A Abelha e o Zangão
Desceram a Colina e adentraram por uma extensa área de vegetação baixa. Cruzaram por algumas elevações de terra e a poucos metros adiante, se depararam com o conjunto de árvores amareladas de quase trinta metros de altura.
Escolheram uma das sombras e Guilherme rapidamente afastou as folhas caídas e os pedregulhos para logo em seguida forrar o solo com uma toalha.
Espalhou os lanches que havia trazido enquanto fazia gracinhas, tirando assim risos bobos dela, e depois sentaram,
beliscando os biscoitos em silêncio ao som dos ventos e dos bem-te-vi. De repente um galho se partiu, assustando eles. Acabou caindo sobre os sanduíches de presunto fazendo-a rir novamente, e então ela percebeu que desde que conheceu aquele homem, seu riso era uma açao bem mais constante.
_ A região tem sempre ventos tão fortes assim?_ jogando fora o galho
_ isso não é nada..._ Disse ela_ Uma noite na Colina e então verá o que são ventos verdadeiramente assustadores.
Subitamente, ela se deu conta do que havia falado sobre ele passar um noite na colina. Como isso aconteceria? E por qual razão? Quis sair correndo.
Ele Sorriu ao perceber a inquietação.
_Acho que nunca vi uma pessoa tão tímida como você, Alegna..._Há muito tempo atrás... Mas estava engando_ É normal que se sinta dessa maneira afinal mal nos conhecemos... Mas realmente, não precisa. Não comigo.
Alegna o olhou como se fosse uma criança que tivesse acabado de levar uma grande bronca.
_ Preciso aprender muitas coisas ainda nessa vida... Uma delas, é me soltar um pouco mais.
_ E eu acho realmente que posso ajudar nesse processo_ Num tom agradável e brincalhão.
_ Vou chamar isso de sorte_ Ela sorriu mais relaxadas.
_ Pra você ou pra mim?
Os dois se encararam e ela engoliu em seco.
O silêncio permaneceu por alguns segundos até ela resolver que devia entregar seus segredos.
_ Além de tímida... Você me acha uma pessoa triste?
_ Um pouco, talvez.
Ela ficou pensativa, se encostando no tronco da árvore,
encarando a paisagem verde e ensolarada a sua frente.
_ É o que todo mundo pensa..._ Suspirou_ Mas eu não odeio minha vida... Eu gosto do que sou.
Guilherme tentou reparar.
_ Não quis parecer que duvidei disso.
_ A culpa é minha. Deixo transparecer.
Ele pensou um pouco, lembrando das histórias da senhorinha outro dia.
De repente, o vento se movimentou de forma lenta, fazendo com que algumas mechas soltas do cabelo dela sobrevoasse com delicadeza o pescoço. Guilherme tentou não pensar na ação involuntária que aquilo poderia lhe trazer. Então manteve o controle, sendo que a vontade maior era de agarra-la.
_Eu quero mesmo que a gente seja amigo, Alegna.
Ele esperava mesmo que ela falasse da morte da mãe. Guilherme sabia, que se Alegna se abrisse com ele sobre isso, teria conquistado sua confiança de vez. E ele gostaria bastante de ter a confiança daquela mulher por quem sentia-se atraído.
Ela levantou o olhar. E parecia um olhar de medo.
_ Meu irmão, Nivad...
A expressão no rosto de Guilherme não mudou. E ficou quieto.
_Queria muito que ele aceitasse nossa realidade._ Completou_ E é isso que me entristece as vezes.
_ Gostaria que ele fosse mais conformado com o quê exatamente?
Ela o olhou ciente que ele já tinha conhecimento das tragédias de sua família.
_ Que não menosprezasse tanto meus esforços pra manter tudo relativamente bem em casa_ Ela completou, assumindo de vez os fracassos_ Um pouco de harmonia e cuidado.
_ De fato é injusto que só um lado lute por isso, quando foram os dois que sofreram as consequências...
_ Não sei mais o que fazer.
O olhar dela era quase um pedido de socorro.
_ Alegna _Tocou no rosto dela_ Sei que você mal me conhece direito, então é muito cedo pedir que confie em mim... Mas preciso mesmo que você saiba que pode fazer isso....
Ela suspirou levemente, sentindo toda sinceridade que emanava do jovem rapaz.
Ficaram se olhando intensamente por alguns segundos como se há qualquer instante fossem se beijar. No entanto, de repente, Guilherme saltou o corpo por detrás de Alegna com espanto e animação quando seus olhos mudaram a direção.
_ Meu Deus, olha isso!_ Disse, indo de encontro as folhagens de uma plantinha rasteira que subia ao redor do tronco de um dos ipês.
Ela se virou devagar, procurando o que poderia ser.
_ Fazia tempo que não via uma... Acho que só quando era criança..._ Apontando para duas abelhinhas acopladas uma sobre a outra_ Meu avô cuidava de um pequeno sítio no norte, e eu lembro que lá tinha um belo criadouro dessas coisinhas..._ Sem desviar a atenção uma só vez_ Veja! Não é extraordinário? A rainha escolheu exatamente esse dia para realizar seu vôo nupcial... logo esse dia, Alegna... Venha ver mais de perto... olha só!_ Alegna se aproximou mais_ Eles são tão pequenos e ao mesmo tempo tão inteligentes!_ Olhou pra ela agitando a cabeça com um largo sorriso_ Você sabia que na época de acasalamento, as abelhas rainhas mudam sua alimentação de geleia real para mel apenas no intuito de diminuir seu peso corporal e assim facilitar sua saída do ninho?... Mais leves, alcançam mais terreno, alcançando mais terreno, as chances de encontrar um macho viril é bem maior... Isso não é incrível?..._ Voltou os olhos para os bichinhos _ Está vendo isso? Esse é o macho... Agora repare!... Viu? Ele esta morrendo!
Alegna viu o pequeno inseto se estribuchando ao lado do outro, numa morte rápida e certeira.
_Sabe como isso aconteceu?... _ Guilherme continuava em êxtase_ Os órgãos genitais dele acabaram ficando presos no corpo dela, e consequentemente, isso tira a vida dele quando se rompe.
Alegna fez uma expressão repugnante.
_Isso é meio... Meio nojento e triste... Não?
Ela o fitou intrigada.
_ Morrer pelos os motivos certos, é sublime!._ Finalizou.
__ Não entendo onde isso poderia ser sublime. Ele perdeu sua vida.
_ Você nunca se viu diante de algo que precisou se sacrificar?... As vezes fazemos coisas que ninguém jamais entenderia, mas que foi preciso para que tudo seguisse bem.
Alegna lembrou de muitas situações. E pensou na mãe.
_ Talvez a abelha nem chegue a retornar a colmeia. E o heroísmo do macho em perpetuar a espécie, terá sido totalmente em vão. A renuncia nem sempre salva e nem garante nada._ Disse com certa tristeza.
Alegna não sabia se falava de abelhas ou dela mesma. O tanto que já se sacrificou? E o que recebeu de volta? Só ingratidão e perdas.
_ Nem sempre termina como gostaríamos. Mas ficamos em paz quando sabemos que tentamos.
Alegna corou.
E essa foi a deixa para que ele se aproximasse.
Ela fechou as pálpebras como se não pudesse evitar, e tão logo sentiu seus lábios serem tocados por uma maciez quente com gosto de café.
Alegna foi beijada pela a primeira vez naquela manhã de domingo. E depois disso, não quis mais parar. A partir daquele dia, houve mais piqueniques e mais beijos durante meses.
Alegna sentia que sua vida estava seguindo uma direção que ela jamais imaginou.
E os beijos de Guilherme lhe confirmava isso todas as vezes.
«««
Nívad passou a tarde inteira na biblioteca analisando possíveis obras raras na qual pudesse tirar alguma grana.
De fato, a família possuía um grande acervo. Mas nada tão considerável que fizessem voltar a ter uma vida pelo menos mais decente. Só o que existia era uma afinidade de mapas e cartas antigas que o avô recebia de alguns amigos importantes da época e isso não dava pra vender.
No entanto, conseguiu juntar uma dezena de livros que julgou ter algum valor, e os guardou para mostrar a Menezes. Só mesmo aquele velho pra dizer se aquilo rendia alguns centavos ou não.
"Hoje em dia as pessoas não ligam muito pra literatura, Nívad"_ Alegna como sempre tentando manter os objetos onde devem ficar_ "É perca de tempo. Menezes não vai querer compra-los"
Talvez ela tivesse razão. Mas Nívad precisava pôr comida de qualidade na mesa. E qualquer mixaria, seria muito pra eles.
E além do mais, buscar tesouros pela a casa, era um escape grascioso para o tédio. Era como voltar a ser criança outra vez, quando brincava no porão com a irmã.
Enquanto ainda organizava o restante dos livros, sentiu um forte cheiro além do mofo na madeira. Imediatamente largou tudo sobre a escrivaninha e correu até a cozinha.
Sobre o fogão, saía um fumacê que tomava conta de toda a cozinha. Rapidamente desligou o botão do forno e com ajuda de uma luva térmica, pôs a panela sobre a pia. Depois abriu uma das janelas deixando que o ar frio da colina levasse embora o inconveniente. O vento forte da noite fez bem seu trabalho e como mágica dissipou tudo num segundo. Logo que as coisas se acalmaram, Alegna surgiu na entrada da cozinha, completamente espantada.
Nívad bastante irritado deu uma bronca na irmã logo de cara, mas depois pareceu arrependido, e com mais trato, pediu que ela prestasse um pouco mais de atenção nas coisas.
Alegna apenas concordou, envergonhada, e se desculpou como uma menininha de cinco anos quando esquece de apanhar os brinquedos. Ele apenas suspirou, se mostrando mais aborrecido ainda, como se aquele pedido de desculpas, definitivamente, o tivesse tirado do sério muito mais do que a janta arruinada.
_Você as vezes me dá nos nervos! Minha irmã... Porque você é desse jeito?_ Balançando a cabeça incrédulo_ Se fosse outra pessoa mandaria eu me ferrar... Até parece que não tem sangue correndo nas veias.
Ela permaneceu em silêncio, evitando os olhos faíscantes do irmão.
_ Mas quê diabos está acontecendo?_ Ela levantou o olhar nervosa enquanto ele continuava_ Você anda tão desatenta... Nunca te vi assim tão desligada... Pelo menos não com a cozinha..._ Apontou para o desastre sobra a pia_ Se não me engano... _ Tentou puxar pela a memória_ Essa já é a segunda vez que evito que a casa pegue fogo só nessa semana.
Ela gostaria de dizer mas lhe faltava coragem. Era tímida demais pra confessar que talvez estivesse apaixonada.
_ Não é nada _ Enquanto se dirigia a pia no intuito de ainda poder salvar alguma coisa.
_É o cara da farmácia, não é?_ Depois de um segundo.
Ela nem precisou ficar de frente para o irmão pra sentir que ele tinha dado um sorrisinho sacana.
Ele suspirou e se dirigiu até a porta de saída enquanto pegava uma laranja, dizendo:
_ Sabe que eu não ligo se vocês estiverem namorado, né? Não é da minha conta afinal você já é bem adulta pra isso... Pra ser honesto, acho até bacana..._ Ele deu uma parada e ficou pensativo por alguns segundos e depois continuou_ É sério! Eu ficaria muito feliz com isso... Finalmente encontrou alguém. E agora, com isso, quem sabe, não olha um pouco mais pra frente..._ Um silêncio, e ele tentou uma última vez_ Você merece outra realidade, minha irmã... Algo que não seja só... Essa casa!... Você Ainda é bastante jovem... Então, se dê uma chance.
Ela continuou calada, e Nívad também não esperou que ela dissesse alguma coisa. Se retirou, voltando para a biblioteca.
Ela ficou lá, pondo os restos da comida estragada na lixeira enquanto duvidava de seus próprios sentimentos sobre Guilherme, e principalmente, sobre as verdadeiras intenções dessa motivação do irmão.
Alegna podia ser inocente e até boba em algumas situações, mas não era burra. Era óbvio que Nívad daria força para que ela focasse em outras coisas além da mansão. Com o desapego, seria mais fácil convencer a vender a propriedade.
Apesar dos propósitos do irmão, no fundo, ele tinha razão. Ela não podia mais se manter tanto no passado. A vida estava lhe dando uma oportunidade. Nunca havia amado outro homem que não fosse seu pai e seu irmão. Então seria quase uma afronta deixar algo que parecia tão novo e bonito passar batido. E além disso, Guilherme não era qualquer um. Ele era compreensível, doce, gentil, e parecia não se importar com as condições e tão pouco com as tragédias de sua família e as fofocas sobre ela.
Sem falar no respeito que sempre demonstrou. Esse tempo todo em quê vem se encontrando, nunca procurou por mais que um beijo, mesmo ela deixando sinais sutis de que ele poderia avançar, se assim quisesse.
Guilherme era único.
Isso lhe deixava caída de amor.
Realmente, dessa vez, Nívad estava coberto de razão.
Não poderia mesmo deixar passar.
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