Ruídos
⌑⌑⌑
_ Você demorou... _ Tirando o irmão dos pensamentos_ E então? Trouxe direitinho o que te pedi?
_ Já deixei tudo lá em cima. Não se preocupe, vai ficar tudo do jeito que você quer, Alegna. Vê se relaxa um pouco agora.
_ Quer comer alguma coisa?_ Indo até o fogão, animada_ Fiz uma sopa. Tá quentinha!
_ Aquela sopa rala outra vez? _ Com ar debochado para a irmã_ Mal posso esperar.
_ Não dá pra fazer uma bela refeição todos os dias!_ Ela suspirou aborrecida_ Você sabe disso!
Enchendo uma tigela e pondo na mesa diante dele.
Pelo menos estava com um cheiro bom.
_ Você é muito engraçada... É econômica na comida mas joga fora os últimos centavos em reparos totalmente sem sentido _ Puxando a tigela mais pra si sem o mínimo de entusiasmo_ Sinceramente, nunca vou conseguir entender você.
_ É o quarto da mamãe... E você deve ter se esquecido como ela gostava de tudo arrumadinho..._Sentando diante dele_ Nem mesmo quando piorou da doença, ela jamais deixou as paredes naquele estado...
_ Na verdade, a obsessão pela a casa sempre impecável, já era uma parte do problema, Alegna. Não se esqueça disso! Então cuidado pra não entrar nessa também... Se é que já não entrou..
Um silêncio. E de repente, ele soltou a colher no prato, respingando sopa na toalha de mesa, bufando. Alegna deu um saltinho assustada.
_ Ela nem está mais aqui! Tanto faz se uma parede está pintada ou não! Quem liga? Minha Nossa Senhora!
_ Eu ligo._ Alegna rebateu imediatamente mas com calma.
Nivad respirou fundo, deixando o jantar inteiro e se dirigindo até o filtro de barro.
A eletricidade estava cortada há meses, então, nada de água da geladeira por enquanto.
_ Nívad..._ Ela hesitou um segundo antes de continuar. Ela o olhou enquanto enchia o copo_ O que de fato te deixaria um pouco mais feliz aqui, meu irmão?... Seja honesto... Do fundo do seu coração.
Encarou a irmã, incrédulo.
_ Você não está me fazendo essa pergunta, está?... Porque não é possível! Você só pode está de brincadeira.
_ Então é isso mesmo? Não é só pra me encher?
_Cristo!_ pôs o copo com tanta força na pia, que se não fosse de alumínio, tinha quebrado_ É sério que ainda não consegui te convencer diante do meu próprio tormento? Caramba! Então o que é preciso fazer pra que acredite no sofrimento real que é para mim continuar neste lugar? Só me diga, pelo o amor de Deus! E eu faço agora mesmo! _ Revirou os olhos para todos os cantos, abrindo o peito_ Eu nem precisava dizer nada, Alegna... Olha só para essa casa... Deixou de ser uma há anos!... Você sabia, que já me fizeram uma proposta para que alugasse a casa para entretenimento?_ Ela franziu a testa e ele continuou_ _ É, isso mesmo! Não me olhe assim... Agora... Agora adivinha como?... Tá preparada?... Uma casa mal assombrada!... Alguns reais e a pessoa poderá percorrer por todos os cômodos... Mais alguns, e terá a oportunidade de passar uma noite inteira! E quem sabe, com sorte, se deparar com uma alma penada... É isso que essa casa se tornou, querida irmã: Um circo dos horrores! Turismo macabro! Coisa exótica e diferente para forasteiro... E só!
"Venham! Venham todos!_imitando um anunciante_ Entrem! Vejam, senhoras e senhores! Olhem em volta! Apreciem um dos lugares mais curiosos do mundo! A famosa Mansão da família Aurom! Querem ver o banheiro da suíte principal? Que tal hein? Dizem que foi lá que a senhora Aurom deu seu último suspiro... Muitos que passaram por aqui, meus amigos, garante ter visto o espírito de uma mulher zanzando pelos os corredores... Será que não seria ela? Que tal um ingresso para essa noite? Vamos lá, tirem suas próprias conclusões! "
_ Eu não me importo com isso... _ Se ergueu_ Só me preocupo com uma coisa neste mundo: Nós dois. É por isso que a sua tristeza me atinge tanto. Queria muito poder mudar isso... Mas não é se livrando da casa, que acabaremos com os nossos problemas... No fundo, você sabe disso melhor do que eu.
Nívad franziu a testa agora.
_ Do que está falando? É claro que a venda da casa seria a solução de todos os nossos contratempos... Eu jamais pensaria o contrário! Me livrar deste museu é algo que sempre desejei!
_ Talvez seja uma solução financeira mas... E os fantasmas, Nivad? Esses mesmos de quê você falou... Por acaso, abandonar a casa, deixaria todos eles aqui também? Conseguiria esquecê-los com tanta facilidade assim?_ Silêncio e ela o tocou suavemente_ As vezes, meu irmão, o melhor a fazer, é tentar conviver com os nossos medos cordialmente... E quem sabe, dessa maneira, eles se tornem menos assombrosos... Aceite os fantasmas, e faça deles companheiros, pois você é um Aurom... E um Aurom, nunca deixará de tê-los por perto. Só o que nós resta, é abraça-los.
Nivad ficou com a expressão confusa estampada no rosto até a irmã finalmente parar de encara-lo e voltar para o fogão, pondo a própria sopa.
_ Não carrego fantasmas. E não levarei nenhum na bagagem quando dê o fora daqui. _Saindo, irritado_ Eu não vivo no passado..._ Disse, já indo longe_ Meu olhar sempre foi além de tudo isso aqui.
_Onde você vai?_ Ela perguntou gritando _ Acabou de chegar!
_Vou consertar a droga da parede! Esqueceu? _ Gritou de volta_ E tentar ser feliz enquanto faço isso! Não é assim que você quer?... Mas não por muito tempo, Alegna... Não por muito tempo!
⌑⌑⌑
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Fazia muito tempo que não entrava no quarto de mamãe. Se não me engano, a última vez foi há alguns meses atrás quando Alegna pediu que reforçasse as janelas contra os ventos de agosto_ como se nos outros meses fosse diferente_ mas realmente era a época que havia mais contratempos devido as fortes rajadas que se estendia até setembro. Apesar do declínio normal que o tempo fez a todo o resto da casa, aquele quarto parecia não ter sentido os efeitos. Graças a dedicação que recebia de Alegna.
O quarto era constantemente limpo, e toda semana ela fazia questão de trocar as roupas de cama como se ainda alguém ali dormisse. Alegna gostava de manter as coisas em ordem mas supria uma atenção extraordinária ao quarto de nossos pais e principalmente o porão.
"Abaixo do nosso assoalho se encontra toda a sustenção da casa, Nívad. É por isso que precisamos cuidar muito bem dessa parte. Minha luta diária contra roedores e cupins é só porque eu sei que se deixarmos isso de lado, logo, logo essas pragas estarão tomando conta de tudo aqui em cima também!"
"Não seria bom que eu desse uma olhada nos alicerces?..."
"Pra quê? Pra você ficar doente respirando aquela poeira toda? De jeito nenhum! E além do mais, não é necessário. Por incrível que pareça, o lugar mais bem conservado da casa é justamente lá... Realmente não precisa. Só o que vai encontrar é bastante pó e muito veneno pra rato, e de brinde, uma bela dor de garganta"
Quando éramos crianças, o porão era nosso local preferido para as brincadeiras de pique- esconde. Mas depois que crescemos e os passatempos infantis não eram tão mais atraentes, esquecemos totalmente da existência dele. Até minha irmã começar a se preocupar com roedores e fazer da dedetização uma tarefa quase obrigatória.
Liguei o radinho de pilha que Alegna trouxe junto com a água e depois coloquei as luvas de borracha. Comecei removendo todo o papel antigo com um raspador, rolo de pintura e água quente. Em seguida misturei as soluções próprias contra mofo num balde e mergulhei a escova de cerdas duras para esfregar as partes escurecidas da parede. Após uma hora, pensei em descansar um pouco os braços e retirei as luvas, passando a mão na testa fria.
Tomei um pouco da água e sentei por um instante na poltrona de veludo marrom frente a cama pomposa. Fiquei naquele estado de admiração por um longo momento enquanto bebia lentamente o resto do líquido.
Respirei profundamente e voltei aos trabalhos.
Lembrei que meu time estava jogando aquela altura, e antes mesmo de pôr os dedos no botão para mudar de estacão, ouvi um certo ruído. Algo quase inceptivel, bem abafado, que parecia distante e ao mesmo tempo tão perto. Não soube identificar o que seria, mas era como estampidos. Enfim, não me importei. Com certeza era só Alegna mudando a decoração em algum dos quartos. Então, sem mais, sintonizei numa estação de esportes e fiquei escutando o futebol enquanto continuava nas paredes.
"Posse de bola da equipe do Falcão no campo de defesa. Marcinho domina na zaga central e toca curtinho com Tony. Tony solta a bola na esquerda com Santos. Santos acelera e faz o toque com Juninho no círculo central"
Tentei sintonizar melhor e o sinal oscilou. Baixei o volume e coloquei no ouvido enquanto mexia na antena.
De repente o barulhinho outra vez. Continuei no rádio.
"Ele ultrapassa a linha que divide o gramado e trabalha com Armandinho pela meia esquerda pertinho do bico da grande área. Armandinho gira pra cima do marcador e inverte a jogada da esquerda para a direita para o apoio de Juninho..."
Barulhinho
" Juninho domina, parte pra cima da marcação, ganhou, foi pro fundo, tentou o levantamento, houve o desvio do jogador do Floresta e é escanteio para o Falcão pela direita..."
"Alegna..."
Desliguei imediatamente o rádio e dei um salto, atento, com olhos esbugalhados.
Será que tinha ouvido direito? Ou foi apenas o rádio?
Muitas vezes as estações se cruzam e se embaralham.
Voltei ao radinho, aumentando o volume ao máximo agora.
Continuei os afazeres mas sempre na espera de novos ruídos indecifráveis.
Um tanto cabreiro, resolvi deixar as janelas abertas, e contar que o vento trouxesse alguma resposta. Mas não escutei nada desde então.
Assim, consegui finalmente ficar mais tranquilo. Afinal, precisava terminar aquilo ainda naquele dia para que Alegna me deixasse em paz.
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