Brutos Também Amam Poesia
⌑⌑⌑
Menezes não era tão velho quanto aparentava ser. O aspecto cansado e a doença crônica era a causa dos anos a mais.
Numa dessas em que a tosse lhe atacava sem piedade, recorreu a primeira farmácia assim que deixou a colina naquele dia.
Agoniado, atravessou a entrada do estabelecimento dirigindo-se até o balcão onde Guilherme se encontrava. Sem dizer uma só palavra ou mesmo olhar diretamente para o atendente, jogou o que seria a receita médica, esperando simplesmente que lhe fosse entregue o remédio o mais depressa possível.
O jovem farmacêutico, que parecia nada preocupado com o estado deplorável do pobre senhor, cuidadosamente examinou o papel, como se tentasse ler um enigma, deixando a entender que não havia compreendido "patativas" de nada.
_ Apenas antialérgicos, meu caro..._ Ajudou Menezes, mesmo sob a tosse constante.
O balconista aparentou novamente não ter conhecimento do que aquilo significava. Menezes achou um tanto esquisito mas logo não deu muita importância. Na verdade, só o que lhe interessava naquele momento era ter em mãos o alívio para a merda do cansaço.
O velho apontou para uma das prateleiras acima da cabeça de Guilherme. O rapaz se virou, erguendo a cabeça, dizendo:
_ Ainda não me acostumei com o lugar de cada medicamento...
Sorriu, lembrando que já fazia semanas que tomava conta de tudo. Poderia ter escolhido uma explicação melhor.
_ E eu ainda não me acostumei a ser um velho doente... _ colocando o remédio na bobinha rapidamente, enfiando com agressividade na boca _ Um homem velho deveria ser apenas um homem velho..._ Depois de respirar melhor_Isso já seria castigo suficiente!_ tossiu levemente_ Precisava mesmo gastar o que não tem com remédios?
Guardando a bombinha finalmente dentro do bolso do casaco.
Guilherme forçou outro sorriso, tirando as chaves penduradas num suporte de madeira atrás dele.
Se dirigindo depois até a porta enquanto Menezes deixava o dinheiro no balcão.
_ Já? Tão cedo?_ Olhou pro relógio de imediato e faltava pouco pra seis da noite.
_ Vou levar minha garota no cinema..._ respondeu orgulhoso_ E Não quero me atrasar.
_ Faz bem! Muito bem!_ Disse Menezes, dirigindo-se até a porta, sacudindo os dedos_ Não se deve deixar uma mulher esperando... Ainda mais se for uma que vala a pena.
Não que seja da sua conta mas...
_ Pode apostar que vale!
_ Ei! Espere um pouco..._ Menezes franziu a testa suada ao encarar finalmente o rapaz antes de atravessar a saída_ Nos encontramos na Colina Aurom outro dia, não foi?
Guilherme sacudiu a cabeça.
_ Eu deveria ter vindo antes mas não estava em Peregrino... A verdade é que eu não moro na cidade... Só ando mesmo por essas bandas quando é pra pegar coisas como estás..._Mostrou dois exemplares de Carlos Drumond de Andrade.
_ Então gosta de poemas?_ Guilherme se surpreendeu.
_ Sim, muito... Principalmente quando pago tão pouco por isso_ Riu_ Bom, agora deixe-me ir... Já atrapalhei demais a sua hora... Vá lá, meu rapaz! Não deixe sua namorada esperando mais nenhum segundo... Se ela é tão preciosa ao ponto de você perder dinheiro fechando seu negócio horas mais cedo, então é melhor sair correndo daqui o mais depressa possível.
Guilherme mal esperou que ele tirasse os pés da soleira e trancou tudo imediatamente.
Menezes ainda sentia a exaustão de um dia calorento e um peito dolorido pela a tosse. Então sentou num dos bancos da praça da igreja pra descansar um segundo antes de dirigir. Enquanto isso ficou observando pessoas se aglomerando em frente a paróquia, talvez a espera da abertura dos portões para a próxima missa. Tomou um gole do seu xarope e acenou para o padre ancião Hermano que estava a recepcionar os fiéis na escadaria.
Menezes teve dúvidas se o vigário havia conseguido lhe enxergar mesmo olhando de volta, porque simplesmente não devolveu o cumprimento. E riu balançando a cabeça, pensando como ainda não tiveram o discernimento de substituírem Hermano por outro pelo menos dez anos mais jovem e com as vistas mais sadias.
Menezes trocou os pensamentos decidindo se voltaria pra sua casa, um município que ficava apenas duas horas de Peregrino, ou se pegava a estrada novamente sem rumo, em busca de vender suas bugigangas. E enquanto considerava as opções, começou folhear o livro que havia comprado dos Aurom.
O exemplar em suas mãos havia sido publicado em 1951 e se chamava Claro Enigma. Menezes assim que o viu entre as obras que Nívad havia separado, logo o quis. Pois conhecia todos os livros de Carlos Drumond e esse era justamente um dos que faltava pra completar sua coleção. Sorte? Menezes diria que sim.
Ele simplesmente adorava aquela obra. Porque nela o autor se mostrava um poeta mais amargo e bem voltado para questões mais reflexivas sobre a condição humana. E também porque os poemas lhe encantava de tão forma que nem ele sabia explicar. Mas Menezes desconfiava que isso era devido o resgate do poema clássico que Drumond apresentava alí:
"O mundo não vale o mundo / meu bem. / Eu plantei um pé-de-sono, / brotaram vinte roseiras. / Se me cortei nelas todas / e se todas se tingiram / de um vago sangue jorrado / ao capricho dos espinhos, / não foi culpa de ninguém"
Menezes lia em voz alta quase sorrindo.
Tão melancólico, tão desiludido... _ pensou, enquanto virava mais uma página.
De repente, os olhos dele quase saíram da caixa.
E não foi pelos os belos poemas, acredite.
Abismado, alinhou os óculos, enterrando o rosto entre as páginas. Incrédulo demais, retirou os óculos subitamente, limpando-os no paletó e pondo de volta rapidamente para analisar tudo outra vez.
Com dedos ágeis, passou as páginas seguintes, e quanto mais fazia isso, mais sua expressão se tornava horrorizada.
Mas que Diabos temos aqui?"
⌑⌑⌑
Nívad precisava unir a irmã com o farmacêutico. Isso era fato. Mesmo sabendo que ela já estava caidinha pelo o rapaz. A grande questão é que ele tinha que ter a certeza absoluta de que a coisa toda não desandaria a qualquer momento. Afinal, seu futuro dependia de que esse namoro realmente fosse pra frente.
Alegna faria tudo que o namorado quisesse. Uma mulher como ela, que chegou aos vinte e poucos anos sem nunca ter se relacionado com ninguém, se encantaria com o primeiro que lhe dissesse algumas palavras bonitas, se entregando totalmente. E é claro, consequentemente, um homem com um pingo de bom senso, ao casar-se com ela, jamais aceitaria morar numa mansão aos pedaços no fim do mundo_Mesmo estando muito apaixonado também.
Nívad estava apostando todas as suas fichas nisto.
Amor nenhum, por mais forte que fosse, seria capaz de suportar a monotonia daquele lugar. Sendo assim, Nívad acreditava que o futuro marido de Alegna procuraria uma vida em um ambiente mais propício. Mas pra isso, precisariam ter dinheiro. E pra ter dinheiro, obviamente, venderiam o único recurso: O casarão!
Nívad arquitetava tudo bem direitinho em sua mente. Com o apoio do cunhado, convenceria Alegna, e finalmente estaria livre de Falcão Peregrino de uma vez por todas. Sua parte no dinheiro, realizaria o que sempre sonhou: vagar pelo o mundo sem destino, enquanto Alegna, teria sua própria família, sendo bastante feliz na pele de uma esposa cuidadosa e amorosa em sua casa com cerquinha branca.
"Um final perfeito para todos!" Murmurava, enquanto namorava um vestidinho estampado com babadinhos nas mangas.
O vestido, na verdade, era um presente para a irmã. Nívad sabia do passeio ao cinema e sabia também que a pobre garota não possuía sequer uma roupa nova para a ocasião. Alegna só tinha panos velhos manchados de gordura. Ela bem que poderia usar as roupas da mãe. Mas apesar de estarem em um bom estado, ele os achava ultrapassados demais.
Sendo assim, não havia outra escolha a não ser usar um pouco das suas economias e comprar algo mais parecido com essa época para a irmã usar. E com isso, quem sabe, encher mais os olhos do pretendente.
Nívad não tinha tanta experiência em moda feminina, apesar de conhecer o mundo lá fora mais do que a irmã. No entanto, ele sabia, que um vestido florido, deixava qualquer garota com uma imagem bem mais romântica.
Lá pelas sete, Alegna se arrumava em seu quarto rapidamente_ pois há qualquer instante Guilherme chegaria,_ quando ouviu as batidas na porta. Ao abrir, viu o irmão a sua frente com um embrulho nas mãos.
_ Abra!_ Ele respondeu, assim que ela perguntou o que ele queria.
Alegna rasgou o papel sem muita pressa e franziu a testa imediatamente.
_ o que é isso?
_ Sei que não tem nada de legal pra vestir...._ Explicou_ Então achei que gostaria de usar algo especial hoje.
_ Não acredito que gastou sem necessidade, Nivad_ Esquecendo de agradecer.
Nívad lembrou dos gastos desnecessários dela com a casa mas preferiu não mencionar. Não queria brigas hoje.
_ Não foi tão caro!.. E além do mais, é o seu primeiro encontro a noite com seu namorado... _ Ela continuava olhando pra ele como se dissesse " Ainda assim não precisava gastar"_Pelo o amor de Deus! não se preocupe com dinheiro, Alegna! Eu consegui vender alguns daqueles livros... Não houve nenhum grande sacrifício aqui. Relaxa! ... Agora Adivinha?_ Disse com o sorriso debochado__ Adivinha quem os comprou? Menezes! Você acredita que Aquele pão duro sem coração adora um texto lírico? Simplesmente pirou quando viu a primeira edição de um escritor que ele gosta...
Ela analisou o vestido outra vez e só depois de um longo silêncio comentou desapontada, como pra si própria.
_Aqueles eram os livros favoritos do papai.
Nívad pareceu ignorar a fala da irmã. E então ela continuou:
_ Porquê está fazendo isso?
_Ora, Porque você é minha irmã!.. E também não quero que pareça uma mendiga no seu primeiro passeio pela a cidade com o cara.
_ Eu gosto das minhas roupas velhas.
_ Eu sei... _ Depois de pensar_ Mas que tal evitar elas hoje? Você nunca saiu com ninguém pra um lugar assim. Não é como ir para o meio do mato fazer piqueniques, Alegna. Dessa vez é um encontro quase formal. Vocês serão vistos juntos em público pela a primeira vez.
Alegna não tinha pensado nisso. Na qual todos olhariam para ela acompanhada de um rapaz em plena sexta-feira a noite no cinema mais frequentado da cidade. Imaginar a cena, a deixou ansiosa de uma maneira quase desesperadora.
_ Você nem o conhece..._ Ela questionou_ Mas apóia como se o conhecesse.
_ Se você o convidasse para entrar de vez em quando, não seríamos assim tão estranhos. Sinceramente, já é hora disso mudar, Alegna. Precisa ser um pouco mais gentil. Não há motivos para levarem um relacionamento como se fosse algo censurado. Vocês não são mais crianças e ninguém tá impedindo nada aqui.
Alegna não falou mais. Apenas agradeceu pelo o vestido e voltou para o quarto.
Ao se olhar no espelho, já com ele no corpo, não se sentiu bem com o decote. Apesar de não ter seios fartos o bastante para ficarem tão expostos, ela achou o modelo ousado. Então pegou um dos lenços da mãe e pôs sobre os ombros, ocultando de vez o colo.
Deu uma última olhada no reflexo e saiu ao encontro de seu amado que a esperava lá fora no carro...
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