Capítulo XII: Escondido nas sombras

— Então, princesa... Vossa alteza quer entrar para conversarmos melhor? — Foi irônico.

— Eu preciso ser rápida! — murmurei, com a vela em mãos, aproximando-me mais da grade e olhando para os lados.

Os guardas imóveis nem sequer rolavam as esferas oculares, pareciam mortos de pé.

— Pois bem, diga-me o que precisas, e verei se posso fazer algo. — Remexeu-se, de maneira que a grande túnica que usava mostrasse seus calcanhares.

Pensei por alguns segundos e decidi revelar, por fim, meu anseio.

— Amanhã, meu avô vai comigo à sala da Aura, para que eu tente tocar a chave — sussurrei.

— E...?

— E-eu, pensei que pudesses dar-me algum auxílio, sei do seu poder!

— Hm... — Ele caminhou dentro de sua cela, que era protegida com as magias que Levi praticava. Uma das mãos repousava sobre sua cintura, e com a outra acariciava a barba fina de seu queixo. — Quer dizer que vossa Alteza quer minha ajuda para enganar seus pais e seu avô, correto?

— Não é enganação, só quero poder tocar a chave sem causar algum dano irreversível ao reino — retorqui.

— Mas tu sabes que não é possível interferir na magia da chave, não sabe?

— Sei, mas pensei que poderia fazer algo — Fiz uma pausa e respirei antes de dizer tal coisa profana em meu castelo —, com a magia proibida.

— Estarias disposta? — Semicerrou os olhos, contorcendo os lábios.

— Para satisfazer meus pais, sim. Estou disposta — respondi.

— Então, posso fazer um feitiço ilusório, mas não é garantia que dure por muito tempo.

— Feitiço ilusório?

— Sim, tu tocarás a chave, porém não poderá desfrutar de sua magia. Na verdade, a energia da chave não sentirá sua presença, impossibilitando que a expulse, como sei que ocorreu da última vez.

— Como sabes?

— Já disse, princesa Agnessa. Eu sei de muitas coisas.

Respirei fundo, pressionei os lábios e continuei a conversa:

— Mas e depois? Isso não vai durar muito, e após a coroação eu preciso de algo que tenha longa existência.

— Queres muitas coisas, alteza. Deves ter calma — respondeu, sorrindo de maneira misteriosa.

— Diga! — disse com rispidez, ordenando-o.

— Pois bem, eu posso ajudá-la com a magia para manter o reino em equilíbrio. Mas eu não posso fazer daqui de dentro.

— Como assim? — indaguei com dubiedade. Não sabia ao certo se queria mesmo tal resposta.

— Ora, uma magia dessa magnitude exige recursos. Ingredientes específicos, comprometimento, e um lugar especial, não uma cela imunda e cheia de ratos — falou com asco, abanando as mãos e olhando para o chão.

— Veremos! Se a magia de amanhã funcionar, prometo que lhe tiro daqui para que tu me auxilies com a magia da chave depois da coroação.

— Magia da chave? — Riu. — Princesa, não há como manipular a magia da chave, ela é como o sol, age por si própria, apenas usa a aura do governante como condutor. Deverias saber disso, afinal, que rainha és tu?

Senti-me inferior, mais do que antes. Um mero feiticeiro tinha poder de me deixar daquela forma.

— Então, o que farás acerca disso? Decerto que tem algo em mente.

— Existe um feitiço, é um dos mais poderosos da magia proibida. Todavia, ele exige algumas condições e sacrifícios.

— E o que acontecerá?

— Bom, a magia da chave ficará intacta, sem ninguém para usá-la, já que vossa alteza... — Apontou para mim com desdém — Bem, digamos que não tem a habilidade necessária.

— Continue.

— O feitiço passará a agir de diversas formas, tornando o reino de Erysimun impenetrável, nenhuma doença, espírito das trevas ou ser de origens ocultas poderá adentrar o povoado ou o castelo. Além de manter o clima sempre estável, duas chuvas a cada quinze dias, flores perfeitas e frutos de qualidade exorbitantes! — exclamou com orgulho.

— E isso é possível? — Senti meus dedos queimarem pelo líquido derretido que escorria da vela.

— Claro, minha cara. Porém, como disse, há um preço a ser pago.

— Pelo bem de Erysimun, eu faço o que for preciso. Mas prometa-me uma coisa!

— O que desejas? — questionou.

— Prometa que não vais tentar me matar outra vez!

— Princesa, eu não lhe mataria. Já disse que foi uma demonstração apenas. Sinta-se tranquila. — Colocou as duas mãos nas grades.

— E o que faço agora? — questionei.

Prohibitos autem magicae. Decipit error occurrit temporalis ordinis — murmurou com os olhos fechados e estendeu a mão por entre as barras de aço, queimando seu dedo na vela e passando-o na palma de minha mão. — Amanhã, acenda essa mesma vela, é preciso que a deixe queimar sua pele até que a dor se torne insuportável. Então, estarás pronta para tocar a chave sem que ela afete seu bem-estar, e numa pior hipótese, todo o reino. — Revirou os olhos.

— Vai funcionar? — perguntei com descrença, fazendo uma força enorme para atenuar os temores que assolavam meu peito.

— Tens minha palavra — replicou.

— Eu não sei... Devo lhe agradecer?

— Oh, não! Não é necessário, nos acertamos depois. Quando a coroa repousar sobre seu lindo cabelo. — Passou a mão na ponta dos fios, estendendo mais o braço direito.

Engoli a saliva presente em minha boca e virei-me de costas, para deixar o lugar.

Andava com pressa, tentava manter meu coração impassível, mas era um nervosismo atroz que acompanhava os desígnios de minha alma corroída pelo medo e pela insegurança.

Cada degrau que subia, era como se tivesse a certeza de que sozinha não conseguiria dar conta de tudo aquilo. Desejei que o feitiço funcionasse, e me pus a imaginar, quais seriam os sacrifícios exigidos para o próximo, o que realmente iria me "salvar" do fracasso iminente.

Caminhei até meus aposentos, onde guardaria com sigilo a vela que acenderia no dia seguinte. Ao adentrar o cômodo, paralisei com os olhos esgazeados e o coração palpitando como se fosse dilacerar minha pele e cair ao chão. As cortinas brancas sacodiam e, atrás delas, uma sombra horrenda com um cajado na mão se despunha. Pisquei algumas vezes, lágrimas preencheram meus olhos, eu não consegui correr.

De repente, mãos ásperas despontaram, segurando o pano que balançava contra o vento. Aquela presença caminhava até mim, como se soubesse que eu não podia sair dali. Não conseguia enxergar um rosto, apenas parte do lábio inferior. Sentia um odor infernal que era acompanhado de um grunhido hórrido.

Tentei mover os músculos, mas não conseguia sequer virar o pescoço para o lado.

Estava tão perto, que era como se a morte estivesse ao meu lado. Aqueles dedos acinzentados, com camadas espessas de algo que fazia parecer o casco de um animal, tocaram minha capa. Em seguida, seguiram para o meu rosto, onde uma lágrima escorria. Aquele ser acariciou a gota que cairia e então a levou até sua boca, onde observei um sorriso maligno se formar. Fechei meus olhos e os pressionei com toda a força que podia. Quando os abri, já não existia mais nada lá.

Despejei-me no chão, minhas mãos me sustentavam, mas eu não conseguia parar de chorar. Tapei a boca algumas vezes para que não fosse possível escutar meu pranto do lado de fora. Minha face doía, podia sentir as linhas do meu rosto formigarem enquanto, desesperada, colocava para fora todo o temor que não havia sido expresso quando o ser estava em minha frente.

No momento em que enfim tomei forças para me erguer, fui até a janela, fechei-a, e depois me escondi, atemorizada, sob os lençóis de minha cama, como uma criança amedrontada.

Quem acreditaria em mim? Quem seria capaz de acreditar?

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