_Os Irmãos Aurom _
Dedicatória
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Para meus irmãos Anderson, David e Maicon Moura, como forma de reparação por obriga-los a escutar minhas novelinhas durante nossas tardes vazias na infância.
Juntos formamos os verdadeiros Aurom ( Uma brincadeira feita a partir do nosso sobrenome Moura)
Obrigada pela a paciência e pelas as folhas que eu roubava do caderno de vocês para escrever, e principalmente por darem palpites nas minhas histórias quando não peço...
Mas confesso, que ás vezes, aproveito uma coisa ou outra, então, tudo bem.
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Prólogo
{Sob a visão da Irmã}
• ⌑⌑⌑ •
Me chamo Alegna, e meu irmão Nivad.
Somos o casal de gêmeos mais conhecidos de Falcão Peregrino, nossa pequena e singela cidade natal.
Moramos juntos numa velha mansão, no topo da Colina Aurom, que inclusive, passou a ser chamada assim por causa de meu avô, o único e maior fabricante de sabão da região, o senhor Pedro Charles Aurom.
Charles era um homem extremamente ranzinza e excêntrico. Mas também de pulso firme e admirado por cuidar e se dedicar totalmente a família e ao trabalho. Ganhou a fama de teimoso no início dos anos 40 quando investiu pesado na construção de uma propriedade num lugar onde todos diziam ser uma completa falta de bom senso. No entanto, ele não ligou para o que as pessoas pensavam.
Uma vez, enquanto voltava da farmácia, ouvi alguém comentando que tinha certeza de que Charles Aurom só mandou construir aquela mansão no alto da colina para mostrar a todos na cidade que ele tinha poder para fazer qualquer coisa, onde quer que fosse! Fiquei aborrecida, mas optei por disfarçar quando me olharam constrangidos com a ideia de que eu poderia ter entendido alguma coisa. Depois, chegando em casa e analisando melhor a situação, talvez até eles estivessem com a razão. Meu avô realmente se considerava melhor por causa do seu sobrenome e riquezas. Eram o que diziam sempre.
Aquela não tinha sido a primeira vez que escutava sem querer falatórios sobre a personalidade dele. E até mesmo meu pai já relatou o quanto o seu velho era difícil.
Papai dizia que os companheiros de poker do vovó as vezes também não o compreendia. Porque até mesmo para um esnobe, Charles passou dos limites quando construiu a mansão. Era estranho essa ideia fixa de erguer uma casa de tamanha magnitude num lugar como aquele. Algo tão desnecessário somente para mostrar algo que todos já sabiam: Que um Aurom tinha Força e Poder!
"Charles, meu amigo, Charles, dê a esse dinheiro outros fins... Uma casa naquela colina é arriscar sua própria segurança e saúde... Por um acaso já passou uma noite por lá? Já viu os ventos que atravessam aqueles caminhos? Ouvi dizer que é o próprio Diabo que os comanda"_ Até o padre deu sua opinião.
" Folclores e contos da carochinha não me assustam, meu caro, Hermano... E se realmente isso for verdade, o dinheiro que tenho é o suficiente para que eu negocie uma trégua com o próprio Belzebu... E além do mais, tenho o senhor como um amigo... O Diabo não mexeria com alguém que tem um amigo padre, mexeria?"
Bom, o que meu avô não sabia era que o Diabo não se interessa tanto por subornos e tão pouco ligava pra quem era seu amigo. Sendo assim, os ventos, quase como de propósito, foram se tornando cada vez mais cruéis e loucos com o decorrer dos anos logo depois da construção da mansão. As vezes, tínhamos a impressão de que a mansão séria arrancada do solo há qualquer momento. Apesar disso, Charles e sua cabeça dura continuaram evitando todos os conselhos, e seguiu firme com a sua empreitada, realizando a maior obra já vista dentro daquela região.
O dia mais feliz da sua vida foi quando ergueu a cabeça no centro de Peregrino e visualizou a mansão lá no alto, rente as nuvens, tão pomposa e resistente!
A mansão de vinte e oito cômodos tornou-se uma espécie de patrimônio cultural para a maioria dos habitantes da cidade, deixando, de certo modo, meu avô bastante orgulhoso e famoso o suficiente para virar assunto em página de jornal.
Qualquer evento mais diferente se tornava um enorme acontecimento naquele tempo. Principalmente em Falcão Peregrino, que era e sempre foi pacata e modesta demais para não se agitar com algo daquele nível.
"O Homem que desafiou os ventos"_ Dizia o titulo em letras garrafais em uma das publicações ( Ainda hoje guardo com apreço quase todos os recortes da época)
Atualmente, embora alguns quartos ainda se mantenham bem "conservados" existe uma atmosfera degradante que se une perfeitamente com a decoração antiga. Apesar da boa qualidade dos móveis, muitos não conseguiram resistir ao mofo e principalmente a solidão. E isso me causava mais tristeza do que medo, na verdade. Tanta mobília bonita e classuda, espalhada sem serventia, morrendo aos poucos na escuridão dos cantos, sem vida, como se nos lembrasse o tempo inteiro que a época de ouro dos Aurom havia se extinguido totalmente.
Vinte e cinco anos. Era a nossa idade. E aqueles móveis tinham bem mais. Tanta alegria e contratempos abaixo daquele teto, muito se foi visto por àquelas peças, por isso era tão difícil se desfazer deles. Quando conseguíamos vender algum, era como se uma parte da história de nossa família estivesse abandonado a casa. Isso me matava consideravelmente por dentro. Sofria vê-los partindo, sabendo que o novo dono não tinha ideia da riqueza que estava adquirindo e da fineza do apetrecho.
Cada cadeira de cedro Rosa ou aparelho de jantar luxuoso que nos pertencia e que eram vendidos a preço de banana, era uma noite de choro e lamento para mim. Porque dentro da minha mente, esses objetos são uma parte do meu corpo, assim como as paredes, o telhado e toda estrutura da casa. É como se eu fosse a casa inteira... E a casa inteira fosse eu.
Mas somente eu que pensava assim...
Rachaduras e infiltrações eram estorvos diários. E por conta disso, Nivad duvidava do quanto era realmente seguro continuarmos com ela. Os construtores fizeram um ótimo trabalho, é verdade, e meu avô acreditou realmente que nunca teríamos problemas desse tipo um dia_ mesmo sendo avisado que o Diabo andava por aqui_ Os ventos jamais deram a trégua que se esperava, e a mansão, por incrível que pareça, parecia está entortando e afundando. Era nítido a elevação pro lado esquerdo quando ficava de frente pra casa, e a certeza maior quando os quadros nunca ficavam alinhados nas paredes por muito tempo.
" Ouviu isso, Alegna?"_ Sempre quando meu irmão invadia meu quarto na madrugada, assustado com qualquer barulho.
" É só o vento, Nívad... Você já sabe disso há muito tempo"
"Cada dia que passa se torna mais impossível pregar o olho dentro dessa casa! Eu vou enlouquecer! Eu juro que vou! "
As condições tão complicadas da mansão ocupava bastante o tempo dele. Talvez essa fosse a causa do seu mau humor frequente. Mas não o culpo. Realmente devia ser muito cansativo ter que concertar um monte de coisas durante o dia sem ter dormido direito a noite por causa das tempestades de vento. Meu pobre irmão passava horas pondo telhados, portas e janelas em ordem, e bastava outra noite igual para que o estrago estivesse lá outra vez.
"Poderíamos comprar portas e janelas mais resistentes..."
"E onde conseguiríamos essas coisas, Alegna? Não temos dinheiro pras reformas... Esqueceu foi?... O que a gente consegue vendendo as velharias da casa, mal dá pro nosso sustento!"
Nivad se sentia como um escravo da casa. Mas o que lhe deixava furioso de verdade, era o fato de ter escutado tantas vezes que o lugar havia sido feito para aguentar o pior dos climas e no entanto parecia ter sido exatamente o contrário.
"Nosso avô foi um idiota! Ele já morreu e eu respeito bastante a memória dele mas não podemos negar os fatos... Ninguém pode ser capaz contra as forças da natureza... E ele simplesmente acordou um dia e achou que seria... Agora olha só isso, esses ventos doidos estão reivindicando a ultrapassagem deles... E enquanto não derrubarem o que está impedindo, não irão sossegar!"
"As tempestades são potentes, nós sabemos.._ rebatia _" E eu também confesso que sinto medo as vezes quando estão muitos descontrolados ... Só que... Só que eu não me deixo dominar por esses tipos de pensamentos, Nívad... Até porque, achar que a casa será derrubada por causa disso, chega ser um pouco de exagero... Você há de concordar."
"Lembra do mágico de Oz?'_ Com olhos divertidos sempre que eu terminava._ Só que ao invés da gente parar numa estrada de tijolos amarelos, vamos acabar parando numa vala mesmo... Se bem que, qualquer coisa seria melhor do isso aqui..."
Nivad tinha apenas 14 anos quando falava essas bobagens, mas não deixou de pensar da mesma forma ao virar adulto. Ele continua achando que não deveria estar alí, e sim explorando o mundo lá fora.
Estava sendo sincera quando falei que também sentia medo. Geralmente era durante a noite que levávamos os maiores sustos. Nem era pra ser desse jeito porque tínhamos nascido e crescido com os estrondos mais absurdos que se podia imaginar, então já eramos para estar familiarizados. Mas apesar de tudo isso, diferente de meu irmão, nunca pensei em abandonar a Colina, e tão pouco achava que era algo inaceitável continuar morando na Mansão.
Ela era o nosso lar. E meu avô usou toda sua energia e amor nela. Tenho certeza, que de onde ele estiver, gostaria que a gente cuidasse e usufruísse da melhor forma possível. Então sinceramente, acho que deveríamos nos sentir gratos ao invés de passar o dia se queixando disto ou aquilo.
Bem na verdade, Nivad foi o único Aurom que se desagradou do Casarão com o tempo. Papai, por exemplo, nunca o vi se aborrecer com nada disto ( pelo menos não diretamente a mim) Sua infância e juventude também foram vívidas na Colina, e quando se casou com mamãe, acredito que não tenha pensado um só segundo na possibilidade de viver em outro lugar. Meus pais foram felizes aqui, por um tempo, até onde eu sei. E não foi culpa da colina ou do clima ruim se por algum momento se sentiram de outra forma.
A história dos meus pais é um tanto curiosa. Pra começar, minha mãe não era nem de longe uma pretendente a altura dos padrões dos Aurom. Mamãe era uma moça simples, filha única de um casal de imigrantes holandeses. Linda e meiga, só tinha um desejo em mente: Ser enfermeira e se mudar para uma cidade mais cheia de oportunidades. Mas o que ela não planejou foi a paixão pelo o jovem riquinho da região. O cara bonito e bem vestido que adorava exibir o carrão pelas as ruazinhas simples de Peregrino.
Escutei uma vez_ sem querer novamente_ que meu avós maternos só não soltaram fogos de artifício quando souberam do namoro porque não tinham dinheiro para tal extravagância. Quando os pais da recatada moça viram que o negócio estava beirando a casamento, quase infartaram de tanta alegria. Afinal, a filha seria uma Aurom, e todos queriam ser um Aurom, pelo menos, naquela época!
A Família Aurom ficou rica através do sabão. Meus antepassados possuíam as chamadas Casas de Sabão que na verdade eram pequenas produções familiares que foram passando de geração em geração. Em peregrino éramos os únicos que fabricava por isso logo ganhamos bastante dinheiro com a produção. Rapidamente os Aurom se tornaram respeitados e admirados, e toda a cidade os agradecia por serem a fonte de trabalho para a maioria dos Peregrinecesses.
A fábrica empregava muita gente e a economia cresceu efetivamente. Então, para meu avós maternos, eles também seriam como os Aurom quando a filha casasse com um deles. Seriam estimados com total reverência também.
O noivado foi anunciado como mais um grande evento. E logo após o casório, minha mãe rapidamente livrou os pais da pobreza. Uma casa boa e confortável foi dada a eles, e meu avô materno deixou o trabalho duro na fábrica Aurom assim que começou receber uma gorda pensão da família do noivo. O simples funcionário agora fazia parte da família do patrão. Não era de bom tom continuar. Para alguns, talvez, fosse um tanto humilhante ser sustentado assim. Mas não para os pais de minha mãe. De jeito nenhum.
"Não fica bem seu pai continuar trabalhando na fábrica, querida Heidi_ disse Charles para a Nora enquanto fumava seu caro charuto _ Imagine o que as pessoas irão pensar? No mínimo que somos mesquinhos e insensíveis. E uma visão enturvada assim sobre uma família como a nossa, não é nada bom. Acredite, minha filha, uma má reputação não gera lucros! Se somos visto como pessoas deste tipo, alguns logo imaginam que também não somos honestos com os negócios... Lógico que têm uns que não ligam muito pra isso... Mas sempre tem aquele investidor mais cheio de pudor que repara nessas bobagens... Então, pra evitar, vamos resolver esta questão o maís rápido possível com os seus pais. Arranje uma boa casa pra eles e os acomode assim que voltar da lua de mel "
Este não foi o único palpite que meu avô paterno deu na vida de minha mãe. Ele era totalmente contra a vontade da nora em seguir com os estudos, e principalmente em trabalhar fora.
"Magno, meu filho, essa ideia de Heidi, além de ser cansativa, é uma grande perda de tempo, você não acha? Não há necessidade alguma em continuar com isto. Sua esposa precisa entender que ela não é mais uma qualquer. Agora é uma Aurom! Seria bem mais sensato usar toda a inteligência e essa notável força de vontade que ela tem em aprender um pouco mais sobre etiqueta e bons modos... Afinal de contas é só disso que ela precisa. E além do mais, não acredito que uma enfermeira arranje tempo pra outra coisa na vida. Um trabalho como esse a consumirá por inteira e isto comprometeria todas as chances de vocês terem filhos... Eu não quero parecer invasivo, mas Acredite em mim, meu rapaz, uma mulher que vive somente em função de uma profissão, deixa de lado totalmente o desejo e a essência maternal. Logo criam a ideia de que filhos atrapalham e então vão adiando, até chegar o dia em que estão velhas e cansadas demais para pensar no assunto. E muitas vezes já é tarde demais mesmo. O corpo feminino tem validade na procriação, Magno. Por isso não dá pra esperar, meu filho. Não dá! Tenham logo essas crianças"
Vovó Charles tinha essa mente. E foi até o fim com ela. Era normal pra época pensar que mulheres tinham apenas esse objetivo, de parir várias crias até não poder mais. Imagino como ele deva ter odiado minha vó por ter lhe concedido apenas um. Meu pai era filho único deles.
Mamãe relutou um pouco no começo. Mas por fim acabou cedendo os apelos do sogro. Talvez para evitar algum tipo de conflito. E também porque não queria acabar com a alegria dos seus próprios pais...
"Eles nunca tiveram uma casa tão linda!"
E foi assim que Nivad e eu viemos a este planeta, pela a insistência e machismo de nosso ilustre e querido vovó. É Claro que também houve amor nessa decisão, do contrário, não teria aberto mão de seus sonhos assim dessa maneira. Mamãe amava o nosso pai e tinha muito medo de perde-lo caso continuasse a ignorar os apelos do velho Aurom.
Mamãe era uma mulher apaixonada. Nunca havia se sentido daquele jeito em relação a qualquer outro rapaz em sua vida. E Magno, apesar da influência tóxica do pai, ele era um homem que sabia corresponder os sentimentos dela. Papai sempre se mostrou atencioso, e a tratava de forma bondosa e honesta.
"Você sabe que pode fazer o que quiser, Heidi. Tem meu total apoio, querida. Não dê muito ouvidos as bobagens de meu pai. Amo e o respeito muito mas não vou deixar que se intrometa assim em nossas vida... Acho que o certo a fazer é fingir que a opinião dele é relevante enquanto seguimos com os nossos próprios planos. Por isso meu amor, se quer mesmo tanto continuar com os seus projetos, não vejo razão alguma para não realizá-los"
Agradecia ao marido o apoio, mas lá no fundo ela sabia que aquilo não era o bastante. Deveria ser, mas não era. Magno não possuía tanta autonomia assim. E nem ela possuía pois também ouvia a mesma ladainha com os seus pais. Dois adultos que ainda seguiam ordens de pai e mãe pelo o respeito, por mais absurdas que fossem.
" Filha minha, seu sogro tem razão!"_ sua mãe dizia_ "Você e Magno são jovens mas não por muito tempo, então precisavam aproveitar enquanto podem. Desfrutem da saúde e da juventude de vocês e tragam logo esses pequenos herdeiros ao mundo!"
A questão não era sobre se recusar a ter filhos. Mamãe queria... mas talvez não naquele momento. Na verdade ela não via problema algum em ter filhos e estudar ao mesmo tempo. Meu avô é que achava que as duas coisas juntas não combinavam e que ela deveria fazer uma escolha.
"Ou você trabalha, ou você é mãe, querida Heidi"
Agora como uma Aurom, precisava escolher. E ela escolheu. Sob uma pressão psicológica, é claro. Sendo assim, acabou permanecendo apenas os desejos de meu avô: ser uma esposa e uma mãe dedicada, sempre pronta para cuidar da administração da casa e dos pequenos.
Com o tempo, ela foi se tornando quase como uma governanta. Os empregados eram como soldados que realizam as tarefas apenas sob o comando dela. Rapidamente, parecia que minha mãe ia se conformando com seu destino e dava a entender que estava feliz. No entanto, os verdadeiros sentimentos dentro dela se mostraram com força após o nascimento dos gêmeos.
A doença dela é algo que não gosto de falar. E não é pra menos. No fundo me sinto um tanto responsável. Mamãe foi diagnosticada com depressão pós parto. E meu pai só percebeu que havia algo de errado quando a escutava chorar baixinho até dormir ao seu lado na cama. Quando isso parou, e ele achou que era só um simples cansaço mental, a situação se tornou mais preocupante. Nossa mãe começou então a se recusar pegar os bebês no colo, e principalmente amamentar. Nem o choro de fome angustiantes dos gêmeos a fazia mudar de ideia. Ela chorava junto tampando os ouvidos pedindo que alguém calasse aquelas crianças.
Papai a levou a vários especialistas e todos foram unânimes em afirmar que eram só os hormônios. E que antes mesmo de começarmos a engatinhar, tudo voltaria ao normal. Pois bem, engatinhamos, demos nossos primeiros passos, depois vieram também as primeiras palavrinhas e a única mudança que houve na mansão foi a morte do nosso avô quando ainda tínhamos um ano e meio . Um ataque fulminante o levou numa manhã cinza de inverno, e isso só aumentou ainda mais o desalento que a mansão já enfrentava.
Apesar de todo o esforço continuo, o estado depressivo dela não foi embora de maneira alguma. Pelo o contrário, se estendeu por longos e longos anos. Mamãe nunca se curou. Viveu entupida de remédios e trocando de psiquiatra para psiquiatra até o dia em que uma das empregadas a encontrou na banheira submersa no próprio sangue. Nivad e eu tínhamos apenas doze anos quando nossa mãe encontrou essa fuga.
Meu pai ficou em choque. E eu lembro perfeitamente como depois disso as coisas aqui em casa pioraram drasticamente. Uma das primeiras atitudes do pobre viúvo foi dispensar todos os serviçais. Isso mesmo. Ninguém mais de fora trabalharia na Mansão dos Aurom. Segundo ele, não eram tão mais necessários assim. Três pessoas não precisava de um batalhão de empregados. Já eramos bem grandinhos e podíamos cuidar das nossas próprias coisas, segundo meu pai.
A questão era que não havia só camas para arrumar. Numa casa com tantos cômodos havia muito a fazer. Então foi assim que poeira e mofo se acumularam. Não dávamos conta. Até porque, éramos muito criança e só queríamos brincar.
Na verdade, papai não queria mesmo era estranhos perambulando pelos os cantos. E eu desconfiava que essa decisão havia sido tomada justamente para que eles não presenciasse sua prostração e a a nossa falência, e depois, saíssem espalhando pela a cidade o quanto estávamos péssimos.
Quando todos os empregados se foram, estabeleceu-se uma nova ordem: Ficaram proibidas viagens desnecessárias até Peregrino. Em completo isolamento, só íamos até lá quando precisamos abastecer nossa dispensa. E foi numa dessas obrigações que um dia nosso pai não retornou. Aos dezenove anos, nos vimos sozinhos e totalmente perdidos. Era só Nivad e eu naquele casarão a partir daquele momento.
O sumiço de Magno Aurom foi assunto por semanas. E mesmo após tantos anos, continua sendo um grande mistério. Desde então, meu irmão e eu vivemos no casarão sem muitas esperanças de que um dia ele volte. Pra ser honesta, acredito que enfim haja notícias... Agora Nivad... Bem, Nivad acha que sou boba por pensar assim.
A Polícia e nem os melhores detetives foram capazes de desvendar alguma coisa. E Nivad desconfiava que tudo na verdade foi planejado...
"Talvez papai não tenha surtado"_ ele dizia,_" Ele poderia só estar cansado desse lugar... E quem sabe até, de nós Alegna... ué? E porque não?_ Quando via minha cara_ Ele não terá sido o único da família"
Referindo-se a nossa mãe.
Não éramos pessoas ruins, mas as vezes Nivad se rebelava e dizia coisas bem grosseiras desse tipo. Coisas que machucava e que era difícil de ouvir. Meu irmão não se conformava com a ideia de ficar preso aqui somente por satisfazer a vontade de nosso pai. E no fundo eu o entendia, pois deveria ser terrível sentir a juventude clamando por aventuras e não poder atender. Era como se a colina o impedisse de viver e ele sentisse a perca dolorosa dos melhores anos de sua vida. As luzes atraentes e sedutoras da cidade lá embaixo, o chamava o tempo inteiro para apreciar aquela beleza urbana. Mesmo não sendo a maior cidade do mundo. Mas qualquer coisa pra ele, era mais adorável do que paredes mofadas e mobília velha.
Nivad sonhava com uma vida longe da mansão e de todas as lembranças tristes, Mas não podia, porque tinha um pai que o obrigava a encarar a realidade todo santo dia.
Para mim não importava a cidade, não importava as luzes e tão pouco tudo que Peregrino poderia oferecer. Só tinha tempo e disposição para cuidar da casa e da família, e isso nem de longe era um sacrifício.
Minha maior distração era algo simples mas que me deixava bastante satisfeita. Algumas vezes, meu irmão e eu ficávamos na varanda tomando chocolate quente e apreciando a paisagem nebulosa e os vôos rasantes das corujas. Quando escurecia na Colina, a névoa surgia com força junto com a queda de temperatura, e um boa bebida quente aliviava o frio maçante.
Quando Nivad estava de bom humor_ o que se tornou quase uma raridade_ colocava na vitrola discos antigos e ficava cantarolando de olhos fechados enquanto se embalava na cadeira de balanço. Aquilo era um momento único, e eu não ousava interromper ou atrapalhar pois ficava feliz quando o via tão relaxado assim. Tinha muita esperança que fossem determinantes. Sonhava com o dia em que meu irmão deixasse de ser opinioso e birrento, e se esforçasse para amar um pouco mais seu próprio lar.
Me preocupava, porque não éramos mais adolescentes para certos tipos de comportamento. Logo faríamos trinta, e Nivad parecia que ainda estava preso aos treze. Éramos adultos, com a responsabilidade de cuidar do nosso único bem que é esta mansão, e tem horas que me sinto totalmente sozinha sem apoio algum.
Entravamos em conflitos na maior parte do tempo. Principalmente sobre questões referentes a casa. Por ele, já teríamos nos livrado dela desde muito antes do desaparecimento de nosso pai, no entanto, já tentei explicar que seria completamente em vão pôr o lugar a venda. Ninguém se interessaria em morar numa mansão antiga, cheia de reparos a fazer, no topo de uma colina congelante a noite. Sem falar nas histórias que o casarão carregava. Histórias essas que afastaria qualquer comprador (Todo mundo achava que a mansão abrigava os espíritos dos mortos que aqui se foram)
Nivad desejava conhecer o mundo, e eu sabia que enquanto ele não me convencesse disso, continuariam as brigas e discussões.
_ E se papai voltar, Nivad?_ Tentava_ Já pensou nisso? Já Imaginou como seria pra ele retornar e não encontrar ninguém o esperando?... E pior, descobrir que a casa não pertence mais a família? Porque simplesmente um dos filhos decidiu vendê-la?
_ Papai não voltará, Alegna. Se convença disso de uma vez por todas! Ele se foi, minha irmã! E foi porque quis! Porque ninguém aguenta este lugar por muito tempo... Ninguém!
_ Como pode ter certeza do que nosso pai pensava ou não? Você viu, nem mesmo a polícia sabe o que realmente aconteceu com ele. Não há nenhuma comprovação de que ele tenha ido por conta própria, assim como não há nada que indique que ela tenha morrido... Não devemos criar teorias... Isso não nos ajuda.
_ Você alimenta uma esperança tola e surreal porque te machuca menos encarar a existência dos fatos... Mas nosso pai se mandou por livre e espontânea vontade e isso é tão claro quanto essa água que estou bebendo agora... É triste, eu sei, é doloroso pensar nisso, eu também sei, mas é muito melhor pra saúde mental reconhecermos isto... Raciocine comigo, só um pouco: Uma pessoa que amava tanto um lugar, como você própria afirma que ele amava mais do que tudo, já não teria retornado há tempos? Mesmo que estivesse só um pouco cansado de tudo, seis anos não é tempo o bastante para curar a mesmice? Se queria apenas respirar novos ares, acredito que já tenha conseguido... Será, meu Deus, que Já não seria hora de voltar?... A não ser que... Nunca tenha pensado em voltar!...
_ Você só fala bobagens, Nivad... Não sei porque ainda escuto você... Nosso pai deveria estar fora de si! Desacreditar do seu amor por nós chega a ser desrespeitoso! Se ele quisesse se livrar da gente teria incentivado nossa saída daqui no momento que você começou com conversas de ganhar o mundo, e não ter feito questão de permanecemos juntos na colina... Papai estava confuso quando resolveu sair por aí. Deve ter ficado desorientado e não soube mais voltar para casa. Desde que mamãe se foi, ele nunca mais foi o mesmo. Você sabe disso. Nem preciso ficar lembrando. Ele nunca superou a morte dela.
_ Mas eu também acredito nessa teoria, de verdade! Pra ser honesto, acredito em todas as teorias possíveis e impossíveis! Inclusive a de que ele possa ter morrido por aí... Não tem um lago logo aqui perto? Você viu se fizeram alguma busca por lá? Nunca se sabe...
_Nivad! Meu Deus!
_ Meu Deus Porquê? Ele pode ter inventado de nadar e ter se afogado... Acontece o tempo inteiro com muitas pessoas, ué?
_Para Nivad! Chega!
_ Eu sei que parece cruel as coisas que eu falo, mas a verdade é que não importa muito como nosso pai sumiu ou mesmo o motivo... O que realmente importa é que ele não está aqui e parece que não tem retorno... Então, o certo agora seria nós dois deixarmos a Colina pra sempre também... Deveríamos pelo menos tirar essa situação de exemplo.
_ Você é inacreditável! Não tem um pingo de sentimento! Tem horas que eu me pergunto se a gente nasceu da mesma barriga ao mesmo tempo... É sério! Você é uma pessoa horrível as vezes, Nívad! Não há nada de compaixão em você.
Nivad tinha razão. Mas apesar do horror de pensar que os restos de papai poderia estar em algum lugar, eu tinha fé e torcia para que fossem só delírios.
( A polícia também não descartou a possibilidade de um homicídio e abraçaram a ideia com vigor, para ludibriar a própria incompetência e encerrar o caso de vez! )
Após meses vasculhando cada centímetro de Falcão Peregrino, tomando depoimentos de todos os habitantes, não foram suficientes para chegar numa conclusão coinzidente. Polícia fraca, esta cidade possuía. E eu quase disse isso na cara do delegado quando encerrou as buscas.
Lembro que dois anos após o sumiço, numa das minhas descidas até a cidade para as compras do mês, ao entrar pela a porta da farmácia de um dos antigos amigos do meu pai, o seu Jonas, vi duas senhoras a conversar no balcão. Elas não perceberam minha chegada, e se tivessem notado, talvez não se importassem e teriam continuado por maldade mesmo. Pelo o que pude entender, falavam sobre a minha família e como nos achava estranhos e esquisitos. Envergonhada demais com o meu sobrenome na boca do povo, não tive coragem de tomar satisfação ou qualquer outra reação, então simplesmente me escondi entre as prateleiras e esperei que terminassem.
Depois que foram embora, fiquei parada lá, pensativa e distante com as palavras negativa das duas mulheres, sofrendo com aquilo tudo. Estava tão perdida que nem consegui enxergar o Seu Jonas diante de mim, perguntando se estava tudo bem comigo. Ele também ouviu a conversa e quase se desculpou pela a falta de senso das freguesas, e só quando tocou no meu ombro pela a segunda vez, foi que eu consegui saír do transe.
Minhas idas a Peregrino eram tão rápidas que não tive tempo para formar laços de amizade com quem quer que fosse. Mas Seu Jonas e eu tínhamos uma aproximação até razoável. Ele era um pouco mais novo de que meu pai, um homem bom e honesto que trabalhava na farmácia desde que a herdou dos avós e hoje era um dos melhores farmacêuticos da região. Era com ele que sempre comprava as ervas para os chás e os remédios básicos que toda casa deveria ter: soro fisiológico, álcool, géis massageadores, gazes e antissépticos para os possíveis cortes de Nivad durante os concertos dos telhados e principalmente analgésicos e bastante remédios para dormir. Bastantes mesmos! Sim, meu sono era leve e eu precisava deles constantemente.
Durante as compras, trocava ideias curtas com seu Jonas. Nada muito íntimo, apenas dúvidas sobre alguns medicamentos. Eu me interessava bastante sobre o tema, e era o máximo de conversa que eu tinha com alguém fora da casa. Na verdade, eu sofria de uma enxaqueca crônica havia muito tempo, e qualquer remédios que aliviasse o incômodo era proibido de faltar na minha gaveta. Então, sempre que podia, estava abastecendo com analgésicos de todos os tipos.
'Senhorita Alegna, perdoe-me a intromissão, mas a senhorita deveria se consultar com um especialista. Essas enxaquecas precisam ser tratadas com um pouco mais de cuidado e atenção. Como farmacêutico, devo lhe orientar que, ficar apenas auto se medicando, sem descobrir a verdadeira causa, podem trazer malefícios a sua saúde algum dia desses"
Eu soltava um sorriso sem graça e dizia que marcaria uma consulta assim que terminasse as reformas no casarão. Mas isso nunca aconteceu. Os concertos não acabavam e eu jamais procurava um médico. Continuei então me auto medicando e assim fui levando até me viciar completamente em analgésicos e sedativos.
Falando em reparos da casa, eles estavam parados desde o verão passado por conta que Nivad havia se machucado da última vez. Ele tropeçou na caixa de ferramentas e caiu sobre o braço, deslocando a vesícula. Ao voltarmos da emergência, decidimos que seria bom dar um tempo em tudo até ele melhorar por completo. Bom, Nivad melhorou, mas não se empenhou a trabalhar mais na casa. Estava cansado e impaciente.
_O papel de parede no quarto de mamãe está completamente mofado e com infiltração vinda do banheiro.. Precisamos trocar antes que se espalhe pelo quarto inteiro...
_ Depois vejo isso...
_ Faz um mês que você diz a mesma coisa, Nivad.
_ Sabe o que me chateia? É que nessa hora poderíamos estar em qualquer lugar... Mas você prefere se preocupar com papéis de parede que ninguém nunca verá.
_ Sou condenada então por não gastar com coisas triviais e sim com nosso bem estar? É isso?... Porque se for, chega a ser injusto!
_ Viajar, adquirir conhecimento, morar numa casa pequena mas confortável, se divertir um pouco... Essas coisas não são bobagens... Gastar com papéis de parede numa casa caindo os pedaços, talvez seja!
_ Se vovô estivesse aqui, sei que concordaria comigo... Disso eu tenho certeza!
_ E se mamãe também estivesse, estaria me apoiando cem por cento... Disso eu tenho mais certeza ainda!
_ Papai sempre dizia que vocês tinham muita semelhança... Então não duvido que teria mesmo o apoio dela... Ela nunca gostou desta casa.
_ Só nós dois que não parecemos um com outro, né minha irmã? Dividimos juntos um ventre e nem ao menos conseguimos concordar que um simples papel de parede é muito importante para uma casa velha... Bem triste isso, você não acha?
Não só achava triste...
Mas um absurdo.
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