Capítulo XI: Proposta
Aproximamo-nos dos cavalos e eu pude perceber que realmente não havia mais nada lá. Engoli a saliva presente em minha língua, ainda sentia o gosto de Ícaro no céu de minha boca. Ele estava assustado com meu surto momentâneo, poderia crer que estava louca se Antero não tivesse a mesma visão que eu, mais cedo.
— Estás bem? — perguntou, com as mãos em minha cintura, pronto para erguer-me e ajudar-me a montar.
Assenti, sacolejando a cabeça. Então montamos e fomos em direção à casa de Venília. Esta, morava sozinha, seus pais haviam morrido de uma doença contagiosa, anos atrás.
Ao avistarmos o lugar, percebemos que estava escuro, então gritamos, até que vi o rosto de meu irmão surgir na janela, com os cabelos desgrenhados.
— Acalmem-se, eu já estou saindo — murmurou.
Esperamos até que saísse. Venília estava junto dele.
— Princesa Agnessa, que satisfação tê-la aqui. Antero disse que viria tomar um chá antes da coroação, estou à sua espera. — A moça de cabelos ruivos falou, meu irmão mantinha a mão esquerda em suas costas.
— Virei, com certeza — respondi com a voz abalada.
— Aconteceu alguma coisa, Ag? — Antero indagou, percebendo minha feição preocupada.
— Não... Na verdade, sim. Mas no caminho eu falo.
— Estás me assustando, Agnessa — disse. — Ícaro, o que houve? — Virou-se então para o domador ao meu lado.
— Acho melhor sua irmã lhe contar, alteza.
— Tudo bem. — Respirou fundo e deu um beijo rápido na moça, em seguida montou em seu cavalo e foi até nós.
— Até breve, Venília. — Me despedi e nós saímos.
No caminho, contei a meu irmão sobre a figura que vi ao lado de Oliviana. Não sei ao certo se acreditou ou não nas minhas palavras, era impossível decifrar o que se passava em sua cabeça. Todavia, preferia dizer, ao invés de guardar aquele temor exorbitante dentro do peito.
Quando chegamos ao castelo, acompanhamos Ícaro até o estábulo, ele deixou os cavalos, exceto o seu, pois iria embora para casa ainda aquele dia.
— Antero, será que podes me dar um minuto com Ícaro, por gentileza? — perguntei, quando ele se preparava para tomar o caminho de casa.
— Tudo bem, não demore. — Meu irmão se retirou e tratou de esperar-me embaixo de uma das árvores que rodeavam o lugar.
— Apesar do que aconteceu quando saímos, eu gostei muito de estar com tua família. Agradeça-os por mim — eu disse e o rapaz segurou minhas mãos.
— Também gostamos muito da tua visita. Eu mais ainda. — Sorriu.
— Não ia comentar sobre isso. — Ri. — Mas eu queria que tu soubesses que foi melhor do que eu imaginava — comentei envergonhada.
— Tua boca parece um doce — falou, deixando-me ainda mais ruborizada. Minhas bochechas queimavam.
— Tenho que ir.
— Será que me permites dar-te um beijo aqui?
Olhei para os lados, certificando-me que ninguém nos espreitava.
— Só se me jurar que será como o primeiro.
— Juro pela minha vida — ele disse, já com as mãos em meu rosto, aproximando-se de mim.
Sua boca era como um pedaço das nuvens, tão suave. Mas também era intensa e quente, como um carinho ousado. Desvencilhamo-nos e eu estava quase sem ar.
— Amanhã nos vemos? — perguntou-me.
— Com toda certeza — respondi.
Ícaro beijou minha testa e eu sorri em resposta, antes de caminhar até o lado de fora do estábulo.
Meu irmão continha na face uma expressão cômica. Entendi tudo no momento em que o vi.
— Ag...
— Calado, Antero!
- Pelo visto ele não é hábil só com cavalos — caçoou.
— Espero que Venília crave uma agulha em teus olhos, meu irmão — repliquei, constrangida.
Já dentro do castelo, Giórgio, que nos esperava logo no salão de entrada, comunicou-nos que nossos pais nos esperavam na sala das reuniões de Erysimun. Não imaginava o porquê de toda aquela seriedade, já que ele só tratava lá, coisas de suma importância com outros reinos, acordos de paz e também de união entre povos. Mesmo assim nós dois, obedientes, fomos ao seu encontro.
Abrimos a grande porta de madeira e nos deparamos com o rei, a rainha e nosso avô Aurio dispostos à grande mesa central. Havia frutas e taças de ouro com água e vinho. O lugar era iluminado por tochas resplandecentes, e o brasão de Erysimun era visto nas paredes e até mesmo no teto.
— Sentem-se — meu pai disse, apontando para uma das cadeiras enormes ao redor do centro, ele tinha pergaminhos em mãos e deu uma golada no vinho depois de ordenar tal ato.
Fizemos o que mandou e esperamos.
— Agnessa, conversamos sobre a sua coroação e... Decidimos que é melhor se preparar, pois ela acontecerá dentro de dez dias.
— Co-como assim, dez dias, papai? E os convidados de outros reinos? E todos os preparativos? — Tentei argumentar.
— Querida. — Minha mãe intrometeu-se na conversa. — Os reis convidados serão de reinos próximos, em três dias conseguimos avisá-los, e eles precisarão do mesmo tempo para chegar aqui. Quanto aos preparativos, já está tudo em ordem, ou esquecestes que nos preparamos para esse acontecimento há anos?
— Mas, pai! E aquele assunto? — inquiri.
— É justamente por isso que lhe chamamos. — Meu avô se pronunciou.
— Ainda não entendi! — Antero disse o que, na verdade, eu queria dizer.
— Teu pai e Tua mãe não conseguiram lhe ajudar a tocar a chave da Aura. Pois bem, eu a ajudarei.
— E como faremos isso, vovô? Sabes que é impossível! — repliquei alterada.
— Não é, eu acredito em ti, Agnessa. Me recuso a aceitar que não consiga tocar na chave da Aura de Erysimun.
— Pois não consigo! E todos aqui neste lugar estão cientes disso.
Meus olhos lacrimejavam, meu rosto estava vermelho dessa vez, mas era de raiva. Aquela pressão sobre mim me deixava com o peito apertado.
Recusava a ideia de tentar novamente pôr a mão naquele objeto sagrado, não obstante, os olhos brilhantes pela confiança de meu avô me fizeram aceitar a proposta incabível.
Sentia-me como se garras me rasgassem por dentro, era uma dor corrosiva e cruel. Meu coração dilacerado não suportava mais aquilo. Acabara de passar por momentos mágicos ao lado de Ícaro, e aquela angústia obliterava o carinho que sentia por tudo e por todos. Era como a mão de um gigante que esmagava os sentimentos bons que habitavam minha alma, e só deixava o lado podre, a tristeza e a decepção.
— Então, Agnessa. Amanhã bem cedo iremos até a sala da Aura, para que tentes o contato com o objeto sagrado.
— Amanhã? — questionei.
— Sim, amanhã — meu pai respondeu em tom de ordem.
— Está bem — disse cabisbaixa. — Era só isso?
— Sim, minha filha, mas eu... — Minha mãe começou a falar, mas eu a interrompi.
— Me perdoem, estou cansada. Quero me deitar, com licença.
Levantei-me e deixei aquela sala. Logo em seguida ouvi passos atrás de mim, era meu irmão. Ele me acompanhou em silêncio até o corredor onde meu quarto se encontrava. Quando enfim chegamos à porta, ele me puxou para um abraço.
— Fique tranquila, está bem? Eu não vou deixar-te sozinha em hipótese alguma.
Não respondi, até porque não havia o que dizer. Apenas lamentar e tentar fazer o melhor possível no dia seguinte.
Meu irmão me deixou e foi para seus aposentos, eu me deitei sozinha sem nem mesmo tirar o vestido que usei para o passeio.
Sentia-me inútil, incapaz... Era uma decepção para meu avô, que acreditava que eu poderia ser uma rainha excepcional, bem, eu não era nem de longe.
Meu travesseiro favorito, dentre todos que ficavam sobre minha cama, estava encharcado com as lágrimas. A dor e o desespero tomaram-me por inteira.
Deitei-me com a face voltada para cima e olhei para a janela em seguida, podia enxergar algumas estrelas exorbitantemente brilhantes. Foi aí que uma coisa passou pela minha cabeça, e de primeiro momento tentei afastar tal pensamento, mas foi inútil.
Já era tarde, sabia que com toda a certeza meus pais já haviam se deitado, e eu poderia executar tal plano, se assim quisesse.
Caminhei até o armário que ficava em meu quarto, lá haviam poucas coisas, mas o mais essencial estava. Pus a capa preta, presente de um nobre de outras terras, acendi uma vela no fogo da luminária que abrilhantava o corredor. Observei cada canto antes de caminhar para longe dos meus aposentos.
Sabia que estava errada em todas as circunstâncias, e meu peito amargurado desejava um alento. Necessitava dar orgulho a meus pais de alguma forma e aquele era o único jeito, eu precisava tentar.
A escadaria ficava mais escura, conforme descia, eu molhava os lábios e coçava o pescoço a cada instante, controlando o nervosismo. Mas então eu tive ciência do que iria fazer, e infelizmente, não me arrependi.
— Ora, ora, princesa Agnessa. Sabia que voltarias a me visitar.
— Eu preciso... Preciso que tu me ajudes Orion — falei com a face bem próxima à grade que nos separava.
— Fique à vontade, alteza. Sou todo ouvidos — respondeu-me com aquele mesmo sorriso sádico nos lábios.
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