Nightmares

Ele estava sentado no banco velho do parque central de Seul. A madeira úmida do sereno na madrugada lhe trazia boas memórias. Seu cigarro não queria acender por causa do vento cortante que bagunçava seus cabelos de um lado para o outro. Seus pés batiam ritmado no chão, o garoto com jeans rasgado e o AllStar velho, finalmente deixou formar um sorriso sacana no canto da boca ao inalar a fumaça do cigarro, agora aceso entre seus dedos irrequietos.

As flores rosas de Sakura caíam sob seus pés, deixando o chão sujo e colorido.

 Ele sempre se sentiria feliz alí, não importa o que. Aquele parque era um lugar que sempre o abrigou, não importava em que casa ele moraria dessa vez.

- Eu sabia que ia te achar aqui. - O garoto sorridente disse quando sentou ao seu lado.

- Seu sorriso me irrita Hoseok. - Ele disse mal humorado como sempre.

- Yoongi. Não me chama assim. - O garoto sorridente pediu fazendo um bico de tristeza no final da frase.

- Achei que era esse seu nome. - Yoongi disse descartando ideia de obedecê-lo.

- O que tá escrevendo dessa vez? - Hoseok perguntou, apontando para o caderno velho com capa de couro que Yoongi tinha nas mãos.

- Não é da sua conta. - O menor disse fechando o caderno e o enrolando para colocar no bolso de dentro da sua jaqueta de couro.

Hoseok  encostou seus cotovelos no encosto do banco, fechando os olhos para sentir o sol em seu rosto, mas logo engasgou com a fumaça do cigarro que Yoongi fumava.

Ele tossiu algumas vezes antes de suspirar desanimado com seu amigo.

- Amanhã você vai conhecer sua nova família. Tá animado? - Hoseok sorriu largo na direção de Yoongi que não mudou em nada sua expressão vazia.

- Se eles querem adotar um adolescente de 17 anos, isso só pode significar que são pervertidos ou adeptos ao trabalho escravo.

- Ou eles são um bom casal que quer ter um filho, mas não um que dê muito trabalho como uma criança daria. - Hoseok disse inseguro de seus próprios argumentos e enrugando a testa confuso, como se tivesse pensando naquilo pela primeira vez.

Yoongi respirou fundo, jogando o cigarro no chão para apagar com a sola do seu tênis, antes de se virar e apertar o ombro tenso do amigo.

- Eih! Você é o único que mantém as esperanças naquele lugar esquecido por Deus. Não perca isso só por causa de um idiota como eu. - Yoongi sorriu, massageando um pouco mais seu amigo e se afastou.

Hoseok e Yoongi se conhecem desde muito novos. Hoseok foi entregue ao instituto de adoção municipal de Seul quando tinha dez anos, seus pais morreram numa correnteza forte que atingiu seu barco no estreito da Coréia, perto da ilha de Sacalina. Todos a bordo morreram a deriva, Hoseok era muito novo para saber exatamente o que seus pais faziam lá, mas ele lembra que ambos eram pesquisadores, então era provavelmente algo relacionado a isso. Pelo menos ele podia dizer que conheceu seus pais.

Yoongi era pior, muito pior. Ele foi deixado na porta do instituto com apenas três dias de vida e quase morreu congelado até encontrarem ele. Aliás, era por isso que agora tinham câmeras nas entradas de todo o prédio.

- Tenta não estragar tudo dessa vez Suga. - Hoseok pediu, usando o apelido que o maior raramente gostava de ser chamado.

Yoongi sorriu largo para Hoseok, parecendo muito novo e fofo. O que provavelmente significava que ele não tinha planos de ser bonzinho, fazendo Hoseok suspirar desanimado em desistência.


O instituto não era o melhor lugar para se viver, mas era definitivamente melhor do que as ruas.

O prédio era velho e as paredes construídas com pedras de granito. O que tornava o lugar tão frio e impessoal quanto parecia ser.

Havia uma ala nova do lado oeste da construção, mas a ala foi dedicada aos recém nascidos e crianças menores, já que o prédio antigo era úmido e nenhum havia aquecedor capaz de esquentar o lugar.

Se você olhasse a construção do lado de fora, você conseguiria distinguir uma parte da outra facilmente, como o lado assombrado do terreno e o lado habitável.

Yoongi já tinha se acostumado com o fato de que tudo que ele vestia ou usava cheirava a musgo, ácaro e destilado, mas isso é porque aquele prédio já foi uma destilaria ilegal nos anos 70, antes do governo tombar o patrimônio e transformar na casa de órfãos que era hoje, então pra ele, fazia total sentido ele cheirar daquela forma. Ele sempre considerou a roupa que você veste  um indício de onde você vive.

Em uma época não muito distante Yoongi, depois de uma extensa pesquisa de território, achou uma sala embaixo do prédio, onde água de córrego passava sob a instalação, rodando Barris e mais Barris de vinho.

Isso fez dele o queridinho entre as senhoras na cozinha, seu passe livre para saída do prédio durante a noite e o mais popular traficante de bebida alcoólica entre os adolescentes da ala.

Yoongi prometeu passar a localização para Hoseok quando partisse e também sua lista de funcionários corruptos, mas esperava o momento certo para isso, ele ainda estava treinando seu melhor amigo, o levando em algumas entregas e lhe mostrando possíveis rotas de fuga caso fosse pego. A localização das bebidas ficariam por último.

Suga terminou seu purê aguado com vontade, lambendo a colher para não deixar nada no prato enquanto os outros garotos da mesa o olhavam estranho.

A comida era horrível para quem já teve outra opção, mas para Yoongi, era basicamente a única comida que ele já teve acesso. Dinheiro sempre foi um problema para ele. As bebidas lhe forneciam o escambo necessário de roupas e materiais necessários para sobrevivência, mas raramente dinheiro. Quando Yoongi ganhava dinheiro no entanto, ele guardava cada centavo, na esperança de um dia fugir daquele lugar esquecido por Deus.

- Você acha que eles são ricos? - Hoseok perguntou esfregando uma mão na outra diante da lareira no quarto que ele dividia com Yoongi.

- Quem? - Yoongi perguntou enquanto tirava o tênis para dormir.

O quarto deles era o único em que ninguém queria ficar. Porque tinham muitas aranhas e era úmido como o inferno, mas Yoongi conseguiu barganhar a reforma de uma lareira antiga que ninguém sabia que existia, que graças a busca por um esconderijo para seu precioso dinheiro, Yoongi achou não muito tempo antes do começo do inverno passado.

- Seus pais adotivos. Quem mais seria? - Hoseok perguntou mal humorado enquanto pendurava suas meias no prego em cima da lareira para secar.

- Sei lá. Eu não me importo. - Yoongi virou na cama, fingindo dormir.

Ele não queria conversar sobre isso, porque era algo que lhe deixava nervoso também, mas a ideia de que Hoseok ficaria para trás era ainda pior.

- Eu vou ficar bem. - Foi a última coisa que seu amigo disse antes de cair no sono.

Era exatamente por isso que Hoseok era seu único amigo ali. Foi o único capaz de adivinhar exatamente tudo que ele pensava e mesmo assim, nunca usou essa vantagem contra ele.


O carro chegou para buscar Yoongi, por volta do meio dia.

Yoongi já tinha mostrado a localização das bebidas para Hoseok e por algum motivo que ele não sabia explicar, ele também deixou metade de todo o seu dinheiro acumulado.

Hoseok chorou feito um bebê chorão, fazendo Yoongi amaldiçoá-lo o resto do caminho em que também chorou, por medo do desconhecido e saudade do único amigo que teve.

- O senhor quer que eu ligue o aquecedor? - O motorista perguntou para Yoongi que tremia com seu choro, agora sem lágrimas.

Yoongi negou com a cabeça e tirou o caderno da jaqueta, soltando na tinta o que ele jamais seria capaz de dizer em voz alta.


Ele sentiu seu corpo perder seu peso característico, afundando em uma escuridão desconhecida, porém palpável como agia em um oceano inabitado.

Yoongi soube imediatamente que estava sonhando, pois já tinha tido aquele sonho um milhão de vezes.

Seu corpo flutuou na direção da luz, ele lutou com todas as suas forças como sempre fazia, lutou para que a claridade não o tragasse. Nunca alcançar a luz era seu único objeto consciente e então, igual a todas as outras vezes, Yoongi acordou, suando frio e sem ar, ainda sentindo a força com que aquele poder invisível o puxava para a maldita luz.

...

- O senhor está bem? - O motorista perguntou alarmado, o olhando pelo retrovisor depois de parar o carro numa imensa entrada florida pelas mais diversas flores, com caminhos de pedras coloridas em direção a uma mansão de arquitetura antiga e clássica.

- Só um sono agitado. Obrigado. - Yoongi respondeu saindo do carro, ainda com a boca aberta na direção da mansão.

O motorista não deixou Yoongi carregar sua mala pequena, mas ele foi resoluto sobre a mochila que segurava, apertando a alça em seu ombro.

- Essa é a instalação que o pequeno Kim mandou colocá-lo, mas prometo que vou ver sobre isso com a Sra. Kim assim que ela chegar.

Yoongi entrou no quarto olhando tudo ao redor. Tinha uma cama de casal em frente e até um banheiro na lateral, sem contar que ficava perto do que parecia ser uma despensa e principalmente perto da saída dos fundos.

- Eles não estão em casa? - Yoongi perguntou confuso, já que seus pais adotivos não o recepcionaram ou algo do tipo.

- O Sr. Kim está numa reunião de negócios no Japão e a Sra. Kim saiu cedo para fazer compras, elas queria voltar antes que o Sr. Chegasse, mas parece que não conseguiu. - A empregada sorriu tímida fazendo Yoongi fazer o mesmo, ela era incrivelmente fofa e nova também.

- Qual o problema desse quarto? - Yoongi perguntou deitando na cama para testar o colchão ridiculamente confortável.

Uma enxaqueca ameaçando surgir em suas têmporas.

- É quarto dos empregados Sr. - A garota sussurrou indignada.

Yoongi sorriu ainda mais largo, mostrando as gengivas e transformando sua expressão na de alguém mais doce e gentil.

A garota suspirou encantada, mas soltou um soluço assim que notou alguém encostado na porta do quarto.

- Pequeno Kim. Desculpa, não te vi aí. - A menina disse fazendo referência exagerada para o garoto de aparência fechada.

Yoongi sentou na cama, encarando o novo indivíduo em seu quarto.

O garoto era deslumbrante, tinha os cabelos pintados de cinza, o rosto impecável, um brinco de argolas pendurado em uma das orelhas e a roupa colorida, colada em seu corpo magro e alto.

Yoongi mordeu o canto inferior dos lábios, admirado com tanta beleza e delicadeza. Ele nunca viu um garoto assim antes, ele era tão lindo, delicado e … limpo.

O garoto finalmente pareceu desconcertado com os olhares descarados de Yoongi e trocou o peso dos seus pés, tossindo sem graça na sua direção.

- Eu vou voltar para os meus afazeres. Se precisar de algo é só me chamar. - A empregada disse saindo dali às pressas, sem ao menos falar o seu nome.

O clima ficou ainda mais desconfortável antes do garoto entrar no quarto com passos elegante e fluido.

- Minha mãe pediu para eu te dar boas vindas e te entregar isso. - O garoto falou a contragosto, jogando uma caixa de celular na nova cama de Yoongi.

Yoongi olhou em choque para o objeto em sua cama, franzindo a sobrancelha assim que chegou a conclusão de que o garoto, talvez um pouco mais novo que ele, era filho dos seus pais adotivos.

Se aquele garoto era filho dos seus novos pais adotivos. Por quê precisavam dele?

- Estranho né?! - O garoto disse com um sorriso cruel se abrindo no canto da sua boca delicada.

- O que ? - Yoongi perguntou com a voz rouca e distraída.

- Meus pais quererem você. - O garoto disse dando de ombros.

Uma pessoa comum acharia aquele garoto grosso e indelicado, já Yoongi se fosse o comparar com os garotos que moravam no instituto, consideraria o maior um tanto quanto inofensivo.

- Sim. Muito estranho. - Yoongi resmungou sentindo sua primeira pontada de enxaqueca depois do seu último sonho.

O que era algo já esperado em todas as vezes que acordava daquele pesadelo estranho. Aquilo sempre o afetou fisicamente. 

- Minha mãe diz que você tem algo especial dentro de você e que ela precisa disso. - O garoto se aproximou de Yoongi, como se pudesse vê-lo por dentro. - Não consigo ver o mesmo no entanto.

Yoongi se afastou da aproximação desnecessária, fazendo o garoto rir alto e divertido.

- Gatinho arisco.

Yoongi enrugou a testa com o apelido pronto para mandá-lo embora, mas ele fez isso antes que Yoongi precisasse abrir a boca.

- Meu nome é Taehyung, Aliás. - Taehyung disse da porta.


Depois que Yoongi tomou um banho e um punhado de aspirina, ele finalmente abriu sua caixa de celular, dando de cara com um iPhone que ele precisou de horas para aprender a mexer. Não que ele estivesse reclamando.

- Aih! Meu Deus, você precisa me perdoar. - Uma mulher entrou às pressas, parecendo desesperada e ansiosa.

Yoongi a reconheceu imediatamente. Era a Sra. Kim. A mulher que foi até o instituto adotá-lo.

Yoongi sorriu ao se levantar da cama, a tempo da mulher agarrá-lo em um abraço apertado e levemente desconfortável.

- Você deve estar exausto. - A mulher disse amorosa, passando a mão delicada com suas unhas feitas, pelo rosto do garoto.

Yoongi sentiu um calor em seu peito com o gesto carinhoso e foi exatamente por isso que se afastou, deixando a mulher um pouco desconfortável e levemente chateada.

- Eu vou deixar você descansar, mas antes… Jorge. Cadê você. Jorge. - A mulher gritava, fazendo um homem baixo, com o terno engomado e sob medida, entrar no quarto carregando dezenas de sacolas.

- Não me odeie. - A Sra. Kim disse fazendo Yoongi enrugar a testa, confuso.

- Eu comprei algumas roupas pra você e coisas que você talvez precise, mas eu juro que não estou te chamando de sujo ou me metendo no seu estilo.

Estilo? Yoongi não tinha estilo, ele vestia o que servisse nele. Que no caso se resumia em três pares de calça jeans, já rasgadas nos joelhos e uma jaqueta de couro velha, às vezes acompanhada por um moletom que  ganhou de Hoseok quando ele fez quinze anos. Ele lembra que Hoseok tinha comprado a maior que tinha, alegando que assim ele poderia usar por bem mais tempo.

Ainda parecia bem grande em seu corpo pequeno.

- Obrigado. - Yoongi falou olhando confuso para aquele monte de sacolas enquanto a mulher tagarelava ao seu lado.

- Eu não quero que se alarme, mas você vai encontrar um terno aí no meio. É para a festa de boas vindas que vamos dar a você esse fim de semana.

Yoongi arregalou os olhos. Só tinha uma coisa que que ele odiava mais do que pessoas e era ter que interagir com elas.

- A Sra. não precisa fazer isso. - Yoongi disse, talvez um pouco rápido e afobado demais.

- Não é sacrifício nenhum e assim você vai poder conhecer as outras crianças da sua idade.

Espera? Criança? Quantos anos ela acha que eu tenho?!

- Minha mãe adora dar festas, se você não fosse o motivo, tenho certeza que ela arrumaria outro. - Taehyung disse aparecendo na porta.

- Tae. O que eu falei sobre andar na pontas dos pés? - Sra. Kim perguntou indignada enquanto colocava uma mão em seu peito, um tanto quanto dramaticamente, na opinião de Yoongi.

O garoto realmente parecia caminhar sobre dois pares de nuvens, ele era delicado até nisso.

Taehyung sorriu de um jeito fofo, fazendo sua boca se transformar em algo retangular e infantil.

- Aliás. Por que colocaram Yoongi aqui embaixo? - A mulher perguntou indignada e parecendo realmente brava dessa vez.

Taehyung se empertigou quase que imperceptivelmente antes de falar.

- Yoongi escolheu Omma. - Taehyung disse na defensiva enquanto olhava ameaçador para Yoongi por trás de sua mãe.

- É verdade criança? - Sra. Kim perguntou encarando Yoongi.

Yoongi deu de ombros.

- Gostei daqui. - Ele disse sem negar ou confirmar as falsas alegações de Taehyung que pareceu insatisfeito com a resposta.

- Bom! Eu acho que não tem problemas se quiser ficar aqui. Porém se mudar de ideia, temos muitos quartos no andar de cima, tenho certeza que você vai acabar gostando de um.

- Obrigado. - Yoongi sorriu grato para a mulher simpática.

- Taehyung já te mostrou a casa?

- Já sim. - Taehyung falou sorridente.

Yoongi não negou, simplesmente porque não queria um tour de qualquer forma. 

- Ótimo. Então acho que nos vemos no jantar. Começa às 20h . - Sra. Kim acariciou mais uma vez o rosto de Yoongi. - Ah! E experimente suas roupas. - A mulher com cabelos brilhantes e o rosto lindo disse, indo embora e levanto Taehyung com ela.

Yoongi riu baixo, pensando se Taehyung ficou esperando a mulher chegar sentado na escada, pelo jeito que veio correndo se salvar de sua péssima hospitalidade. Se o garoto ao menos conhecesse Yoongi, veria que o menor geralmente tá pouco se fodendo para etiquetas e interações sociais.


- E então?! O que achou da sua ave Yoongi?

Yoongi olhou confuso para o frango no seu prato.

- Nunca comi algo tão bom na minha vida. - ele resmungou sincero enquanto comia desacreditado no gosto da comida.

- Oh! Tzuyu vai amar saber disso. - Sra. Kim disse feliz.

Taehyung bufou revirando a comida do seu prato sem vontade.

A comida era realmente incrível, nem em épocas festivas eles comeu algo tão saboroso, o que fez ele finalmente entender porquê os meninos o olhavam estranho quando ele comia a comida aguada do instituto como se não houvesse amanhã.

Yoongi soluçou por engolir com tanta pressa.

- Traga um copo d'água, por favor. - Sra. Kim pediu para uma garota parada a espera de ordens no canto da sala de jantar.

- Você não precisa comer com tanta pressa. Pode furtar as sobras da geladeira quando quiser. - Taehyung disse de um jeito fofo e carinhoso que parecia honesto, mesmo que Yoongi duvidasse que fosse.

- Kim Taehyung. Não seja rude. - Sra. Kim pediu chateada.

- Obrigado. - Yoongi agradeceu tomando seu copo de água.

Sra. Kim acenou sorridente para os dois, mas parecia ainda um pouco chateada com o filho.

- Com licença. Preciso ir, tenho compromisso - Taehyung disse de repente, prestes a se levantar.

- Onde você vai a essa hora?

- A uma festa Omma.

- Nem pensar. - Sra. Kim disse determinada.

Taehyung sorriu daquele jeito perverso dele.

- Ok. - Ele respondeu simplesmente, se retirando da mesa do jantar sem mais explicações.

Nós ainda estávamos olhando confusos na direção da escada em arco que dava no andar superior, quando a sobremesa foi servida.

- Falando em sair. Vou mandar Jorge entregar o cartão de crédito no seu quarto amanhã de manhã e você pode pedir para Jin-Ho te levar aonde quiser.

- Jin-Ho? - Yoongi perguntou confuso.

- O motorista. A não ser que queira um carro, tenho certeza que Taehyung te emprestaria um dele até você comprar…

- Eu não sei dirigir. - Yoongi disse simplesmente. Achando tudo aquilo um tanto quanto absurdo.

- Se quiser pode começar uma aula então.

Yoongi concordou pensativo.


Na manhã seguinte Yoongi prometeu que não usaria o cartão da Sra. Kim por nada nesse mundo, mas meia hora depois dele chegar em sua porta do quarto, a primeira coisa que pensou foi em Hoseok e em como gostaria de falar com ele. Então, depois de um demorado café da manhã com a Sra. Kim, Yoongi pediu para o tal do Jin-Ho o levar no shopping mais próximo e depois de volta para o centro de Seul, na praça onde sabia que Hoseok estaria.

- Você parece feliz demais para quem acabou de perder um amigo. - Yoongi disse tapando o sol com seu corpo, o que facilitou para que Hoseok o olhasse com atenção.

- Você parece um gangster. - Hoseok disse olhando Yoongi dos pés a cabeça.

Yoongi vestia suas roupas novas, que era basicamente uma calça jeans branca, uma camiseta preta que ia até quase os joelhos, sua jaqueta de sempre e um boné branco.

- Sra. Kim deve ter imaginado que esse era meu “estilo” depois que viu o moletom enorme que você me deu. - Yoongi disse dando de.ombros.

- Até que combina com você. - Hoseok falou debochado levando um soco no ombro.

Yoongi entregou uma sacola para o mais novo, assim que ele parou de rir.

- O ano novo chegou antes? - Hoseok perguntou abrindo a sacola ansioso.

- Que porra é essa.

- Um celular. Nunca viu?

Hoseok olhava indignado de Yoongi para o aparelho sem parar, até que Yoongi resolveu tomar o aparelho da mão do garoto enquanto revirava o olho.

- Se não quiser…

- Eu quero sim. - Hoseok disse pegando o aparelho de volta. - É só que... É muito caro.

Yoongi deu de ombros.

- Aparentemente a família é rica afinal.

- E são pervertidos? - Hoseok perguntou parecendo assustado.

- O filho deles parece ser.

- Filho? - Hoseok perguntou confuso.

- Também achei estranho. - Os dois ficaram em silêncio, pensando nas milhares de perguntas que aquilo trazia.

- Hope. Se quiser fugir daqui você pode ficar comigo, meu quarto fica longe de qualquer lugar da casa e ninguém entra lá. - Yoongi falou de um jeito carinhoso que raramente usava com o amigo.

Hoseok precisou de uns minutos para se recuperar do choque, mas o fez assim que possível.

- Não precisa se preocupar comigo. Eu tô bem.

Yoongi concordou com a cabeça sem olhar para o garoto.

- E os pesadelos? - Hoseok perguntou depois de um tempo.

Eles tinham uma teoria de que o instituto era assombrado ou coisa assim e por isso Yoongi tinha aqueles pesadelos agonizantes e ele era o único afetado porque era o mais velho no lugar.

- Continuam. - Yoongi respondeu cansado, lembrando da noite mal dormida em que ele precisou mais uma vez lutar contra aquela força assustadora o empurrando na direção da luz.

Mas aparentemente a teoria de Hoseok tinha ido para o buraco, já que Yoongi saiu do lugar e ainda assim tinha pesadelos.

- O instituto é só um prédio velho afinal. - Hoseok disse rindo, por dentro aliviado.

Uma coisa era falar de assombrações com Yoongi no quarto, outra bem diferente era lembrar delas quando se está sozinho naquela ala esquecida por Deus.

- Provavelmente sim. Não precisa mais molhar a cama. - Yoongi falou levando um soco no ombro e tendo seu boné novo roubado em resposta.

- Você já teve curiosidade… você sabe… com o que tem depois da luz?

Yoongi riu sarcástico na direção do mais novo.

- A instrução é sempre nunca ir em direção a luz, não é? - Yoongi riu mais um pouco da cara séria e assustada de Hoseok.

Os dois ficaram mais um tempo num silêncio confortável em que ambos sentiam falta.

- Enfim. - Yoongi levantou do banco. - Meu número tá salvo no celular, agora quando precisar de mim, vai ter como me dizer. - Yoongi chutou os pés cruzados de Hoseok como despedida e foi embora, sentindo mais que nunca, vontade de ficar.


Quando Yoongi chegou em sua nova casa, não encontrou ninguém além dos funcionários.

Ele ainda não entendia direito sua função naquele lugar ainda, mas parecia que todos os membros daquela família eram pessoas muito ocupadas.

Sua cabeça tinha voltado a doer. Ele dormiu muito mal na noite anterior, não que isso fosse novidade, mas ainda assim não tinha acostumado com todas aquelas novas situações em sua vida enquanto estava acordado.

- Oh! Sr. Yoongi, eu sou Jorge, se precisar de mim, basta chamar. - Um homem na casa dos 30 disse animado o encarando dos pés a cabeça.

- Pode me chamar de Yoongi. - ele disse olhando para seu quarto em busca de respostas do porquê o cara estava ali.

- Desculpa invadir sua privacidade, eu estava garantindo que o frigobar fosse instalado adequadamente.

- Frigobar? - Yoongi perguntou confuso.

- Todos os quartos de hóspedes têm. - O homem falou sorrindo um pouco sem graça.

Yoongi confirmou ainda olhando o objeto no canto do quarto.

- Se não precisar mais de mim…

- Obrigado. - Yoongi o cortou, por incrível que pareça, tentando ser educado.

O homem falou mais umas palavras e saiu às pressas ao se sentir intruso.

Yoongi jogou a cabeça no travesseiro, tapando os olhos com o antebraço enquanto resmungava pela dor. Ele sabia que seria difícil dormir com a cabeça dando pontadas, mas a dor era tão grande que ele desistiu de buscar mais aspirina na prateleira do banheiro, só pelo sacrifício que seria andar até lá.

Seus olhos se abriram para uma imensidão negra e densa, suas pálpebras batiam lentamente à medida que seus braços se agitavam tentando lutar contra a letargia do seu corpo. Ele queria só relaxar e agradecer por sua cabeça não doer mais, porém a luz apareceu novamente, não muito distante de onde estava.

Seu corpo lutou com todas as forças contra uma correnteza imaginária que o empurrava para aquela direção.

Yoongi sempre conseguiu vencer aquela força invisível contra sua mente, mas algo estava mudado, estava mais forte e menos controlável, talvez fosse seu cansaço físico e suas dores de cabeça.

Suga bateu seus braços e pernas o máximo que pôde, mas já era tarde demais, a luz o havia engolido por completo e agora tudo era claro demais se comparado com a escuridão tão familiar de onde estava antes.

- Eih! Você está bem? - Uma voz aguda, porém delicada sussurrou perto de onde ele havia caído.

Suga se arrastou no chão, tentando ficar o mais longe possível daquela voz.

Seus olhos se abriram lentamente, conforme  o silêncio dominava seus pensamentos.

Quando sua visão voltou por completo, tudo pareceu ainda mais confuso.

Ele estava num sonho, porém o fato de saber disso era estranho e o fato de tomar ação dentro daquela ilusão era ainda mais insano, mas seus pensamentos confusos teriam que ficar pra mais tarde, pois tinha um pequeno anjinho a sua frente.

Era um garoto, vestido com uma calça branca e uma camiseta da mesma cor. Eram roupas velhas e enormes para o seu corpo minúsculo.

Ele tinha suas mãos cruzadas atrás das costas e balançava ligeiramente em aparente expectativa.

Seu sorriso era contido, mas seus olhos quase fechavam com sua bochecha vermelha e saltada ao perceber que Yoongi o analisava. 

- Oi. -  O menino levantou uma das mãos o cumprimentando e voltou a girar ligeiramente seu corpo.

Ele era lindo. Como um anjo deveria ser.

- Onde estou? - Sua voz saiu rouca e grave, assustando um pouco o anjinho.

Yoongi tossiu mordendo a boca com medo de dizer algo e o anjinho desaparecer. Ele nem sabia porque o queria tanto, ele estava fascinado, era tudo que podia dizer.

- Desculpa. Não quis te assustar. - Yoongi disse baixo, mas franziu a testa enquanto falava.

Que diabos?

Ele quem deveria estar assustado, afinal a aparição não era ele. Certo?!  

- Tá tudo bem. - O menino disse negando com suas mãozinhas pequenas enquanto mechas loiras caíam sobre seus olhos sorridentes. - Você está nos meus sonhos?! Eu acho. - O anjinho disse coçando a nuca, parecendo confuso.

Yoongi olhou ao redor, agora um pouco mais calmo, apesar de ainda tenso.

Não havia nada ali, era uma imensidão branca e infinita, com pilares da mesma cor vez ou outra.

- Seu sonho é um pouco assustador, se me permite dizer. - Yoongi disse um pouco tímido fazendo o garoto sorrir ainda mais largo.

- É a parte mais bonita do que eu conheço como realidade. Essa cor é incrível, você não acha? - O anjinho agachou sobre seus pés apontando para o chão entre eles.

- Hmmm… Branco? -  Suga perguntou confuso, olhando para o dedinho do pequeno anjo apontando o vazio.

Ele confirmou com a cabeça enquanto sorria ainda mais largo.

Yoongi confirmou, mas não estava interessado nas cores, já que o pequeno ser se aproximava dele ainda agachado, andando de forma engraçada, parecida com um pinguim filhote.

- Qual sua cor favorita? - O pequeno anjo lhe perguntou curioso, com seus lábios cheios e brilhantes abertos ligeiramente em confusão e curiosidade.

- Eu acho que branco também. - Yoongi disse confuso.

- Você tá mentindo? - O anjinho perguntou ficando a centímetros de distância do rosto de Yoongi.

Os dois respiravam acelerados, misturando suas respirações de forma íntima e confusa.

Yoongi se afastou um pouco, mas o garoto não pareceu ofendido com o gesto.

- Sua cor preferida não pode ser a mesma que a minha, isso é muito entediante. - O anjinho disse, parecendo pela primeira vez chateado.

Que tipo de sonho era esse?

Yoongi olhou para os lados mais uma vez, em busca de alguma explicação para sua mente o ter colocado alí.

Nada.

Seus olhos encontraram com os do anjo que agora pareciam quase que completamente negros.

Era assustador.

- Qual seu nome? - ele perguntou inclinando a cabeça de um jeito lento, analítico e amedrontador.

- Yoongi. - Ele disse assustado e um pouco arrependido por ter chateado o anjo.

- Jimin. - O garoto esticou sua mão pequena e delicada na direção de Yoongi.

Yoongi estava prestes a recusar tocar no anjo, mas ele o fez assim que percebeu que o garoto estava se chateando de novo.

Um choque passou entre eles fazendo Yoongi largar suas mãos com violência.

- Desculpa. - Yoongi disse confuso, aquilo parecia real demais. Ele só queria ir embora.

- Você não quer mais ficar comigo. - O garoto disse magoado.

- Não. Não. Eu quero… - Yoongi suspirou pesado, tentando perder o medo inexplicável que estava o tomando. - Eu só não consigo pensar direito com toda essa imensidão branca.     O garoto Jimin olhou a sua volta com tudo, como se não entendesse o que Yoongi queria dizer, mas sorriu largo ao ter uma ideia.

- Talvez eu possa entrar numa memória sua. - Jimin disse dando pulinhos.

- O que ? - Yoongi estava realmente apavorado agora.

- Não machuca. - Jimin disse às pressas ao notar os olhos apavorados de Yoongi.

- Eu acho que eu quero ir embora. - Yoongi respondeu realmente assustado.

- Não. - O pequeno ser se aproximou dele e agachou mais uma vez. - Fica, só mais um pouquinho. - ele disse tocando seus dedinhos em seus pés descalços.

Yoongi olhou para aquele ser estranho, confuso e lindo com um nome incrivelmente comum.

- Você existe? - Yoongi perguntou tocando em uma mecha solta dos cabelos loiros do pequeno, ignorando completamente a onda de choque dessa vez.

- No mesmo mundo que o seu. - Jimin disse sorridente, feliz por saber aquela resposta.

- Não consigo imaginar.

- Que eu exista? - O pequeno perguntou um pouco chateado.

- Que você exista num mundo como o meu. - Yoongi respondeu passando a ponta dos dedos nas bochechas, agora incrivelmente rosadas, de Jimin.


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