la, senão jamais conseguiria governar o reino.

— Agnessa! — Meu irmão apareceu em seu cavalo.

— Pensei que não voltarias!

— Perdoe-me, sabes que quando encontro Venília não vejo o tempo passar.

— Que seja. Vá guardar o cavalo, estou morta de cansaço, preciso comer e repousar durante a tarde toda.

— Agnessa você e o domador não estão...

— Antero! Que tolice, meu irmão. Deixe de suas sandices e ande logo. Eu tenho pressa.

— Tudo bem, já venho.

Depois de colocar o animal em sua baia e sair do local, eu e ele caminhamos em silêncio. Ensaiei por diversas vezes dizer o que havia se passado comigo na aterradora noite anterior, não obstante, aquietei minha vontade extrema de contar-lhe tudo e omiti os fatos.

Fiz o que havia dito, não queria conversar com ninguém, perguntei a Giórgio se a água da tina havia sido trocada e me encaminhei a um banho. Pedi que levassem algumas frutas em meu quarto, e depois de comer, apaguei. Era como se o feitiço tivesse sugado todas as minhas energias.

Pesadelos horripilantes, foi tudo que consegui com aquele sono. Em alguns, eu sabia que estava sonhando, porém de forma alguma conseguia acordar.

Parecia caminhar em uma floresta maldita, repleta de seres das trevas. Corria desesperada, até que uma voz me chamou. Era doce, suave, encantadora, era minha mãe...

— Agnessa! Agnessa, minha filha!

Meus olhos foram abertos lentamente, a luz da tocha que uma das criadas carregava atrás dela quase cegou-me por um tempo.

— Mãe.

— Todos estão à sua espera para o jantar. Fizemos o seu banquete favorito para comemorar!

— Estou cansada por demasiado, mamãe. Agradeça ao vovô por tudo e diga que amanhã conversamos, mas hoje estou indisposta — falei, ainda deitada.

Ela suspirou decepcionada, revirou os olhos e bateu os pés no chão.

— É uma tremenda desfeita, mas entendo que estejas cansada, afinal a magia da chave tem reações diversas nas pessoas — disse. — Espero que amanhã bem cedo esteja de pé.

— Estarei. Eu prometo. — Tentei forçar um sorriso.

— Boa noite, querida. — Ela se abaixou e despejou um beijo carinhoso em minha testa.

Apesar de uma rainha rígida, sempre nos tratou com muito carinho nestes momentos. Auriviana era a perfeita mistura entre o amor e a arrogância.

Assim que saíram, fechei os olhos, recordei-me dos pesadelos e também da visita terrível da outra noite.

Porém, mais uma vez fui interrompida, desta vez por batidas na porta.

Levantei-me, sem muita disposição, calcei minhas sandálias de bocejo e caminhei até o grande pedaço de madeira. Ao abrir, notei Giórgio parado, olhando para os lados como se temesse a aparição de alguém.

— O que foi, Giórgio? — indaguei confusa, com o cenho franzido.

— Me permites entrar, princesa? — falou, batendo os dedos uns nos outros, com o tronco inclinado para frente.

— Claro — Sacudi a cabeça —, entre! — Afastei um pouco mais a porta.

O senhor então andou cômodo adentro, enquanto eu o observava. Fechei a porta atrás de mim e aproximei-me dele.

— Podes me dizer o que está acontecendo?

— É que eu tenho um recado, alteza.

— Recado? — questionei, tombando um pouco a cabeça para o lado.

— Sim, é daquele rapaz que cuida dos cavalos.

— Ícaro. O que ele mandou me dizer? — quis saber, aflita, mas com um sorriso no rosto.

— Ele disse exatamente assim — Colocou o punho fechado em frente à boca, pigarreou e continuou: — Diga à Agnessa, aliás, insolente esse rapaz, veja o jeito que se referiu à realeza — sussurrou.

— Continue, por favor.

— Ah, sim! Ele disse, diga à Agnessa que a espero ao lado do estábulo, quando o sol ultrapassar o pico da segunda torre.

Eu sorri sem dizer uma palavra sequer.

— Princesa, o que estás tramando com o domador? Não acho prudente que vossa alteza ande por aí feito uma moça do povoado, com os criados.

— Ora, Giórgio! Ícaro é um amigo acima de tudo.

— Então por que ele pediu segredo?

— Sabe como são os meus pais.

— Pois, então, aparentemente ninguém além de nós sabe disto, não é? — perguntou curioso.

— Justamente. Portanto, permaneça calado — disse e pus o dedo indicador sobre os lábios.

— Isso é tão errado e empolgante!

— Giórgio! Não eras tu que há pouco dizia não gostar da ideia?

— Ah, princesa! Não é recomendável, mas tem lá sua dose instigante de aventura — comentou. — Agora, com a tua licença, irei me retirar. Tenho que ajudar no jantar.

— Muito obrigada. — Me aproximei e dei um beijo em sua bochecha.

— Não me agradeça, princesa, se alguém descobrir, iremos todos para a masmorra — salientou.

Eu ri e ele se retirou.

Depois daquela notícia, meus pensamentos desviaram-se um pouco do terror noturno. Ansiava pelo dia seguinte. Ansiava pelo passeio e tudo que ele traria.

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