Fogo
⌑⌑⌑
_ Os papéis de parede combinaram perfeitamente com os móveis. Eu gostei...
_ Acabei aprendendo mais do que gostaria sobre decoração
Alegna se aproximou do irmão e sentou ao seu lado na enorme varanda.
Nivad tomava um leite quente enquanto se perdia na paisagem da neblina noturna.
Dois candeeiros iluminavam o espaço, atraindo um grupo de formiguinhas aladas que de vez em quando se emaranhava entre os fios de cabelos de Nívad, deixando-o irritado.
_ Vi que trouxe mais remédios para dormir_ Esmagando os insetos com os dedos cada vez que capturava um_ Precisa procurar um médico, Alegna. Tantos anos com Isso, não é normal.
Ela inclinou um pouco a cabeça, massageando as mãos, ansiosa_ Eu sei... Será que.. Será que se eu mudasse de quarto... Talvez Dormisse um pouco melhor?
_ Sacudindo os ombros_ Tenta pra ver.
Uma das formigas acabou caindo dentro do copo de leite ainda cheio. Nívad esboçou baixinho um palavrão, atirando o intruso para bem longe.
De repente um silêncio, e só o barulhinho de asas entre os dois.
Alegna se ergueu como se alguma coisa a incomodasse e disparou:
_ Pensei no quarto da mamãe...
Nívad se virou, franzindo a testa.
_ Tem certeza disso?
Ela apenas afirmou com a cabeça.
De repente um sorriso sacana dele_ Então foi por isso os papéis de parede novos! Já estava com essa ideia na cabeça!
_ Aquele é o quarto mais confortável da Mansão...
_Não é verdade...
_Eu acho!
Nivad lembrou do que aconteceu no dia que estava pondo os papéis de parede e quis falar sobre. Mas hesitou e só disse. Não queria parecer lunático.
_ Se você acha mesmo que a cura da sua insônia seja dormir no quarto de uma falecida, Quem sou eu para dizer o contrário?_Esticando todo o corpo na cadeira de balanço.
Ele não precisou mais olhar na direção dela pra saber que estava aborrecida.
_O que foi?_ Disse, ainda sem encarar e começando a se balançar_ Falei alguma coisa errada?
_ Estou indo dormir!_ Deu um suspiro e se dirigiu para a entrada. Quando pareceu lembrar de algo, se virou novamente_ Mas antes, preciso pedir: vê se não fica acordado até muito tarde... Amanhã é dia do Senhor Menezes chegar bem cedo, e você sabe muito bem que eu prefiro que os negócios sejam feitos diretamente com você. Não gosto do jeito dele. Sempre tenta tirar vantagem comigo. Nunca aceita o preço justo por nada.
Nívad continuou se Balançando em silêncio enquanto ela desabafava:
_Fico surpresa que ainda tenha restado alguma coisa nesta casa! Aquela última vez em que ele esteve aqui, saiu arrastando tudo que encontrava pela a frente. Nem os broches de estimação do vovô foram poupados! É inaceitável que coisas tão valiosas sejam dadas quase de graça! Se tivéssemos oferecido para qualquer outra pessoa, teríamos saído com uma boa quantia.
Nívad permanecia quieto.
_ Não me sinto nada bem..._ Prosseguiu_ Tendo que vender tudo desse jeito...
_ Não podemos nos dar o luxo de se apegar a qualquer coisa dentro dessa casa, Alegna..._ Interrompeu, suspirando aborrecido_ Não temos muita escolha... Se pelo menos alguém me desse a chance de um emprego de verdade... Mas ninguém confia em um Aurom por nos achar esquisitos demais... Eu penso que pertencer a esta família é quase uma maldição_ Refletiu, bebendo um último gole de leite, esquecendo totalmente das formiguinhas submersas minutos atrás.
_ As vezes também me sinto como se tivesse sido marcada, Nívad mas ...
_ ...Mas você não liga!.. já sei desse discurso de cor e salteado._ Completou.
Alegna quis tocar o ombro do irmão pela a tristeza dele mas se conteve rapidamente..
_ Boa noite.
Quando a irmã saiu, se inclinou o bastante para olhar o interior da sala, com olhos enfurecidos. Depois, como num ato de loucura, lançou o copo de vidro em um dos candeeiros, deixando a sombra recair sobre sua pele fria e seu sangue quente.
⌑⌑⌑
Nívad ouviu as batidas na porta na manhã do dia seguinte e soube que seria Menezes, o tal Negociante Detestável de Alegna.
Ela suspirou aliviada quando o irmão se ergueu para atender o velho, e se dirigiu imediatamente para a cozinha afim de não encontra-lo pois odiava com força esses encontros.
Nívad foi até a entrada sem muita pressa enquanto apagava um cigarro que ele próprio tinha feito, e ao abrir, se surpreendeu com um estranho parado em sua soleira.
_Olá, Bom dia!_ Sorrindo com energia_ Desculpe o incômodo de ter vindo assim sem avisar mas é que eu precisava falar com a senhorita Alegna... Por acaso ela se encontra em casa?
Nívad Franziu a testa enquanto o encarava:
_ Algum problema?
_ Não, não há problema algum.... _ O homem tranquilamente estendeu a mão num cumprimento formal_ Deixe primeiro que eu me apresente... Me chamo Guilherme... Sou sobrinho de Jonas, o farmacêutico... Você deve conhece-lo, é claro!.. No momento sou eu que estou cuidando dos negócios dele até que retorne de uma viajem e então....
_ Pensei que Jonas não tivesse ninguém..._ Interrompeu Nívad.
_ Você não foi o único que pensou isso_ Riu_ Parece que meu tio é um homem bastante discreto. Não gosta muito de falar sobre a família..._ Deu de ombros_ Tem gente que é assim, não é mesmo?... E você, deve ser o irmão da senhorita Alegna, estou certo?
_ Pelo visto já lhe deram a lista de todas as atrações da cidade... _ Ironizou_ Mas é isso mesmo... Sou o irmão dela... Nívad..._ finalmente ofereceu a mão.
_ É um prazer, Nívad..._ apertaram as mãos_ Bom, não quero muito tomar o seu tempo... Mas é que realmente não podia deixar de vim..._ Tirou do bolso cartelas de compridos_ É um dos remédios de sua irmã... Acabei me atrapalhando na última vez em que ela esteve na farmácia e esqueci de colocá-los na sacola junto com os outros... Um descuido imperdoável, confesso! Mas que logo quis concertar. Afinal, não quero que os clientes do meu tio pensem que ele deixou um distraído cuidando dos negócios.
Nívad pegou os comprimidos e agradeceu.
E antes que fechasse a porta na cara dele, Guilherme se prontificou _ Só mais uma coisinha que eu gostaria de acrescentar..._ Pós as mão no bolso do casaco novamente, mostrando outra caixa de remédio_ É uma nova fórmula, cem por cento natural... Uma pequena amostra para a Senhorita Alegna... Acho que vai ajudá-la bastante com a insônia... Melhor do que qualquer um desses outros que ela vem tomando.
_Aposto que ela vai adorar_ outra vez com ironia.
_ Mas não seria melhor que eu conversasse sobre a bula com ela? Talvez queira tirar alguma dúvida...
Nesse instante, outro homem aparece de repente no meio do jardim. Um velhote calvo e corpolento e de óculos grandes.
_ Nívad, meu caro! Não me diga que encontrou um outro comprador?_ Limpando os óculos com a borda do paletó.
_ É só umas entregas da farmácia, Menezes... Não é um concorrente... Gostaria que fosse, mas infelizmente só temos você.
Menezes riu e os dois visitantes se deram a mão em cumprimento.
_Então sua irmã continua tendo aquelas dores de cabeça?_ Se dirigindo para Nívad enquanto colocava os óculos de volta.
"Não é da sua conta!"
_ Parece que sim... Inclusive, hoje, será um dia em que as enxaquecas aparecerão com força total.
Lembrando o quanto ela sempre ficava mal quando algo de importância era levado por Menezes.
O velho tossiu.
_ É, eu já percebi que ela não gosta muito de mim ..._ Tossiu novamente _ Me Desculpem..._ Pegou um lenço para tampar a boca_ O vento e a poeira dessa região acaba comigo...
_ Passe na farmácia depois... Conheço um bom xarope_ Guilherme tentando ser gentil.
_ Oh!sim! Irei com certeza! Meus remédios para asma estão quase no fim. Preciso mesmo comprar mais.
_ Será muito bem recebido... Bom, agora deixem-me ir antes que os clientes pensem que não vou abrir a farmácia hoje..._ Sorriu_ Foi um prazer conhecê-los, senhores... Até logo e tenham um excelente dia!.. E o senhor..._ Se dirigindo a Menezes_ Cuide bem dessa tosse. Estarei esperando sua visita.
Menezes acenou com a cabeça.
E depois que Guilherme sumiu na paisagem, Menezes comentou que
era a primeira vez que via os irmãos receberem uma visita.
_ Quem não gostaria de uma hipocondríaca como cliente de uma farmácia?_ Brincou Nívad com certa seriedade_ Não tem jeito. Todo mundo aproveita uma situação quando lhe é conviniente, não é verdade?
Nívad alfinetou e Menezes mordeu a isca.
_ Não me sinto um aproveitador... Se foi isso que tentou dizer.
Os dois foram entrando juntos pela a sala.
_ A maioria das coisas que já lhe foram oferecidas são raras e valiosas... E o senhor sempre oferece uma mixaria por elas... Que nome se dá a isso?
_ A lei da procura e oferta... Mas veja, pelo menos sou discreto... Não saio por aí falando da situação de ninguém... Outra pessoa talvez não agisse assim.
"Então devemos lhe agradecer? Ah qual é? Não venha com essa, velho safado! Se saísse por aí contando sobre nossas dificuldades não faria diferença alguma! Falcão Peregrino inteira já conhece a história de falência desta família há muito tempo!"
Nivad mostrou antipatia ao comentário e entrou para a sala de jantar sendo seguido pelo o homem. Retirou um bonito vaso de dentro da cristaleira e mostrou a ele:
_ Um presente de casamento de um lorde francês a minha bisavô... Com certeza deve valer alguma coisa.
Menezes ajeitou os óculos examinando o objeto com desdém.
_ Vale... Se for do século quinze e pertencer alguma dinastia... E por mais que seus bisavós fossem da elite, nós sabemos que não pertence.
Nívad colocou de volta o vaso no lugar erguendo as mãos como se dissesse" Ok! Você está certo" e Continuou:
_ Acho que tem algumas caixas no porão... Lembro que quando era criança, havia bastante tralha por lá... Talvez exista algo antigo que você se interesse...
_ A umidade destruiu tudo!_ Alegna entrou de repente.
Os dois olharam pra ela entre a soleira da sala em que estavam.
_ Pelo visto não sobrou muito. Quase tudo que poderia ser vendável, já levei comigo. Não vejo mais sentido minhas vindas até aqui. Não tem nada que possamos fazer negócio, Nivad.
Nívad se apressou, abrindo todas as gavetas e portas dos armários.
_Sempre tem alguma coisa... Essa casa e tudo nela tem história... E as pessoas gostam disso...
Nívad realmente parecia desesperado.
_ Ninguém liga pra cerâmica ou coisas parecidas, meu rapaz... O único público que daria um bom dinheiro por peças iguais a esta na maioria estão velhos demais para decidir sobre a própria carteira... E eu também já estou cansado de tentar convencer os jovens de que história é importante..._ Nívad parecia que não escutava nada do que ele dizia, apenas continuava procurando_ Olha, Nívad, andei pensando durante algum tempo e acho que deveríamos encerrar isso de uma vez... Lamento dizer isso mas, o que restou, não me interessa tanto assim, meu filho. É hora de darmos um ponto final nisto. Deve procurar outro meio de ganhar dinheiro. Esse lugar não tem mais nada a oferecer.
_Não! Espere!... Eu lembrei que Meu pai era amigo de um importante alfaiate em Milão..._ Nívad com olhos brilhantes como se tivesse acabado de pensar numa grande ideia_ E as vezes em que o visitou, trouxe os melhores ternos com ele... Se não me engano, acho que esse tipo de coisa faz o maior sucesso em brechós, não faz?
_ Nívad! Não!_ Alegna entrou de uma vez agora.
Olharam pra ela novamente e logo foi ignorada.
_Realmente... Há pessoas que pagam um bom preço em roupas usadas só por serem requintadas e de grife.
_ Mas não estão a venda._ Ela rebateu_ Meu irmão só está brincando. E se o senhor já quiser ir, fique a vontade. Hoje realmente não há nada por enquanto. Mas prometo que maís tarde darei uma boa vasculhada nos cômodos dos fundos e se eu achar alguma coisa de especial, pedirei a Nívad que lhe avise sem falta .
Nívad ficou embasbacado enquanto ela praticamente expulsava Menezes até a saída.
_ Mas o que foi isso?_ Assim que ela retornou, passando pela a outra sala_ Porque não deixou que eu vendesse os malditos ternos, Alegna? Por um acaso você ficou maluca? Não podemos dispensar dinheiro assim!
_ Quando nosso pai voltar, com certeza vai querer suas roupas no mesmo lugar que deixou_ Encarou o irmão com firmeza_ Por isso não ouse mexer nelas, está me ouvindo? Pode esquecer essa ideia agora!
Nívad ficou boquiaberto, pensando no quanto a irmã era irracional.
Mas Nívad também sabia ser.
Então, furioso, correu até às escadas passando voado por ela. Entrou no quarto dos pais e abriu o armário de roupas tirando com agressividade os ternos. Juntou todos e os carregou, descendo as escadas.
Alegna, que vinha atrás dele, parou no meio da escadaria quando o irmão voltava como um louco com trouxas nas mãos. Perguntado sobre o que estava fazendo, Nívad simplesmente a ignorou, quase topando nela.
Ela o seguiu, gritando que ele não podia vender os ternos do pai e que não ia deixar isso acontecer de jeito algum.
Mas Nívad não estava pensando em vendas. Agora ele só precisava descontar aquela frustração em alguma coisa.
Passou pela a cozinha e pegou algo que Alegna não conseguiu identificar, e só depois se dirigiu
a porta da entrada. Foi até o meio do jardim, sempre acompanhado da irmã barulhenta, jogou os ternos no solo, tirou um isqueiro do bolso ao mesmo tempo que jogava um líquido sobre as roupas e depois lançou o isqueiro aceso nelas.
Alegna pões as mãos na cabeça, dando um grito forte ao ver as chamas. Horrorizada, quase se sufocou nas próprias lágrimas.
Nívad não se comoveu nem um pouco. E nem podia. Estava furioso demais pra qualquer sentimento mais singelo. Ele apenas se virou quando cansou de olhar pra bela fogueira feita de seda e linho. E ao passar pela a irmã, indo em direção a casa, soltou a frase com uma frieza que nem sabia que era capaz:
"Se não serve pra pôr comida na mesa , então é totalmente inútil"
deixando-a depois sozinha.
Alegna caiu sobre os joelhos, enquanto sua alma era devorada pelo o fogo cruel da barbaridade do irmão.
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