Fantasmas Não Existem


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Todos os dias, antes de partir bem cedo para a cidade, Nívad fazia um grande e insuportável favor a irmã.

Levava Menezes para usar o banheiro.

De punhos amarrados a uma corda que o ligava a Nívad, o pobre homem realizava uma verdadeira acrobacia para poder manter um mínimo de privacidade durante suas necessidades fisiológicas.

No entanto, não era só ele que concordava que aquilo era humilhante. Nívad também achou a missão diária desagradável e repugnante. Mas infelizmente era algo que realmente Alegna não conseguiria realizar sozinha então...

E além dessa tarefa asquerosa, ficou também encarregado de servir o desjejum, que não passava de um simples pão seco e um café ralo e amargo.

Precisa me ajudar com ele. Não dou conta de tudo sozinha, Nivad

A grana que Nívad ganhava com os bicos pela a cidade, não era grande coisa. Não dava pra gastar com pequenos luxos ( Nem pra eles! Imagine então para mais alguém!) E o que encontrou na carteira de Menezes, outro dia, já tinha ido embora por conta da saúde detonada do próprio. Eram muitos remédios para a pressão, diabete, e uma variedade absurda de xaropes para tosse e asma.

Já fazia várias semanas que Menezes estava sob o poder dos irmãos. E durante esse tempo, só crescia a certeza dentro de si, que as chances de libertade, eram pequenas. Ele precisava implorar e se humilhar bem mais do que antes pois se sentia perdido e doente a cada dia. Já tinha pedido desculpas milhares de vezes e que não procuraria a polícia, caso o soltasse, no entanto, nada disso adiantou.

Os irmãos se mostraram irredutíveis!

Num desses dias de cansaço e desespero, e idas depreciativas ao banheiro, Menezes tentou mais uma vez. Mas buscaria uma nova abordagem, incluindo algo, que desde que passou a morar na casa, forçadamente, chamava quase sempre sua atenção.

Quem sabe, esse não era o ponto que faltava?

_ Você ainda... Ainda insiste na ideia da venda dessa mansão?_ Começou, enquanto era amarrado sem muito trato de volta a cama. Mesmo diante do silêncio de Nívad, decidiu prosseguir_ Ainda pensa em deixar este lugar?

_ Porquê?_Nívad Indagou, num tom meio debochado _ Acha que eu preciso de você pra isso agora?... Que eu lembre, nunca se interessou em ajudar nesta questão... Só o que importava, era sua mercadoria de brechó!

Nívad terminou os últimos nós e sentou na cadeira ao lado, jogando o corpo de uma vez.

_ Eu nunca acreditei que essa casa seria vendida... E bem lá no fundo, você também não acredita._ Disse Menezes com receio mas demostrando sinceridade.

Nívad cruzou os braços, fingindo interesse... Ou não.

Veremos até onde o miserável quer chegar! Continua, filho da mãe! Me diverte muito seu empenho em tentar escapar daqui!

_ Você sabe que a venda será impossível... E não porque a Mansão é antiga ou acabada ou porque está num lugar de difícil acesso... Ou mesmo pelas as malditas histórias que aconteceram nela...

Nívad permaneceu em silêncio.

_ Os barulhos que este lugar traz... É de perder o juízo!_ Acrescentou com olhos esbugalhados, como se estivesse contando um grande segredo que talvez nem fosse tão segredo assim.

Nívad suspirou levemente.

_ Estamos no topo da maior colina dos arredores de Falcão Peregrino... Ventos que atingem velocidades de trinta e seis á quarentena e quatro quilômetros por hora! Isso, numa noite sem chuva! E o senhor, queria mesmo, que uma casa desse tamanho, constantemente atingida por fortes ventanias assim, fosse de fato silenciosa?_ Quase riu, se erguendo num pulo_ Além do mais, nada disso é motivo pra perder qualquer esperança... Um reforço bem feito nas janelas e portas... Uma reforma no telhado, e eu garanto que ninguém nunca mais precisará se preocupar com esses problemas. Algo bastante simples de resolver.

_  Não é só vento batendo em janelas..._ Rebateu depois de um segundo, fitando Nívad como se soubesse da sua falta de honestidade.

O rapaz franziu a testa novamente e se ergueu, dando alguns passos a frente, começando realmente a ficar irritado com aquela história sem sentido.

_ Precisa ser mais claro... Porque não faço ideia do que está tentando dizer.

_ Nívad, meu caro... Você sabe que não é coisa da minha cabeça. Passou sua vida inteira abaixo deste teto miserável... É impossível, que nunca tenha ouvido!

_Mas ouvido o quê, criatura?... _ Deu de ombros.

_ Ruídos..._ Insistiu, em sussuros_Passos, pequenos, virando a madrugada a dentro... Murmúrios... E muitos choros... Muitos choros contidos!

_ Pobre homem!_ Balançando a cabeça com pesar_ A clausura está realmente deixando você completamente louco, Menezes.

_ Você não pode afirmar porque se comprometeria..._Continuou_ Mas eu posso ajudar você com isso, Nívad!... Será que você não percebe? Esta é a única coisa, que seria capaz de impedi-lo de se livrar da casa!

"Se comprometeria?" Do que esse alienado está falando?

_ Então é isso! A casa está repleta de fantasmas!_ Nívad sorriu, abrindo os braços, achando a conversa doida mais engraçada_ Você acha mesmo que ninguém compraria uma casa mal assombrada?... Pois bem, EU compraria!... Ora, qual é? Deve ser divertido! Já pensou? De repente, enquanto você dorme, vem uma alma penada lá do além e... Enforca teu pescoço!_ Fez um gesto como se fosse esganar Menezes, caindo na gargalhada depois_ Meu Deus! Mas quem em sã conciência abriria mão disso?

_ Está lutando..._ Com seriedade mesmo diante do deboche do rapaz_ Usa de piadas mas  trava uma batalha diária para não encarar o que está bem diante dos seus olhos...  Também fiz isso, no começo... Tentei me convencer de que era só a minha mente... Mas nós dois sabemos, que é bem mais do que simples ventanias e tempestades... Ou fantasmas, que assolam este lugar.

Por um instante, Nívad lembrou daquele episódio no dia que estava pondo os papéis de parede no quarto da mãe, mas rapidamente mudou a direção do pensamento, antes que caísse nas armadilhas de Menezes.

_ Não acredito em nada dessas coisas, velho. Só acredito no que posso ver e tocar. Então, sendo assim, acho que não vou precisar de sua ajuda pra isso..._ hesitou, com as mãos no queixo_ Mas confesso, que até conseguiu atiçar minha curiosidade... Que tipo de ajuda me ofereceria, afinal?... Me indicaria um exorcista?... Seria essa, a grande solução?

_ Não adianta tampar o sol com a peneira...  E tão pouco os ouvidos durante a noite _ Olhou com firmeza depois de um segundo_ Porque eles sempre estarão lá, clamando! Ignorar, não torna a situação mais tolerável... Sei disso, porque eu tentei!

Nívad o encarou, pensativo, e saiu. Retornando rapidamente com alguns comprimidos.

_ Isso é capaz de derrubar qualquer um em segundos._ Pondo na boca dele junto com um gole de água. O homem nem teve a chance de recusar_ Minha irmã que o diga!... Engula! Será bom pra você... Fará com que descanse um pouco. Compensando a noite mal dormida... E afastando os fantasmas.

Na verdade, é porque hoje teremos visitas. E não queremos que você estrague tudo, seu velho desgraçado! Caso decida gritar feito um louco.

A visita, no caso, era Guilherme.

Ele viria tratar dos últimos retoques para o casamento ainda naquele dia. E é claro que Nívad não gostaria que o noivo descobrisse sobre o homem mantido em cativeiro na casa da futura esposa. O grande momento finalmente estava chegando, e nada poderia sair errado.

Apesar da celebração está tão em cima da data, Nívad acreditava que antes mesmo, já terão conseguido um resultado feliz para todos em relação a este contratempo. Sendo assim, parecia não muito preocupado. E pelo visto, sua irmã também não. No início, ela até se sentia aflita, mas de tanto Nívad assegurar que arranjaria uma saída, ela se permitiu ficar mais tranquila, deixando cegamente nas mãos dele. Dando enfim, a devida atenção apenas ao preparativos de sua festa.

_ Aproveita pra sonhar com coisas mais suaves _ Brincava Nívad_ Talvez até, com a sua liberdade.

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