Chaves

«««

Nívad estava furioso por inúmeros motivos mas principalmente pela a irmã ter mentido sobre Menezes. Efetivamente, achou totalmente desnecessário que ela tenha escondido a verdade. E não entendeu de forma alguma porque ela teve que fazer isso.

Então o seu próprio irmão não era de confiança?

Afinal não fui eu que sempre esteve confinado aqui com ela desde que éramos crianças?

Nívad gostaria de dizer coisas parecidas assim a ela mas esperou o momento em que estivessem sozinhos.

E quando percebeu que Guilherme não se encontrava em casa durante aquela hora, foi rapidamente assuntar com a irmã.

Alegna estava na varanda. Tentando se livrar da enorme quantidade das folhas secas que eram arrastadas pelo o vento. Todas as manhãs, galhos se juntavam, bloqueando a entrada e deixando a passagem inacessível, no entanto, ela não se incomodava de realizar essa atividade contínua. Era fato que amava até mesmo os pequenos estorvos da casa. Incompressível talvez para alguns, não para ela.

Nívad chegou, acendendo um cigarro. Apoiou uma das pernas na coluna e ficou a observava-la enquanto espalhava a fumaça entre eles. Ela não fez nenhuma menção a presença dele, continuando assim seu serviço. Mas não ignorou o fato dele estar fumando e desenvolveu imediatamente uma pequena e curta crítica a isto.

_ Há circunstâncias que nos obriga a acabar com o fígado, minha cara irmã..._ Rebateu_ Mas como estávamos sem cachaça, optei por acabar com os pulmões com o que eu tinha_ Terminou, dando uma forte e demorada tragada, olhando diretamente para o horizonte de céu aberto.

Alegna continuou não dando muita atenção e prosseguiu, juntando agora todas as folhas numa sacola plástica.

Nívad direcionou-se novamente para a irmã enquanto chacoalhava as cinzas da bituca tranquilamente:

_ Falando em corpo... Que fim vocês deram ao do velhote?

E finalmente, com essa indagação, conseguiu que ela se concentrasse nele.

Instantemente, ela ergueu o pescoço, encarando-o com extrema surpresa.

_ Não me olhe assim..._ Levantando os braços na defensiva_Seu marido que não sabe segurar a própria língua.

_ Tivemos que enterra-lo!_Ela respondeu, um tanto retraída,  mas também com bastante firmeza, após um segundo.

Ele se aproximou devagar, agachando-se diante dela.

_ Onde?

Alegna não respondeu.

E nem precisou.

Estava escrito na sua testa em letras garrafais.

_ Você não fez isso, fez?_ Ele, ao decifra-la_ Não aqui? Junto da nossa família?

_ Guilherme achou que seria algo menos trabalhoso..._ A garganta fez um bolo duro de engolir diante do julgamento impiedoso no olhar do irmão, mas conseguiu prosseguir_ E também mais seguro!... Era arriscado ir até a floresta... Você sabe... Alguém... Alguém poderia nos ver.

_ Alguém quem, Criatura de Deus? Quem testemunharia uma parada como essa, num ambiente isolado que nem a floresta dos arredores da Colina?... Grilos e sapos? Só se for!_ Ele quase riu, erguendo-se rápido. E depois de pensar um instante, como se dissesse pra si próprio, comentou: _ Mesmo que não me dissesse, que a ideia não havia sido sua, eu saberia... Porque você jamais, deixaria alguém como Menezes, ocupar os tão Sagrados Jazidos. Precisou mesmo que alguém a convencesse!

Ela se manteve em pé, segurando as bordas da sacola, apertando-as forte.

Nívad estava com a razão.

A conhecia profundamente para falar com tanta precisão sobre os sentimentos dela. Realmente, sozinha, não teria feito daquele jeito. Mas preferiu não se aprofundar nisto com o irmão, e decidiu mostrar que apoiou as decisões do marido sem de fato ter ficado contrariada consigo mesma.

_ Guilherme facilitou uma situação que já se encontrava sem jeito._ Defendeu.

_ Tudo bem! É mesmo admirável que tenha encontrado uma solução tão prontamente sem que entrasse em pânico..._ Nívad saltou as sobrancelhas rapidamente_ Mas tentar esconder isso de mim é o que não entendo.

_ Ele não quis preocupar você. Só isso. Não é tão difícil compreender.

_ Se era essa a intenção... Não rolou!_ Tragando pela a última vez, jogando o cigarro fora, antes de cruzar os braços_ Segui assombrado, com a maldita certeza de que há qualquer momento, a polícia entraria por essa porta nos dando voz de prisão!... Era um tormento, Alegna! Porque nos meus piores pesadelos, Menezes surgia junto a um batalhão de civis fortemente armados neste jardim! Acusando a gente de todos os tipos de crime... E o pior e mais insuportável, estava sempre acompanhado daquela tosse desgraçada e daquele riso debochado e irritante que só o filho da mãe tinha!... Cenas realmente infernais! Rodando na droga da minha cabeça dia e noite enquanto vocês dois  dormiam feito anjinhos, sabendo do paradeiro do miserável o tempo inteiro!

_ Não era nossa finalidade mesmo, acredite!_ Depois de um segundo, e realmente se sentindo mal por ele_ Só tinhamos em mente te poupar dessa história... E se eu concordei em não te falar nada, foi porque que de fato, vi que era o melhor a fazer.

_ E como aconteceu, afinal? Você por um acaso, desconfia mais ou menos o que gerou a morte dele?_ Nívad, retraindo rapidamente os ombros, curioso.

_ Sem sombra de dúvidas foi algum dos seus problemas que se agravaram... Você não lembra? Não havia um só dia em que aquele homem acordasse disposto.

_ Engraçado..._ Hesitante_ Guilherme não tem o mesmo pensamento. Ele não acha que tenha sido só a saúde debilitada.

Alegna o olhou, curiosa e desentendida.

_ Como assim?

_ Ele pensa totalmente diferente... Suspeita que talvez tenha sido uma mera distração na administração de alguns dos remédios, tipo, algo que ele não pudesse tomar, sei lá..._ Dando de ombros_ E pode até ser que fosse mesmo alérgico algum componente... Não tinha como saber, não é verdade?

_ Eu jamais erraria com isso!_ Disse com um tom de voz altivo_ Sempre dei os mesmos remédios que ele já tomava e que era de costume dele!

_ Exatamente o que eu disse... _ Nívad com maldade_ Foi então que aí, se cogitou que não tenha sido só uma falta de atenção mas...

_ Mas o quê?_ Disparando impaciente.

_ Proposital.

Alegna ficou em choque.

Como assim de propósito?

Ela jamais daria remédios errados no intuito de acabar com a vida de quem quer que fosse! Fora isso, era doloroso também imaginar que Guilherme tenha  pensado isso dela.

Que tipo de pessoa ele achava que ela era?

Meu Deus! Eu não sou uma assassina!

Que horrível pensarem isso de mim!

Como pôde, Guilherme? Sou sua esposa, caramba!

Alegna estava decepcionada com o marido de um jeito que não gostaria e que nunca pensou que um dia ficaria. E acima de tudo, se sentia magoada e até um tanto traída. Se ele realmente estava pensando dessa maneira sobre ela, porque ele mesmo não veio tirar todas as suas dúvidas? Ao invés de ficar com fuxicos e suposições absurdas com Nívad pelas as costas dela?

Nívad, ciente de que tinha plantado a sementinha da discórdia, deixou a irmã  sozinha na varanda presa a reflexões. Aproveitou então para sair pela tangente antes que ela percebesse sua artimanha.

Gentilmente, retirou a sacola repleta de folhas mortas das mãos dela e as carregou para os latões de lixo lá fora para depois fazer uma bonita fogueira.

_ Deixa eu lhe ajudar com isso, querida irmã..._ Sorrindo, vitorioso.

Alegna ainda ficou por longos minutos alí, pensativa e tão desolada que sequer sentiu quando a sacola foi tirada de suas mãos.

Estava entre acreditar ou não em Nívad.
E pior, no quanto Guilherme realmente confiava nela...

E no quanto Guilherme realmente era uma pessoa confiável.

________

Alegna passou os dias seguintes calada e mais quieta como de costume.

Toda aquela história de ser uma possível assassina, não saía da mente dela. Guilherme, por sua vez, não deixou de reparar o distanciamento da esposa. Mas culpou isso aos últimos acontecimentos sobre a notícia da venda da mansão. Então preferiu não incomoda-la com perguntas em que achava que já sabia as respostas, e a deixou a vontade para se abrir quando sentisse que deveria.

Desde aquela conversa na varanda, Alegna voltou a ter os mesmos sonhos que tinha com a mãe quando houve o suicídio.

Eram pesadelos em que se via naquela mesma cena do banheiro repetidas vezes, onde  as solas dos pezinhos se congelava com o sangue da mãe. Depois disso, surgia a mais assombrosa lembrança da camisolinha de estampa de ursinho se encharcando vagarosamente com o líquido viscoso. E por último, o cheiro forte de sangue fresco que seguia subindo pelo o seu pequeno pescoço. E era este o detalhe que sempre a fazia acordar no meio da madrugada com aquela ânsia de vômito terrível. 

Como sonhos podem ter cheiros tão reais? Como isso é possível, meu Deus?"

Se levantava pra tomar um pouco de água e ficava na cozinha até se acalmar totalmente.

Alegna já não lembrava como era ter esses pesadelos há algum tempo. Mas ultimamente começou a tê-los e rapidamente se familiarizou novamente. Isso a deixava bastante deprimida durante o dia. Mas optou por não conversar sobre o assunto com ninguém. Principalmente com quem a considerava uma assassina. Então guardou para si as próprias inquietações e seus terrores noturnos.

Alegna estava cozinhando numa manhã dessas, talvez pensando em seus sonhos em forma de lembranças quando o marido chegou beijando seu pescoço. Ela não se esquivou ao carinho mas também não retribuiu, e logo se retirou, dizendo que iria até a hortinha colher pimentões e salsinha para incrementar ao molho. Guilherme então balançou a cabeça entendido, se dirigindo até o filtro pois sentia sede.

Nesse tempo, enquanto engolia o líquido do copo devagar, notou o rolo de chaves que nunca saíram do bolso de Alegna, exatamente sobre a pia. Era um arco de metal meio enferrujado, entrelaçado a várias espécies de fechos e trancas de tamanhos diferentes e aspectos bastantes envelhecidos.


Guilherme pôs o copo próximo as chaves e deslizou as dedos sobre elas, imaginando quantas entradas daquela casa ainda não tinha estado porque não teve acesso e nem tempo. Isso porque o trabalho na farmácia lhe consumia inteiro, e era preciso sempre estar na cidade. No entanto, era estranho pensar, que estando meses morando numa casa, não conhecia nem metade dos cômodos, simplesmente porque não teve um momento propício para explora-los.

O máximo que já tinha visto, era justamente os únicos em que Alegna não mantinha trancados: No caso, o quarto deles, dois banheiros no compartimento de cima, a biblioteca, um banheiro pequeno na parte de baixo, a cozinha e a sala de jantar. Todo o resto, eram como tesouros cuidadosamente acobertados. 

Guilherme realmente gostaria de tirar algumas horas para conhecer o lugar que agora se fazia morada. A mansão, atualmente, é claro, não se apresentava muito convidativa a uma peregrinação mais profunda em seu interior como nos tempos de glória, mas seria um tanto sem sentido não se unificar a ela, agora que fazia parte. E

Enquanto pensava seriamente nisso, percebeu a presença de Nívad, adentrando pela a cozinha em direção a garrafa de café.

Ele se serviu, e agradeceu aos céus a oportunidade perfeita de pegar Guilherme com aquelas chaves nas mãos.

O universo estava mesmo conspirando ao meu favor!

_ Alegna esqueceu das chaves?_ Num tom divertido_ Isso é o que eu chamo de um verdadeiro milagre! Ela não larga isso por nada!

Guilherme colocou o chaveiro de volta sobre a pia imediatamente.

_ Ela já volta. Só foi até a hortinha.

_ Nem lembro mais onde deixei as minhas... _ Enchendo mais a xícara_ E nem me preocupo com isso! Até porque, não vejo necessidade de ficar carregando um turbilhão de chaves o dia inteiro pra cima e pra baixo dentro de casa. Só a Alegna mesmo!_ Balançando a cabeça negativamente, sentindo que quase queimou a língua com a bebida quente_ Mas acho que entendo... Deve ser a maneira que ela encontrou de se sentir mais dona da casa... E pensar, que de alguma forma, estará sempre no controle de tudo.

Guilherme manteve-se calado, bebendo o resto da sua água.

_ E você?... Também leva as suas consigo pra todo canto?_ Rindo, enquanto tomava o último gole do café e dando a cartada final.

_ Sim... Mas não tenho tantas assim...

Na verdade, Guilherme só tinha a chave da porta principal.

_ Ué? Você também não mora aqui? O certo é que tivesse a cópia de todas as chaves da casa!_ Nívad mostrando-se indignado_ Mas não se preocupe, cunhado, cuidarei disso. Vou providenciar as cópias de todas elas pra você. Pode deixar.

Guilherme continuou calado. E Nívad, constatando que obteve sucesso no veneno que foi jorrado, se retirou, dizendo que gostaria de continuar com o café e com a boa conversa mas precisava ir até a cidade finalizar alguns serviços.

Saiu então assoviando, sentindo verdadeiramente que logo veria os resultados das suas investidas maliciosas em cima do casal.

Alegna, de um lado, duvidando dos sentimentos do marido por acha-la capaz de matar. E agora Guilherme, por não ter a certeza de que a esposa também lhe considerava como parte da família e um Aurom como os irmãos.

Bastava agora apenas sentar e assistir o casamento desandar com as tempestades de incertezas vindo na direção deles.

Afinal, era preciso reparar o erro de achar que em algum momento Guilherme o ajudaria a se livrar da casa. Pois Guilherme pensava como Alegna e jamais abandonaria o lugar também. Ele havia deixado isso bem claro naquela noite durante a feirinha de livros na conversa que tiveram dentro do carro.

Ainda bem que Nívad era uma pessoa perspicaz. Não desistia fácil. Ele tinha a confiança de que nada estava tão perdido assim. E apostaria com força na jogada de pôr os dois um contra o outro. Pois a melhor forma de conseguir o que tanto desejava, tinha mais a ver com a desunião dos dois, e não o contrário. 

E honestamente, estava furioso consigo mesmo por ter achado alguma vez que a irmã estando casada e feliz, lhe daria carta branca para alguma coisa. Mas que bom que ele era destemido e inteligente o bastante para concertar esse grande equívoco.

____

"Chega! Não dá mais!... Esse maldito cheiro e essas malditas lembranças durante as madrugadas, vão acabar me enlouquecendo completamente!... Eu não posso mais evitar! Eu preciso gritar... Me esgoelar!... Preciso que o mundo saiba que estou prestes a explodir!... É sério! Meu coração está se desmanchando rapidamente e está levando minha alma junto!..."

Um uma pequena pausa para um pequeno choro.

"... Mas a quem recorrer?... Me diga... Quem?... Meu marido... Acha que sou uma assassina!... E Meu irmão... Meu irmão é um perfeito idiota!..."

"Meu Deus, meu Deus, nunca me vi tão  sozinha como agora!... Me sinto tão vazia... Tão perdida!   Estou totalmente inundada dentro de antigos tormentos outra vez... Isso não é justo!"

Choramingando mais profundamente.

"Eu era só uma criança!... Não deveria ter sido poupada daquilo tudo? Porque tive que carregar nas costas toda a dor dela?..."

Suspirou, limpando a face.

"Como queria acreditar que ela era realmente uma pessoa boa... E que era uma boa mãe..."

" Mas sabe, toda a minha raiva, nem era tanto por ela ter sido uma mãe péssima mas... Por ter permitido, que eu fosse envolvida na mesma lama em que ela se afundou..."

" Eu a amo. De verdade. Mas sinto as vezes, que seu fim foi bem justo. Ela nem tentou... E no final, acabamos todos nós pagando um preço muito alto por conta desse egoísmo todo"

_Alegna... _ Murmurou a voz atrás dela de repente. Num timbre sereno e débil.

Ela que estava sentada de frente ao que sobrou do espelho, permaneceu atenciosa a escutar.

_ Não deveria falar assim de Heidi..._ Completou a voz.

_ Porque não?_ Ela respondeu prontamente, fungando o nariz_ Não foi ela que começou toda essa maldição?... Minha Nossa Senhora! Quem corta os pulsos dias antes do aniversário dos filhos? Que tipo de mãe faria isso com a sua própria família?... Não poderia ter se esforçado só um pouco? O que custava tanto a ela nos amar? Meu Deus do céu! Ela simplesmente não foi capaz! Nem uma só vez!  E isso... E isso me faz sentir tão culpada!... Tão culpada, senhor!

Cobrindo o rosto com as mãos.

E um silêncio de repente pairou no ar frio e sombrio, enquanto o choro era contido, e após alguns segundos, ouviu novamente a voz, as vezes fraca e falha, ferindo seus tímpanos.

_ Não, não se sinta culpada, querida..._ Puxou o ar_ Pois o amor que ela tinha por vocês, era inquestionável... O fato é que ela não conseguia lidar com as pressões e adoeceu. Heidi foi apenas uma infeliz alma que não teve a escolha de decidir os próprios passos da vida. Se tornou uma criatura frustrada, e isso gerou milhares de conflitos internos dentro dela mesma... Acredite em mim, você e Nívad são os únicos que não possuem responsabilidade alguma nessa história.

_ Meu avô não era diferente de qualquer avô do mundo que sonha com uma casa cheia de netos..._ Defendendo quase irritada enquanto secava o rosto com a barra do vestido_ Não é nenhum crime querer levar seu próprio nome adiante... Penso que ela foi um tanto dramática e que não soube contornar a situação... Se tivesse sido só mais um pouco inteligente, teria perfeitamente feito as duas coisas na vida: Agradado a ele e logo depois agradado a si mesma. Era só uma questão de saber conduzir as coisas com cuidado e paciência... Se ela se anulou, foi porque era uma fraca! Então, se eu não devo mesmo me sentir responsável pelas as angústias dela... Meu avô também não! Ele só queria garantir o futuro dos Aurom's. Sinceramente, não vejo onde ele possa ter pecado com isso, mesmo que tenha existido exageros da parte dele.

Alegna sentia agora que parecia mais com o avô do que com qualquer outra pessoa daquela família. E se orgulhou disso por um momento.

_ Alegna, Alegna... Minha pequena e doce criança..._ Disse a voz baixinho_ Você apenas conhece a parte que te deixaram saber... Há mais, que nunca ousamos em dizer, puramente por medo de perder vocês dois_ A voz estava cansada e triste_ Se bem que penso, que nunca os tive...

_  Que parte? Do que está falando?_ Encarou o espelho com a testa franzida e o rosto despedaçado.

_ Heidi não era deprimida apenas por ter encarado os sonhos dos outros com mais empenho, do que os seus em particular... Sua mãe era uma mulher, que além de não ter voz sobre os próprios pensamentos, também lhe foi negado o direito sobre o corpo..._ Hesitou_ Literalmente.

  Ela se virou, observando a escuridão.

_ Literalmente?

Um vácuo ensurdecedor.

_ Charles... Charles Aurom, seu avô... Abusou dela.

Alegna sentiu a palpitação chegando a galope.

_ O quê?... C-como assim?

_ Ele queria herdeiros há qualquer custo.... E eu estava demorando demais dá uma resposta... Então...

_ Então... Então o quê?

_ Então ele mesmo decidiu que resolveria isso... Dando a ela, do modo mais sórdido que  podemos imaginar, as tais crianças.

Alegna arregalou os olhos, horrorizada e incrédula. Quis morrer um segundo pra não ter que imaginar.

_Na cabeça dele_ continuou_ o marido era que não estava sendo homem o suficiente... E achou que poderia, quem sabe, fazer as coisas finalmente acontecerem...

_ Você está me dizendo, que meu avô e minha mãe, dormiram juntos no intuito de trazer herdeiros a esta família? Mas que piada de mal gosto é essa? Como tem coragem de inventar uma história tão nojenta dessas?

_ É duro, eu sei... Também não é fácil para mim mas... Foi exatamente o que aconteceu... E eles não dormiram juntos, florzinha, porque não houve um acordo. Seu avô não pediu permissão... Heidi foi forçada... Ele aproveitou todas as oportunidades em que o marido esteve ausente para praticar os atos... Um verdadeiro monstro.

Alegna colocou as mãos nos ouvidos em desespero, clamando que a voz parasse de falar asneiras. No entanto, a voz continuava a disparar...

_ Entende agora toda a tristeza que consumia sua pobre mãe?... Que mulher poderia conviver com isso, minha pequena?

_  Porque não a ajudou? Porque?

_ Eu estava tentando salvar esta família da falência... E passava a maior parte do tempo na Fábrica. Os tempos estavam ficando difíceis por lá, e alguém, com uma visão mais atual e moderna que o proprietário, tinha que ficar de olho nos negócios..._ Pausou para descansar_  E eu realmente não desconfiei de nada enquanto vivi preocupado com isso... Jamais passou pela a minha cabeça que algo assim estivesse acontecendo... Ela também nunca teve coragem de contar, coitada... E escondeu isso de todo mundo por muito tempo... Até chegar o dia em que...

_ O dia em que?...._ Insistiu diante da hesitação.
 

_ O dia em que seu avô faleceu.

Alegna gelou, já esperando mais, muito mais.

_ Havia muito ódio e rancor alimentando Heidi_ Continuou_ E tudo que ela queria, era um pouco de paz... E ela realmente achou, que fazendo aquilo, conseguiria ter seu espírito livre novamente..._ Um segundo pra respirar_ Quando eu a vi, no quarto dele, usando o travesseiro, não tive reação alguma para impedi-la... Só fiquei lá, parado na porta, escutando ela falar todas as atrocidades que ele tinha feito enquanto o sufocava... Não sei se fiquei em choque pela cena, ou pelos os crimes que ela relatou... Só sei que não consegui me mexer..._ Suspirou pesado_ A verdade é que, bem lá no fundo, eu entedia que não era certo impedi-la. Não podia julga-la por buscar reparação. Ele mereceu aquilo. E era justo que eu ficasse do lado dela... Era o mínimo, por ter sido tão desatento... Mas infelizmente, se vingar dessa maneira, não foi o bastante para se encontrar... Heidi já havia se corroído, e era tarde demais para ela. A morte de Charles não trouxe a saúde mental que ela achou que traria, e tão pouco a fez voltar ser feliz..._ Um segundo pensativo_ Na verdade, o que houve com ela, é o mesmo que há com todos nós, no instante que se coloca os pés nesta colina...  Independente do que aconteça, nossa alma se degenera aqui. Porque não é lugar de ninguém viver.

_ Isso tudo é uma grande mentira! _ Esbravejou_ Só está dizendo essas coisas porque você é igualzinho a ela! Você, minha mãe e Nívad, jamais deveriam ter o nome Aurom na certidão de vocês! Vocês juntos, são uma vergonha pra esta família! Eu gostaria, que nenhum de vocês, tivesse existido!

_Se acha que não estou falando a verdade, procure então o Padre Hermano... Ele era o melhor amigo de seu avô... E se ele ainda for vivo, com certeza lembra de toda a história... Vá até ele, faça perguntas, tire suas dúvidas, e verá que não estou tentando enganar você... 

_ Você é só um fantasma..._ ela disse em lágrimas e sorrindo _ E fantasmas não existem... E se não existem... Suas histórias também não.

Ela se ergueu, encarando o porão com afinco.

_ É isso que eu ganho por desperta-lo! Mentiras por cima de mentiras!_ Esbravejou_ Você vai dormir agora... Dormir e não falar mais tão cedo!... 

Trancou o porão, deixando a mansão com pressa, rumo a Falcão Peregrino.

Faltava poucas horas pra anoitecer quando chegou na igrejinha.

Invadiu brutalmente a sacristia onde Hermano estava e com a respiração puxada o encarou entre os cabelos caídos por entre a testa.

Ele ficou surpreso com a inesperada visita, e ficou pasmo com a semelhança dos mesmos olhos faíscantes de demônio do amigo Charles presentes na jovem.

_ Só teve uma vez que vi olhos assim_ Disse o Padre assustado mas firme.

_ Quando ele veio te contar que estuprou minha mãe?

 

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top