East Side

Yoongi estava encarando a floresta turva na saída do túnel em que ele entrou há quase uma hora. Seu peito subia e descia e suor escorria por suas têmporas deixando seus cabelos grudados na testa.

- Só posso te levar até aqui. - Jin falou enquanto  encarava o prédio mal iluminado não muito  longe de onde eles estavam em algum lugar ao norte da Coréia.

 Yoongi  desviou o olhar da floresta para encarar o outro nos olhos.

- Tem certeza que esse cara pode me ajudar a encontrar o Jimin?

- Essa é sua melhor opção, disso eu tenho certeza.

 Seu coração  batia acelerado e ele sabia que algo estava errado em toda aquela situação, mas ele realmente  não  tinha outra opção e algo lhe dizia que Jimin estava em perigo, o que significava que ele também não  tinha muito tempo .

- Essa rota… - ele tentou insistir ainda inseguro.

- É sua melhor opção de entrar sem ser notado.

 Sem falar muito com o Jin, sua próxima atitude foi seguir em frente, mesmo que todo seu corpo rejeitasse firmemente suas ações furtivas.

 Seus olhos sofreram uma cegueira momentânea até  que se acostumassem com a escuridão do enorme terreno vazio atrás do prédio de tijolos aparentemente  abandonado.

 Yoongi olhou para cima, notando um som ruidoso e seus olhos foram imediatamente  para a cerca logo a frente, que apesar de nenhum aviso à vista estava claramente conectada a alguma corrente elétrica.

 Parecia um prédio abandonado de tijolos de alguma fábrica antiga que foi fechada, mas se você olhasse atentamente notaria falhas na aparência de abandono, como a cerca elétrica aparentemente  nova e bem conservada ou a grama aparada e tratada em alguns pontos.

 Seokjin obviamente não estava falando sério quando disse que ele conseguiria entrar naquele lugar sem ser visto, mas era tarde demais pra voltar atrás, até porque…

 Holofotes de várias direções refletindo uma luz cegante iluminaram seu rosto  enquanto pessoas vestidas em uniformes militares se aproximavam de todos os cantos, armados até  os dentes e com seus passos sincronizados  fazendo um "tac tac" rítmico e abafado com seus coturnos na grama úmida de orvalho.

 Ele pensou em dizer algo, além da óbvia  mão  levantada em rendição, mas um helicóptero começou a sobrevoar perto do local, jogando terra e grama para tudo que é lado enquanto mais luz cegante apontava na sua direção.

 Alguém  começou a falar numa espécie de amplificador sonoro de dentro do helicóptero, mas não é como se ele conseguisse entender qualquer coisa.

 Sua calma era profundamente  horripilante até  pra ele e isso deve ter transparecido para os soldados ansiosos que o rodeava. Eles frequentemente  ficavam se olhando sem saber muito o que fazer, observando cada movimento seu, enquanto decidiam o perigo que Yoongi  representava.

 Ninguém nunca se atreveu a "invadir" uma sede da Kim.Co aparentemente, pelo menos não sozinho e sem armas, então o pensamento geral era que ou aquele garoto era muito burro ou muito poderoso. E a segunda opção não seria descartada até que tivessem um motivo para tal.

 Yoongi  notou que o humor geral era tenso conforme os segundos passavam, então ele decidiu se ajoelhar e colocar suas mãos na cabeça. Correr era inútil e apesar do fato de que ele tecnicamente não podia morrer, não queria arriscar acordar em alguma vala comunitária enterrado a 7 palmos do chão. 

 Ele ainda precisava achar Jimin afinal. 

 O processo seguinte não foi lá essas coisas. Yoongi  levou uma coronhada na cabeça  com a base da arma de um dos soldados e tudo ficou silencioso e sem cor. Não é como se ele quisesse admitir tão rapidamente, mas ele era definitivamente um prisioneiro e já dava pra concluir  que Seokjin havia armado pra ele à esse ponto.

 [ 1 mês depois]

 A comida daquele lugar era insossa, sua cela era minúscula e cheirava a bolor, o que era irônico porque todo resto do prédio tinha aquele ar asséptico e cheirava como tal.

 Yoongi perdeu a conta de quantas vezes ele morreu naquele lugar. Ele sofreu uma espécie de interrogatório no primeiro dia, mas ele não disse nada além de "preciso encontrar Jimin", então  alguém resolveu atirar na sua cabeça pra encerrar o assunto. Quando descobriram que ele não podia morrer, apesar de nenhum teste detectá-lo como um Elemental, foi inevitável servir de cobaia  para todos aqueles cientistas do andar superior.

 Ele queria odiá-los, mas a desculpa em forma de explicação  sobre curar câncer e regenerar células prometendo um futuro melhor e próspero  para a humanidade era muito boa, apesar de não servir por muito tempo pra justificar  seus atos aleatórios em busca de respostas sem perguntas.

 Algumas pessoas apareceram  para lhe dizer sobre a renúncia de seus direitos como ser humano em troca de servir o bem maior e então o forçaram a assinar alguns papéis nos quais ele não teve a oportunidade de ler, seu status de órfão  antes da adoção pela dona do lugar também ajudaram bastante para que ninguém sentisse sua falta e começasse a fazer perguntas que ninguém  queria ouvir.

 Seu corpo estava cansado e suas várias viagens ao limbo deixava as almas perdidas desesperadas.

 "Almas perdidas" foi o nome que ele deu para todos aqueles espíritos na margem do rio esperando pelo viajante para levá-los ao seu último destino.

 A Senhora Kim, sua mãe adotiva, não apareceu para vê-lo. Yoongi  gostava de pensar que talvez ela não soubesse sobre isso, mas era tão improvável  que ele acabava  descartando o pensamento  sem querer chegar na óbvia conclusão.

 Ela sabia.

 Taehyung também  não apareceu, mas era melhor assim.

 Quanto a encontrar Jimin, suas esperanças eram rasas e seu humor piorava a cada dia.

 Um apito alto soou no seu ouvido esquerdo e Yoongi  abriu os olhos, ele quase podia sentir a água negra por seu corpo e o cheiro de lodo e morte que o limbo emanava sutilmente, porém  nada disso era visível, o que significa que sua mente estava se perdendo entre os dois mundos, atrasando sua percepção à ponto de ser notado.

 Às vezes quando ele morria na mesa de experimento, a dor o seguia até o limbo por um tempo e quando ele voltava à vida, o cheiro de morte ainda era perceptível em seu corpo dormente.

- Ele voltou. Monitore as ondas cerebrais nesse meio tempo. Eu preciso ver se já saiu o resultado da última biópsia  que fizemos do tecido ocular do experimento 237. - a pesquisadora disse para o auxiliar  atrás da mesa de testes.

 237. Esse era o ele daquele lugar.

 Yoongi  tinha fios conectados por todo seu corpo, mas ele não estava apavorado. Já tinha um tempo que ele não se apavorava mais.

- Sim, doutora. - o auxiliar atrás dele disse baixo, causando arrepios por toda sua coluna dorsal.

 O auxiliar  de hoje era diferente. Era ele, era  Jungkook.

 Yoongi  se perguntou quando foi que esqueceu sobre seu amigo de curto tempo?!

 Agora ele nem sabia mais o que pensar. Não estava feliz, nem triste. Sua frustração corroía qualquer outro sentimento tão superficial quanto aqueles dois.

 O silêncio na sala, depois que a Pesquisadora saiu foi mortal, sem trocadilhos. Ninguém queria começar  a conversa inevitável.

- Ta fazendo o que aqui? - A voz do Yoongi saiu rouca e falha, já que ele não falava há um mês. Até seus gritos pararam depois de um tempo.

- Vim te dar um recado do Jin. Só consegui transferência para essa sede na semana passada e foi difícil  te encontrar, o nível de segurança ao seu redor está aumentando, acho que eles descobriram algo com os experimentos.

 Yoongi riu seco, seria estranho se não tivessem descoberto.

- Qual é o recado?

 Jungkook rodeou a mesa onde Yoongi  era mantido amarrado e abaixou a cabeça.

 Vergonha e arrependimento  transbordavam do seu rosto e seus olhos pareciam duas enormes bolas de gudes  brilhantes. Ele parecia um filhotinho que está  com medo de levar bronca ou ser chutado.

 Yoongi  estava honestamente  pouco se fodendo para todos os porquês por trás daquele olhar. Afinal todo mundo  tinha um motivo justificável  para suas ações. Isso não significava que estavam certos ou errados. No entanto, ele realmente precisou se segurar para não se sentir feliz ao ver um rosto conhecido, apesar de não ser um que ele particularmente  gostaria de ver no momento. É  estranho quando você esquece de que ainda é humano por um momento, a visão de Jungkook era no mínimo nostálgica.

- Yoongi, eu…

- O recado. - ele disse num tom tão cortante que a bandeja com eletrodos nas mãos do mais novo até tremeram, quase caindo no chão.

 Jungkook engoliu em seco, parecendo muito mais indefeso do que realmente  era.

- Ele precisou comprar alguns seguranças para trocar seu vizinho de cela. Hoje a noite você será  levado até  o andar onde Jimin pode estar ou pelo menos alguém que sabe do paradeiro dele. É a ala dos seres do submundo. Ele não achou que demoraria tanto e nós…

- Honestamente, estou pouco me fodendo Jungkook.

 O garoto ficou parado por um tempo sem parecer saber o que fazer, então começou fazer seu trabalho depois de aceitar com desânimo que Yoongi não queria conversa e estava na razão para tal.

 O auxiliar anterior odiava Yoongi  ou sua espécie em si, já que depois de um tempo todos ali o tratavam como elemental, mesmo que não pudessem provar o que ele era.  Yoongi não sabia dizer mais o porquê de tudo aquilo, independentemente todos viviam lhe machucando com ou sem explicação.

 No entanto, Jungkook era gentil e calmo, tirando as agulhas, eletrodos e fios com rapidez e agilidade. Seu corpo não podia agradecer mais. Depois de tanto tempo de tortura incessante, era quase estranho receber cuidados de alguém, ele não sabia como sentir, ele só  sabia que odiava se sentir um fraco, ainda mais na frente de Jungkook. Alguém por quem ele fez tudo que podia para ajudar e ainda assim foi traído da pior maneira possível.

 Uma lágrima  escorreu do seu olho esquerdo enquanto seu corpo recebia com tanta alegria o mínimo de contato humano que lhe foi privado pelo que parecia uma eternidade agora.

 O garoto deslizou a mão pelo antebraço do Yoongi provocando arrepios estáticos e colocou  um papel dobrado entre seus dedos. 

- Sei que parece que armamos para você, mas muitas das coisas que o Jin faz, só vai fazer sentido lá na frente. Só confia em mim, quando digo que nunca trairíamos você.

 Yoongi  lambeu  os lábios secos e rasgados pela desidratação, pensando em como queria acreditar naquelas palavras, acreditar que não  foi abandonado, não foi usado como uma peça naquele jogo que nem mesmo ele conhecia.

- Por que eu deveria acreditar em você? Não sou um elemental, nem tão pouco humano, não tenho ninguém pra me defender, mas fui usado por ambas as raças. Sei que tudo que tenho sou eu mesmo e isso é tudo que eu preciso saber.

- Isso não é verdade, eu…

 Yoongi  notou  o som engasgado de desespero na voz de Jungkook, pensando se não teria imaginado isso também. Afinal ele não passava de um órfão que queria ser amado por qualquer um, procurando amizade e lealdade em quem ele mal conhecia.

 Ele se sentia tão  ingênuo  e usado que era quase físico o amargor em sua língua.

 Ele odiava isso, odiava sua própria  fraqueza, sua própria vontade urgente de acreditar em qualquer coisa que Jungkook pudesse dizer para aliviar sua dor e seus medos.

- Você está perdendo seu tempo, tentando me convencer a perdoar suas ações.

 Yoongi  lambeu os lábios mais uma vez sentindo o gosto de sangue seco de seus cortes recentes, tentando tossir para aliviar a secura da garganta antes de dizer o que tinha pra dizer.

- Eu nunca vou perdoá-lo por isso. - foi o que saiu da sua boca.

 Seu coração estava dormente demais para ele realmente sentir ódio, mas ele não tinha mais nada pra dizer além do que foi dito.

 Jungkook o encarou sem ver e depois de alguma deliberação apertou um botão na lateral da porta e os seguranças vieram  levar Yoongi  embora. O moreno queria dizer algo em resposta, mas também sabia que não  havia mais nada a ser dito.

 Yoongi  deitou a cabeça na minúscula cama dura de metal e estopa no canto da sua cela e deixou o som dos ratos  e de uma água  corrente sabe lá deus de onde, viajar  por sua mente.

 Sua cela era praticamente  toda de vidro  nas laterais, mas isso não fazia com que ele se sentisse menos abandonado. Não  havia nunca alguém por perto e ele não sabia muito bem se queria realmente  que houvesse.

 Algumas horas se passaram e uma quantidade racionada de água foi entregue à ele através de uma portinhola de metal no pé  da porta.

 Os passos da pessoa que lhe trouxe a água desapareceram pelo corredor e só então ele pode relaxar o corpo.

 Aquelas visitas sempre eram seguidas de espancamentos gratuitos ou cuspidas nojentas na sua água e palavras ainda mais nojentas. De alguma forma eles sabiam que ele precisava da água pra se curar das torturas infligidas e isso o irritava, era sua fraqueza e seus captores detinham esse conhecimento e o torturavam ainda mais  por isso . No entanto, não teve nada disso aquela noite.

- Fiquei sabendo que está atrás do Park Jimin.

 As mãos de Yoongi tremeram com o copo em suas mãos.

 Como?

 Ele sabia que não tinha ninguém nas celas próximas, ele às verificou incansavelmente na primeira semana de cárcere sem nem saber o que realmente fazer se encontrasse alguém por ali.

 Ele olhou para a parede de vidro lateral da sua cela, vendo que não havia ninguém  do outro lado, até perceber que tinha uma pessoa escondida na penumbra no canto lateral do pequeno quadrado prisional muito parecido com o dele.

 Ele sempre esteve ali?

 Era realmente alguém ou eram só alucinações anunciando o fim da sua lucidez?

 Yoongi  estava prestes a beber a água, quando a pessoa o assustou, correndo na sua direção e parando a centímetros do vidro embaçado e sujo.

 Sim, ele era real. Tinha alguém ali, alguém de carne e osso.

- Não beba a água. Eles drogam você a noite com medo dos seus poderes, ninguém sabe exatamente o que você é capaz de fazer.

 Yoongi  parecia um idiota encarando um homem magro, olhos esbugalhados, cabelos ralos e lábios finos. Ele estava realmente incapaz de racionalizar por um tempo.

- E você é? - Yoongi  levantou uma sobrancelha em questionamento, assim que finalmente recobrou o estágio letárgico da sua mente confusa.

- Sung Woon, mas me chamam de Whisper.

- Whisper? - Yoongi  soluçou  uma espécie  de risada engasgada, mas não sabia porquê.

 Ele já estava enlouquecendo naquele lugar.

- Eu escuto vozes, sussurros na verdade. Por isso o apelido.

- Você é esquizofrênico?

- Jura ? 35 dias nesse lugar e você ainda não sabe o que ele realmente é?

- Um laboratório de pesquisa de Elementais?

- Que? Não. Cara, isso é uma prisão. Não acredito que você caiu no papinho de ajudar o mundo da diretora. Eles vendem a maior parte das suas pesquisas para o exército ou para as indústrias farmacêuticas que pagam mais de qualquer maneira.

 Yoongi  juntou as sobrancelhas  em confusão.

- Como você sabe de tudo isso?

 Sung Woon ficou encarando Yoongi  a procura de algum dano cerebral visível  ou algo assim.

- Eu os escuto. - ele gritou sussurrado, como se já fosse tudo muito óbvio àquele ponto.

 Yoongi  tava cansado demais para aquela conversa.

 Ele bufou irritado e simplesmente  escorregou pelo vidro embaçado querendo muito tomar um copo de água, mas seriamente  em dúvida se deveria. Ele realmente  tem poucas memórias das noites naquele lugar, provavelmente  por ter sido dopado durante as refeições.

 Suas águas racionadas eram quase que a pior parte daquilo tudo, afinal se ele tivesse água o suficiente  provavelmente se curaria a ponto de não sentir dor em cada parte do seu corpo, como se alguém tivesse quebrado agulhas dentro de cada centímetro de sua pele.

 Ele provavelmente dormiria por dias se alguém deixasse. 

 Sung Woon parecia paciente o suficiente para esperar Yoongi descansar por alguns minutos.

  Era tudo tão fodido.

 Mas então Jimin vinha em sua mente, com seu sorriso fácil e os olhos sinceros e seu coração falhava uma batida, o lembrando que ele precisava continuar vivo. 

 Ele se perguntou algumas vezes se incubus tinham algum poder de ilusão ou paixão doentia em seus lábios, porquê  ele mal conhecia Jimin e já sabia que preferia morrer ao deixar o garoto passar por qualquer tipo de tortura até mesmo próxima da qual ele estava passando.

- O que sabe sobre o Jimin? - ele finalmente perguntou, com a voz cansada e a cabeça latejando.

- Nada, mas ouvi sussurros entre um segurança noturno e um demônio inferior na ala leste.

- Um demônio?

- Ele é escravizado há alguns anos e já foi responsável  pela criação  de alguns dos elementais que vivem aqui, por isso conseguiu alguns privilégios aos longos dos anos. Elementais  e seres do submundo não se entendem bem , então ficam em lados opostos do prédio para evitar acidentes desnecessários. Já aconteceu antes, eles odeiam perder cobaias, exceto quando acontece na mesa de experiência.

 Yoongi  arrepiou só com a menção  daquela sala. Suas noites eram carregadas de pesadelos dele  sendo torturado  e quando acordava ele era levado para ser realmente torturado, às  vezes ele não sabia  dizer se estava tendo outro pesadelo ou se estava realmente acontecendo, a dor parecia mais da mesma a cada dia.

- Alguém  que é torturado por anos não deve ser são, até mesmo um demônio enlouqueceria aqui. - Yoongi  resmungou intrigado. - Como tem certeza que os sussurros deles não são só frutos da sua imaginação ou da dele?

- Asura é poderoso demais para isso, sem contar que os demônios são uma espécie de saco de sangue para produção  de novos mestiços com poderes que eles tentam replicar ou algo assim. Não fazem experimentos neles como fazem em nós.

 Yoongi  Não estava nem começando a entender o funcionamento daquilo tudo, mas honestamente ele não queria.

- E como é que eu chego até  esse Asura? - ele finalmente  perguntou sem muitas esperanças. Afinal, seu vizinho de cela podia muito bem ser só louco mesmo, aliás ele podia nem existir até onde Yoongi  sabia.

 Sung Woon, achou engraçado o nome da entidade saindo tão despreocupadamente da boca do humano.

- Eu tenho um plano, mas preciso te dizer Asura pode até ser uma espécie de deus inferior, mas nunca o subestime. Ele se alimenta de caos e desordem, pra resumir, gosta de ver o circo pegar fogo. Chame-o de lorde. Puxar saco sempre ajuda.

- Não adianta nada saber de tudo isso se eu não conseguir chegar até ele.

 Sung Woon bufou irritado pela primeira vez.

- Ouvi um sussurro sobre um amigo seu entre eles.

- Não tenho amigo nenhum aqui.

- E mesmo assim ele te deu as senhas do painel de acesso para o lado leste.

 Yoongi  lembrou do papel em sua mão, depois de tê-lo segurando com tanta força que mal notava que tinha algo entre seus dedos a ser protegido.

 Suas mãos rígidas abriram com dificuldade e ele viu algumas sequências de números e letras e as portas que elas abriam.

 Seu coração batia tão depressa  que ele podia muito bem só  cair morto ali com a expectativa de ter finalmente uma pista sólida sobre Jimin. Não que isso fosse resolver de algo, ele provavelmente  acordaria meia hora depois puto por mais uma morte sem função alguma. Essas tinham sido os tipos de mortes comuns em sua atual realidade.

- O que preciso fazer? - Yoongi finalmente perguntou, se arriscando em ser esperançoso pela primeira vez em tanto tempo.

- Vou arranjar uma distração durante sua sessão amanhã.

 Yoongi  arrepiou com a ideia de ser torturado mais uma vez. Nada o faria se acostumar com aquilo.

- Tudo que precisa fazer é aproveitar a oportunidade e escapar no meio do caos.

- Eu sou amarrado na maca todos os dias, não tem como simplesmente escapar da sala de tortura só porque tem algo acontecendo do lado de fora.

- Seu  "não  amigo" vai cuidar das amarras.

 Yoongi suspirou desanimado.

- Por que está  me ajudando?

- Não é por bondade no coração. - Sung Woon balbuciou alguma coisa que Yoongi não  foi capaz de ouvir.

- Então é por quê ? - ele insistiu.

- Seokjin parece gostar muito de você. Nós  temos muitos  acordos, mas te ajudar foi o único acordo em que eu saio na vantagem, aquele bastardo sempre dá um jeito de se dar melhor em tudo.

 Yoongi  engasgou  uma espécie de risada. Pelo menos mais um que xingava Jin mais do que o defendia.

- Boa sorte amanhã.

 Yoongi  suspirou.

- Não  preciso de sorte.

- Acredite, vai precisa dessa vez. - Whisper voltou para a parte escura da cela, sumindo nas sombras de um jeito nada comum. - Ah! E tenta não ser morto por Asura, ele tem um jeito peculiar de lidar com humanos curiosos.

 Yoongi  juntou as sobrancelhas  mais uma vez.

 Humano. Então era isso que ele era?

 Quando os guardas vieram na manhã seguinte tudo que ele queria era tomar aquela  maldita água batizada que lhe deram para beber na noite passada só para que não sentisse nada na mesa de tortura. No entanto ele precisava estar acordado para a tal fuga improvável  que o louco da cela ao lado lhe informou que aconteceria naquela manhã.

 O papel que Jungkook havia lhe entregado foi para o ralo literalmente, quando ele jogou na privada nojenta da sua cela junto com a água da noite  anterior.

 Seu corpo queimava, implorando por qualquer gota de água em seu organismo e seus guardas não aliviavam na força enquanto o carregavam  pelos corredores quase o arrastando em uma velocidade terrivelmente lenta.

 Ele só espera ter decorado corretamente  as malditas senhas das portas da ala leste.

- Experimento 237 pronto para os exames Dra. Zang. - O segurança  que o segurava disse ao abrir a porta de uma das salas de experimento.

 A mulher de olhos negros e frios da cor do limbo ja tão  familiar a ele o encarou com insignificância, apontando para a maca de alumínio frio na qual causava enjoos no estômago vazio de Yoongi toda vez que se aproximava dela.

 Jungkook estava ao lado da maca, vestido do uniforme  verde piscina horrível dos  auxiliares de pesquisa.

 Ele foi praticamente  jogado em cima da mesa fria, enquanto  Jungkook  se preparava com as amarras.

 A Dra. Zang, se virou para o canto da sala, abrindo os armários com algumas ampolas de líquidos  desconhecidos à ele.

 Jungkook  encarou Yoongi  com os olhos frios e inexpressivos, lhe causando um segundo de dúvida sobre a veracidade daquela  meia fuga. Afinal tecnicamente  ele só  estava fugindo pra se afundar ainda mais naquele inferno de lugar. Engraçado  que ele até então nem havia pensado em procurar uma saída  pela probabilidade de liberdade, afinal ele passou por tudo isso, não ia desistir agora.

- Prepare a adrenalina, quero parar o coração dele imediatamente, ontem houve uma alteração nos seus batimentos cardíacos pouco antes da hora da morte.

 Jungkook  arregalou os olhos, parando um momento  com as amarras soltas que ele fingia amarrar.

 Ok. Isso não parecia um bom sinal.

- Adrenalina? - Jungkook  balbuciou confuso. - Você vai só matá-lo.

 Merda, isso realmente não parecia nada promissor.

 Dra. Zang parou de inspecionar a prancheta em suas mãos, encarando seu auxiliar com quase a mesma linha de expressão confusa que ele.

- Algum problema elemental? Preciso dar um choque na sua coleira para lembrar quem está  no comando aqui?

 Yoongi  pôde  ver uma centelha de ódio nos olhos brilhantes do mais novo, mas foi tão rápido que ele não podia saber se realmente  viu ou só  imaginou ter visto.

 Desafiar a pesquisadora seria realmente tolo de sua parte, até porque aquela maldita coleira não funcionava mais, Yoongi sabia, foi ele o responsável por desativá-la em um dos seus momentos idiotas de querer uma amizade ou qualquer merda do tipo com alguém que ele mal conhecia.

- Qual a miligramagem? - Jungkook  perguntou parecendo submisso o suficiente  para a Dra. Zang descartar a aparente insubordinação.

- 10mg no coração.

 Jungkook  suspirou desanimado, ligando os eletrodos gelados ao seu corpo.

 Yoongi mal notou quando o moreno abriu seu jaleco e o conectou com os fios, o monitor começou apitar irritantemente  e Jungkook  simplesmente enfiou uma agulha gigante no peito de Yoongi  enquanto  o encarava com os olhos perturbados.

- Seus batimentos  parecem irregulares, isso é estranho ele já devia estar morto. Suas mortes estão vindo mais lentas ultimam…

 Yoongi  parou de ouvir a vaca da Zang resmungando sozinha, abrindo os olhos para aquela dimensão pegajosa e agonizante.

 Ele nadou até a superfície, parecendo mergulhado em óleo enquanto  seu corpo pesava pra baixo.

- Já era hora, você ta fazendo um enorme estrago nessa dimensão.

 Yoongi  sentou na ilhota cheia de almas perdidas incrivelmente silenciosas pela primeira vez durante todas as suas viagens.

 Ele levantou a cabeça lentamente, até  dar de cara com uma garota minúscula  batendo os pés na lama da borda do limbo, com mãozinhas minúsculas  e impacientes na cintura.

- Que porra? - Foi tudo que Yoongi  conseguiu dizer enquanto seu coração queimava provavelmente  por causa do efeito tardio da droga administrada ali.

- Como um semi viajante consegue morrer tantas vezes assim em menos de um mês? Você tem noção de quantos buracos no véu  você fez com essas viagens forçadas?

 A garota era loira, tinha cachinhos que não pareciam reais na pontas dos fios dourados e parecia ter uns 15 anos. Também  estava irritada, de um jeito nada nem remotamente parecido com o resto das almas perdidas. Aliás , todos ali pareciam querer manter certa distância  da pirralha.

- 35 dias e eu to sendo torturado, não é como se eu tivesse opção. - Yoongi  se viu explicando para a garota por algum motivo.

 Os pézinhos da menina pararam de bater no chão e ela perdeu um pouco da compostura, mas não por muito tempo, pelo menos foi prazeroso o quanto durou.

- Tem uma forma de você ir e vir sem precisar morrer pra isso, sabe disso. Certo?

 Yoongi  negou com a cabeça  abaixada, realmente  irritado por levar bronca de uma pirralha irritante.

- Quem diabos é você afinal e cadê a porra da fumaça cinza?

 A garota tremeu ligeiramente.

- A "porra" da fumaça cinza não é, nem nunca será seu amigo, não confie nele.

- E em você eu devo confiar?

 A menina o encarou sem expressão por um tempo e depois se virou.

 Finalmente, paz.

 Ele se sentia tão  estranhamente  cansado.

- Aqui…

 A garota saiu caçando algo na beira do rio e balançou as mãozinhas pálidas na escuridão lodosa.

 Um brilho fosco veio de dentro daquela imensidão e ela tirou uma espécie de medalhão feito com várias daquelas moedas do tipo que as almas perdidas jogavam no rio para pedir passagem para as viagens.

- Isso aqui pode te dar acesso ao limbo quando quiser, é só segurar e imaginar o lugar e um portal se abre. Você pode vir com seu corpo original pra cá ou só se transportar como fez agora e  também vai cair em terra firme e não no já sensível véu.

 Yoongi  encarou a garota sem saber o que exatamente  estava ouvindo e isso durou um tempo no qual ele não sabia determinar.

- Como sabe de tudo isso?

 A garota deu de ombros enquanto pegava um fio de couro da barra de seu vestido estranho e infantil, fazendo com ele uma espécie de estrutura para o medalhão.

- Tudo o que importa é que você pare de rasgar o véu  como um recém  nascido de merda a cada maldito dia, isso não é aconselhável .

 Yoongi  quase riu da pirralha. Ela conseguia ser irritante e curiosamente interessante ao mesmo tempo.

- Como eu disse…

- Tortura, eu ouvi. - A menina colocou o medalhão nas suas mãos  enquanto o fio de couro amarrado nele ficou pendurado entre seus dedos. - Use próximo ao corpo como um colar, com corpo ou em espírito o amuleto vai seguí-lo e… - a garota  pareceu avaliá-lo por um bom tempo  antes de continuar. - Você também pode invocar o limbo até você. Essas almas ainda não descançaram apesar de já terem atravessado o véu, se chamá-las pode ser que lhe concedam passagem e o amuleto vai garatir controle sobre elas.

- E por que diabos eu faria isso? - Yoongi  berrou fazendo algumas das almas próximas se escolherem assustadas.

 Ele entendia, também estava assustado com aquela idéia  insana.

- Você disse que está  preso contra a sua vontade, elas podem ajudá-lo a conquistar sua liberdade. Só  pra que fique bem claro eu não estou te ajudando, só  não quero que você corrompa o limbo com todas essas fendas que você anda abrindo por aqui.

 Yoongi  encarou o rio negro que parecia o de sempre pra ele. 

 Mas o que ele sabia?

- Ok. Obrigado, eu acho. - Yoongi  colocou o medalhão no pescoço, pensando que sentiria o metal gelado encostar no seu peito, mas na verdade ele parecia na temperatura do seu corpo e também  era leve, contando o número de metal que o rodeava era estranho não pesar nada.

 Ele pegou o medalhão entre os seus dedos, o encarando com curiosidade.

- Kumiho.

- Que? - Yoongi  encarou a garota com impaciência.

- Meu nome é Kumiho. - A garota sorriu de um jeito um tanto quanto maligno e encarou o medalhão. - Nunca chame espíritos no qual você não pode controlar ou vai morrer.

 Yoongi encarou Kumiho sem a menor noção do que dizer sobre aquele bando de informações jogadas ao vento, mas antes que ele pudesse perguntar algo o medalhão começou a brilhar em facetas como se fosse um pedaço da porra do sol, o que o cegou momentaneamente e então tudo parecia branco e etéreo na sua visão claramente  prejudicada.

 Jungkook arregalou os olhos, ainda com a seringa nas mãos  como se tivesse acabado de injetar a tal da adrenalina no seu peito. Ele balançou a cabeça, como se tivesse tentando pensar rápido diante a uma circunstância improvável e então fez um " vá " com os lábios sem som, encarando os monitores ao apertar os botões que desligava cada um deles.

- O coração já parou? - Dra. Zang perguntou enquanto  pegava o gel para espalhar numa espécie de pá para o desfribilador.

 Yoongi  não precisou de mais nenhum incentivo visual, pulando da mesa numa velocidade impressionante enquanto pegava um dos monitores e batia com ele na cabeça da vadia  da Zang. Os fios foram arrancados com tanta violência da tomada que ricocheteou em um dos seus braços fazendo ele resmungar com a dor aleatória. Ele foi torturado por tanto tempo que foi engraçado sentir dor sem se preparar mentalmente para isso.

 A pesquisadora foi jogada do outro lado da prateleira com uma pancada e caiu no chão. O piso frio foi rapidamente manchado de sangue enquanto  os cabelos ensanguentados da Dra. parecia mergulhado em tinta escura, estranhamente  semelhante ao dele de todas as vezes em que ele saía de dentro do limbo.

- Você a matou? - Jungkook  perguntou confuso.

- Quem se importa? - Yoongi  jogou o monitor longe, encarando a sala de forma analítica e não pela primeira vez.

- Aciona o alarme. - Ele resmungou apontando um botão vermelho atrás de Jungkook, como se ele não soubesse onde ficava.

- Eu estou pronto para aceitar ser seu cúmplice, vá  antes que alguém venha ver a origem de todo esse barulho.

 Yoongi  enrugou a testa com irritação e pra ser sincero um tanto quanto surpreso. Se aquelas pessoas tratavam ele daquela forma sem ele nem ter feito nada, não queria nem imaginar o que fariam com um Elemental que os traísse.

 Yoongi  deu passos apressados na direção do seu antigo amigo o socando no nariz, ouvindo um estalo nada agradável em seguida.

 Merda! Aquela adrenalina injetada no seu coração não estava ajudando, parecia que eles tinham injetado heroína ou algo assim.

 Ele apertou o alarme e correu pra pegar o crachá da médica antes de sair pela porta de emergência agindo mais por instinto do que qualquer outra coisa.

 Suas pernas bambas o fazendo caminhar como se tivesse na proa de um barco durante uma tempestade, as pupilas dilatadas deixava tudo turvo e os barulhos dos coturnos pela escada lateral lhe dizia que seu tempo estava acabando.

 Ele praticamente bateu de frente a uma porta de controle, precisando ironicamente se segurar no monitor de trava de segurança ao lado da sustentação de abertura de emergência.

 Sua mente num turbilhão um tanto quanto confuso, precisou de um tempo para lembrar das senhas que Jungkook lhe dera e ele quase se arrependeu de ter jogado o maldito papel fora, até  que o desespero o ajudou numa espécie de guinada confusa e as senhas voltaram em sua mente como se sempre tivessem estado lá. Ainda assim precisou digitar duas vezes antes de suas mãos trêmulas finalmente liberar a porta.

 Ele correu o melhor que pôde  pelo corredor vazio, encontrando uma despensa de material e um enfermeiro infeliz, que se provou estar no lugar errado e na hora errado.

 Ou talvez não.

 Era justamente  o filha da puta que gostava de torturá-lo com seu fetiche confuso por amarras e agulhas quebradas dentro da sua veia do braço esquerdo que mais parecia a de um drogado a esse ponto.

 Yoongi  sorriu de forma assustadora quando o maldito antigo auxiliar da Dra.Zang o reconheceu, mas não teve tempo de fazer muita coisa.

 Yoongi  bateu a cabeça do garoto na parede com um empurrão letal e o puxou de volta para dentro  do que ele achava ser uma despensa de materiais, mas descobriu ser uma espécie de ante sala com medicamento e alguns outros materiais necessários durante uma emergência com as torturas.

- Karma é uma vadia, não é mesmo? 

 Yoongi  despiu o corpo mole do garoto e vestiu o melhor que pode o uniforme de enfermeiro que na verdade ficou um tanto grande nele, principalmente  pelo fato de ter emagrecido absurdamente no último mês, sem contar que nunca fora muito alto.

 Ele não era idiota. Sabia que tinham câmeras por todo o complexo, que o cartão da Dra.Zang seria monitorado para encontrá-lo se ele usasse e que assim que encontrassem o corpo do auxiliar, sua vestimenta seria como um pisca alerta como aquelas boias no meio do oceano com sinos estridentes e borrachas de cores berrantes, mas andar com a bunda de fora num avental fino de algodão  tinha seus limites.

 Yoongi  saiu da sala as pressas, empurrando o pé  do idiota pra dentro antes de se certificar que o carrinho de medicação que ele carregava travasse a porta o melhor possível e então correu.

 Sua próxima ação  foi quebrar o vidro fino do alarme de emergência e ativá-lo. As luzes se apagaram e alertas vermelhas iluminaram seu caminho já nada fácil desde o início .

Ala leste, ala leste. Cadê a porra da ala leste.

 Yoongi  sabia que não era a ideia mais inteligente ativar o sistema de emergência  do prédio, odiou ainda mais quando os sprinklers anexados no teto começaram jorrar água  por todo o lugar como se fossem monstros enjoados vomitando uma vida de água gelada por todo aquele corredor derrapante, nada prático quando se calçava um crocks dois números maiores que o seu.

 As portas principais travaram e somente as portas da saída foram liberadas, o que seria um problema se ele não tivesse a senha que precisava. Outro problema relativamente menor, eram os auxiliares e médicos saindo  vagarosamente pelas portas laterais recentemente liberadas, indo em direção a saída, lotando o corredor rapidamente. 

 E que os prisioneiros se fodessem, claro.

 Yoongi  torcia pra que não existissem nenhum sistema de emergência  que matava as cobaias em caso de quebra de protocolo assim. Sua mente lhe dizia que cobaias ou não, elementais eram cruciais para aquelas pesquisas e sucessivamente para o dinheiro que ganhavam com elas e que eles não matariam seres considerados produtos de valor só  por causa de um alarme ou até mesmo de um fugitivo com pouquíssimas  chances de sucesso em sua fuga. Pelo menos era isso que ele ficava repetindo pra si mesmo, mas era quase impossível não  fazer nada a respeito. Pensar só nele mesmo, foi o que o levou àquele  lugar esquecido por Deus  para encontrar alguém quem ele mal conhecia.

 Se ele ao menos pudesse fazer alguma coisa.

 Espera!

 Talvez ele pudesse.

 Yoongi  pegou o medalhão com as mãos frias, suadas e pensou no limbo. Era como se ele soubesse exatamente o que fazer por algum motivo.

 Ele estava ironicamente molhado até  os ossos, então não foi muito difícil  pensar no limbo e nas almas perdidas.

  Seus olhos abriram junto com uma cacofonia surpreendente da gritaria daquelas pessoas do corredor junto com ele.

 Yoongi  sentiu algo frio gelado e um pouco assustador crescer dentro dele, como uma espécie de malícia curiosa. Pensou em todas aquelas pessoas que diariamente torturavam inocentes só  porque podiam, indo dormir pacificamente  com a ideia da tortura alegando variadas desculpas sem muita profundidade.

 Yoongi  sentiu antes de ver suas almas perdidas. Aquele pequeno sentimento irritantes que crescia dentro dele parecia influenciar as pobres almas que começaram a analisar todo aquele povo que corria até  uma porta vermelha com um letreiro em neon escrito Exit.

 Seria tão fácil matá-los. Eles pareciam as porras de uns cordeirinhos à espera de um abate enquanto se empurravam na direção da porta sem se importar em quem era pisoteado ou ferido no processo.

 Yoongi  balançou a cabeça e passou as mãos nos olhos onde a água  que caía  feito chuva se acumulava em gotas gordas por seus cílios e sobrancelhas dificultando sua visão. Graças a Deus.

- Os prisioneiros, salvem todos. Os libertem de suas amarras, quebrem grades. O que for necessário .

 Todas as almas o encararam  ao mesmo tempo. Suas formas eram nubladas, como se precisassem de certo esforço para se manterem naquele plano de existência, as lâmpadas  do corredor estouraram ao mesmo tempo, causando um jogo de luz e explosões que apesar de mínimas não devia ser bom com toda aquela água ainda caindo. A esse ponto pareciam que esvaziariam um rio inteiro dentro daquele prédio, devia ser esse o motivo da queda de energia pouco antes do alarme.

- Você é nossa âncora, estamos usando sua energia para permanecermos nessa forma. - Umas das almas lhe disse quando a pergunta que ele não fez surgiu em sua mente.

 Então eles estavam conectados. Será que ele podia morrer se forçasse o tempo deles na Terra?

- Provavelmente. - Uma outra alma atrás dele lhe respondeu, causando arrepios por todo seu corpo.

- Levem o tempo que for preciso, depois voltem para o limbo. - Yoongi  tentou se mostrar o mais confiante possível, mas honestamente  estava bem próximos de se tornar um dos cordeirinhos do qual ele ria pouco tempo antes.

 As almas eram arrepiante, literalmente. Algumas mal tinham formas, eram só  fumaça com crânio e cabelos, essas em específico não pareciam poder falar. Algumas no entanto pareciam muito poderosas. O que o encarava agora era uma sombra densa negra, os olhos vermelhos assassinos. A parte da porta com uma janela de vidro ao lado dele tinha se condensado como se sua presença alterasse o clima ao seu redor . Nem mesmo a chuva passava por ele, como se seu corpo tivesse uma capa protetora ou algo assim, seus olhos vermelhos estavam focados no medalhão em seu pescoço e pela primeira vez ele se sentiu um idiota por sua impulsividade. Aquilo era perigoso, um poder que deveria usar com sabedoria e não no meio de um possível afogamento durante uma fuga que nem iria acontecer de qualquer  forma.

 Ele mesmo tinha achado aquilo loucura, não muito tempo atrás no limbo. Por que havia feito aquilo?

- O que foi? - Yoongi  berrou para o fantasma, mais com medo do que autoridade na verdade.

- Não podemos voltar sem você, mestre. - O fantasma parecia entediado por ter que explicar algo que parecia óbvio.

 ÓTIMO.

- Vá. Me encontre quando estiverem pronto e eu os levarei de volta. - Ele só não fazia ideia de como faria isso, mas não ia jogar suas inseguranças na frente de um espírito que parecia muito querer esfolá-lo vivo.

- Como desejar. - O filha da puta sussurrou no seu ouvido, como se soubesse exatamente  o que estava pensando.

 Yoongi  virou assustado, mas todos os espíritos já tinham  sumido, até  os cordeirinhos já tinham dado um jeito de sair por aquela maldita porta vermelha.

 Ele deveria se sentir sozinho no corredor vazio com apenas o barulho de esguicho de água, mas a presença de cada alma que ele invocara do limbo parecia querer empurrá-lo para o chão  de tão  pesado que seu corpo estava.

 As portas da ala leste eram de verde claro e no visor das senhas estava escrito "Ala restrita, somente pessoal autorizado".

 Ironicamente saber as senhas se tornou algo ridículo perto da dificuldade que ele tinha de levantar o dedo para digitá-los.

- Parado. - Alguém gritou atrás dele.

- Dê  um jeito nisso. - Yoongi  sussurrou, porque sabia que aquele espírito  negro o seguia esse tempo todo.

- Sim mestre. - A voz irônica e assassina sussurrou de volta.

- Espera…

 Tarde demais, todos os corpos dos três soldados atrás dele explodiram como balões cheios de sangue gelatinoso, ossos, pedaços  de músculos e tudo parecia rosa. Como se uma bomba de tinta tivesse explodido ao invés de corpos e pela primeira vez ele foi grato pela torrente de água que agora escorria do seu corpo num tom assustador enquanto o cheiro de ferrugem adocicada impregnava por todo seu corpo e pelo ar ao redor.

- ...Não  os mate. - Yoongi  terminou a frase em um estágio de choque momentâneo.

- Desculpa, da próxima vez precisa ser específico para decidir minhas ações. Sou apenas um escravo sem nenhuma opinião  própria. - O espírito sorriu com seus imensos dentes brancos e pontilhados naquela imensidão negra sem rosto fazendo Yoongi  dar uns bons passos pra trás.

 Sem opinião  própria é o caralho.

- Por que está  me seguindo afinal? Achei que deveria acatar minhas ordens. - Yoongi  resmungou ainda assustado com toda aquela carnificina.

- Estou esperando toda sua força se dissipar, então tomarei o medalhão pra mim e o esfolarei vivo, lentamente.

 Então ele estava certo, afinal.

 Yoongi  engoliu seco, o que era praticamente  um milagre diante todo aquele aguaceiro.

 Bom! Pelo menos ele era sincero.

- Vai sonhando. - Yoongi resmungou voltando a se concentrar na porta da área restrita.

- É tudo que posso fazer no momento. - O espírito  respondeu de volta.

 Maldita entidade assustadora do caralho.

 Yoongi  quase derrapou no chão, quando sentiu outras provavelmente bem mais malditas entidades  do outro lado de uma das portas .

- Por que caralhos eu posso sentir seres do submundo?

 A sombra se precipitou diante da porta, fazendo  algo parecido com um dar de ombros.

- Os espíritos sob seu comando vem de dimensões diferentes, detentores de poderes e habilidades diferentes. Isso tudo agora é seu, pelo tempo que postergar seus destinos.

- É por isso que tinham tantas almas no limbo? O antigo viajante estava os usando? Mas o medalhão foi criado pra mim. Como isso poderia ser possível?

 A sombra ficou muda novamente.

- Responda. - Yoongi  ordenou seco.

- Não  sei a resposta, se soubesse ela também seria sua.

 Yoongi  bufou irritado.

 Aquele espírito seria um problema enorme se ele sobrevivesse a tudo isso, o que era francamente duvidoso.

 Yoongi  respirou fundo e então digitou a última  senha da sua memória , abrindo a porta onde seres do submundo eram aprisionados por sabe lá Deus quanto tempo. Não é como se ele fosse lidar com entidades bem humoradas, mas depois de um espírito assustá-lo com apenas um sorriso e poucas palavras, fica complicado ser otimista quanto a um encontro com um semideus puto da vida propenso a incitar o caos.

- Isso vai ser divertido. - O espírito  maldito resmungou ao barulho da tranca desativando a trava automática da ultima porta em que ele precisava entrar na porra da Ala leste.

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