Um Dia de Chuva Na Colina
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Alegna tirou rapidamente os lençóis do varal antes que a chuva desabasse. A tarde que se tornou cinzenta de repente, prometia fortes tempestades ao restante do dia, e logo a Colina ficaria coberta com lama e duras ventanias.
Guilherme havia tirado finalmente um dia de folga só para os dois. Estavam juntos tomando um café quando através das janelas perceberam a mudança do tempo. Então correram até o terreno dos fundos da mansão afim de salvar as roupas de se molharem, e riram como crianças quando os primeiros pingos quase os pegou.
Levaram os lençóis limpos e secos para o quarto, e enquanto Guilherme os dobrava um por um, ela desceu para buscar o resto que ficou na cozinha. Ao fazer isso, enquanto voltava para o marido, notou um pequeno barulho que veio diretamente dos fundos da mansão.
Um estampido abafado e quase inceptivel. Mas como sempre foi atenta a qualquer coisa na casa, não passou despercebido dela.
Olhou na direção do caminho que levava aos cômodos superiores assegurando-se que Guilherme não apareceria, e com a cesta de plástico apoiada nos quadris, seguiu cautelosamente para onde surgiu o pequeno estrondo.
Chegando finalmente ao salguão onde ficava os últimos quartos isolados da casa, deu de cara com uma grande poça de água que vinha se formando através das frestas da porta de um dos compartimentos. Alegna continuou, sem se importar de encharcar os chinelos, colando o ouvido na madeira afim de encontrar alguma explicação.
Com a água cada vez se intensificando aos seus pés, não hesitou mais, tirando do bolso o arco de chaves, abrindo assim a fechadura.
Logo se deparou com a janelinha superior que servia como entrada de luz, totalmente escancarada pelo o vento, deixando então que a chuva entrasse, alagando o interior do singelo cômodo. A pancada que havia escutado segundos atrás, nada era a força da janela contra a parede.
Irritada com o irmão por não tranca-la direito, arrastou rapidamente uma cadeira e subiu, fechando a janelinha.
Depois, correu até a cestinha repleta de roupas de cama que tinha deixado no chão e pegou uma das toalhas. Se dirigiu imediatamente a cama e se pôs a secar o pobre homem que estava ensopado pelo aguaceiro.
Alegna passou a toalha por todo corpo dele até perceber que os olhos dele não piscavam de maneira alguma. Então se aproximou intrigada do rosto de Menezes, secando suavemente bochechas e testa. De novo, não houve reação alguma, apenas o olhar vazio continuava através da rigidez. E foi nesse instante que ela se afastou, amedrontada, tendo a sensação de quê talvez não houvesse mais vida naquela criatura de aparência funesta.
Ao se distanciar tão subitamente, tropeçou os calcanhares na cestinha com as roupas. E só não bateu com a nuca no assoalho porque alguém a segurou bem antes.
Alegna olhou para as mãos que agarraram sua cintura e seu coração disparou junto a uma pontada aguda quando notou a aliança dourada no dedo esquerdo.
Ela se virou, ajudada pelo o seu Salvador, e a única coisa que conseguiu dizer quando ficou cara a cara com ele foi um rápido "Eu posso explicar!"
Mas Guilherme pareceu não se interessar por esclarecimentos, pelo menos não naquele momento, e silenciosamente, caminhou até o homem que estava na cama, colocando as mãos na testa dele, deslizando em seguida para os olhos, fechando-os para sempre.
_ Está morto._ Foi só o que disse também.
_ Meu Deus... _ Ela disse nervosa_ E-eu não sei como isso aconteceu... Eu juro!
_ Era um homem doente, não era?_ Ele disparou, mostrando-se inteiramente tranquilo. Era como se achar um homem, que estava até então desaparecido, preso a um quarto escuro, mantido pela a própria esposa, fosse a coisa mais natural do mundo_ Pelo menos, parecia bem fragilizado para mim na vez que o vi... Na farmácia_ Completou.
_ Ele estava pior nas últimas semanas..._ Ela confirmou, ainda abalada.
_ Últimas semanas?..._ Ele a olhou sem condenações mas um tanto curioso_ Há quanto tempo ele está aqui?
_ Bem antes do nosso casamento_ Ela respondeu depois de um segundo enquanto tentava evitar os olhos dele.
Guilherme lembrou imediatamente do livro de poesias na biblioteca. De fato era o mesmo que Menezes carregava naquele dia.
_ Porque não me contou, Alegna?_ Ele franziu a testa_ Não confiava o bastante em mim?
Ela se aproximou, aflita em mostrar que ele estava pensando errado.
_ Não é nada disso, Guilherme... É claro que eu confio em você... Na verdade... Na verdade só estava com medo!_ o encarou com expressão quase chorosa _Medo do que você pensaria de mim... Medo de que fosse embora.
_ Embora? _ Se aproximando também, tocando levemente no ombro dela num grande gesto de compreensão_ Meu Deus, Alegna, você é a pessoa mais pura e honesta que já conheci nesta vida! Eu sei que você nunca teria feito isso se este homem não merecesse algo do tipo.
Com olhos brilhantes e reconfortante, ela completou:_ De fato... Ele não era um homem decente... Até tentou me fazer mal..._ Suspirou_ Por isso Nívad teve que prende-lo... Mas apesar de tudo, eu quis solta-lo várias vezes... Só que não dependia apenas de mim... Meu irmão ainda não confiava nele a ponto de deixa-lo ir... Tinha receio de que procurasse a polícia e não contasse a verdadeira história... Enfim..._ Encheu o peito enquanto observava o corpo sem vida_ É uma pena que o desfecho tenha sido dessa maneira. Nunca quis que fosse assim.
_ Você é uma boa pessoa..._ Tocando o rosto da esposa, sorrindo com orgulho_ Sou realmente um homem de muita sorte!
_ Mas e agora?_ Com olhos desesperados por ajuda_ Não sei como agir... Estou completamente perdida, Guilherme.
_ Não se desespere, meu amor... Juntos, daremos um jeito.
Alegna manteve-se calma.
Mas ficou chocada com os planos do marido.
Enterrar o corpo de Menezes nos arredores da mansão, nem de longe tinha passado pela a cabeça dela. Mas entendia que era o único modo de se livrarem deste tormento. Agora era simples. Não havia ninguém mais a procura do homem.
Guilherme tinha conhecimento do pequeno cemitério que ficava por detrás do galpão. E sugeriu que poderiam enterrar o velho lá.
Um buraco a mais ou um buraco a menos, ninguém perceberia, num lugar ermo como a Colina. Alegna tinha cogitado a floresta mas nada falou, e deixou que ele tomasse a frente da situação. E no final, concordou que era mesmo a melhor opção. Sepulta-lo no terreno vasto da Colina, era menos trabalhoso e bastante rápido, pensou.
E realmente foi.
Cortaram as cordas que detinha o corpo e o carregaram para o lado de fora do casarão. Ainda chovia forte quando Alegna deixou os braços do homem escorregar e a cabeça bater, afundando na lama. A cena era grotesca mas ela continuou, pegando de volta os braços dele. Guilherme a interrompeu, dizendo que não era necessário tanto esforço da parte dela e que ele daria conta. Arrastaria o cadáver pelas as pernas até o cemitério sem ajuda, pedindo apenas que ela arranjasse qualquer ferramenta que desse pra abrir uma cavidade na terra.
Alegna buscou imediatamente uma pá e o acompanhou.
O cemitério era apenas um cantinho de nove metros quadrados protegido por uma cerquinha velha de madeira comida por cupins. Algumas das tábuas podres não resistiram ao vento, e estavam espalhadas por entre duas lápides de pedra deteriorada, uma do lado da outra.
Guilherme leu os nomes escritos nelas e entendeu que se tratava do avó e da mãe de Alegna, e achou curioso que havia uma belo texto cheio de honras no epitáfio do homem enquanto da mulher não havia absolutamente nada além das datas que se referiam ao nascimento e morte. Talvez suicidas não tivessem direito a homenagens, pensou, enquanto olhava para a moça ao seu lado.
Reparou a imensa tristeza marcada na face dela e tentou afastar, propondo que poderiam colocar o velho a alguns metros mais distantes do jazigo da família ou até mesmo fora dele, se assim preferisse. Realmente não havia necessidade de enterra-lo tão próximo dos parentes de Alegna. Porque era até uma falta de respeito fazerem isso.
_ Tudo bem... Não ligo que o deixe aqui tão perto deles_ Suspirou baixinho_ E além do mais, se por um acaso alguém vier vasculhar o terreno, acredito que não haverá motivos para desconfiar de que existe algo errado neste lugar.
Guilherme admirou a coragem dela e apertou sua mão como conforto.
Sem mais demora, Guilherme começou a cavar, formando um buraco tão profundo de lama que precisou da ajuda de Alegna para voltar a superfície.
A chuva já se enfraquecia e o céu se mostrava limpo. Apenas o vento que não dava trégua. Mas isso, não era novidade na Colina. Guilherme limpou as mãos no bolso traseiro quando saiu da cova, jogando a pá do seu lado, depois, com o olhar, insinuou que já era hora de fazer o que devia. Compreendendo o sinal, Alegna se agachou e pegou o velho pelos os pés enquanto Guilherme o segurou pelos o tórax. E a impressão que tiveram era de que o corpo tinha ficado duas vezes mais pesado do que momentos atrás.
Alegna parecia acostumada ao horror assim como Guilherme, quando lançaram o cadáver na poça suja e escura que se formou na cavidade por causa da chuva, sem o mínimo de pesar. Mais ainda assim, diante de sua própria frieza, ela fez um sinal da cruz enquanto fitava Menezes pela a última vez, deixando Guilherme encantado com a santidade da esposa. Depois que ela fez isso, ele pegou a pá novamente e começou o processo de preenche-lo com terra, e logo tudo estava devidamente ocultado.
_ Logo o mato crescerá e cobrirá tudo..._ Disse, buscando o ar_ E qualquer um que ficar diante, terá apenas a visão das duas covas: Senhora Heide, e seu avô, o senhor Charles Aurom...
Alegna encheu o peito aliviada e quase sorriu.
Guilherme em seguida pegou a mão dela...
_ Venha, querida! Vou preparar um banho quente para nós.
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