Pais & Filhos - XII

DÉCIMO SEGUNDO CAPÍTULO

"Gerações passadas, gerações futuras, que o legado das memórias póstumas não se exclua, o tempo é hereditário, a morte é passageira, e as mensagens destes se dissipam tanto quanto uma simples sujeira".

— Quando você crescer

By: magic_read_

Após tamanhas aventuras, os piores dias logo estavam por vir, minha cabeça latejava só de pensar nas aulas. A escola não era tão ruim, tinha alguns privilégios em ascensão, todavia, nada seria trocável pelo abraço de Rachel. Eu já sentia saudades.

Aterrissei meus braços no armário, recolhendo alguns livros dele para a seguinte aula, porquanto, dei de cara com Jeon, assustada pela sua vinda repentina.

— Dormiu bem?

— Sim — estranhei a sua pergunta —, dormi com Meneghesso. Por quê?

— Interesse. Tomou um bom café?

— Comi pão.

— Irá me recompensar por anteontem?

— Ganancioso — resmunguei.

Ele me perseguiu, acelerando os passos para me alcançar, parecia difícil, meu humor não permanecia um dos melhores.

— O que eu aprontei? — Queixou-se, me barrando temporariamente.

— Sujou o meu histórico acadêmico?

— É só uma advertência, eles pegaram leve.

— Recebi uma suspensão, senhor; a diretoria pegou muito leve comigo, não concorda? Agradeço ao meu melhor amigo, um grande X-9.

— Bela tentativa, não carrego remorso algum — invadiu a minha frente, andando de costas, fixando as íris nas minhas, soltando um sorriso —, meu último brinde foi aquele? Meneghesso não abrirá uma exceção?

— Rachel foi piedosa contigo, reze para eu ter a mesma paciência.

Ultrapassei o corpo de Jungkook e, pouco vislumbrando as vias, esbarrei em Heitor. O cabelo loiro do garoto estava bagunçado, bastante desleixado, fora de seu costume, divergente do estilo dele, até mesmo o perfume, eram muitas as diferenças. Aguiar parecia um garoto comum, não um mauricinho, sequer um jogador de futebol.

— Aguiar — acenei com a cabeça, ataráxica, contornando-o com displicência.

— Ayla — me chamou, segurando meu pulso com delicadeza.

Me virei para o próximo, fria, fitando-o implacavelmente.

— Eu não quero a Suíça, eu quero você — afirmou.

— Jura? Acreditava que os dois eram compráveis. Vai me dar o quê? Flores? Chocolate? Um carro?!

— Me refugiei no que não devia, Ferraz — reconheceu o erro.

— Jura?! — Tiranizei, numa postura rígida.

— Eu vi coisas, amor, alucinei durante aquele episódio; foi a bebida, o cansaço, o estresse...

— Grande desculpa.

O mancebo apertou os meus ombros, causando-me imobilidade. Ele alegava sentimentos verdadeiros? Admitia o que reservava dentro de si?

— Você ama ele? — Perguntou, exasperado, pingando rios de suor por medo.

— Ele quem?

— O Jeon.

Olhei o arredor, não mais enxergando o citado. Dle tinha ido embora, bem havia advertido sobre a peripécia.

— Por quê? — Arqueei uma sobrancelha, atuando uma resumida surpresa.

O garoto se apossou do espaço, invadindo algo não inconcusso entre a gente. Era um segredo quente, pelo menos, quando provindo da boca dele:

— Jungkook te ama, Ayla, e perdê-la tornou-se uma realidade subsequente. Reconheço meu porte agressivo, abusivo e desrespeitoso, peço perdão até para ele, mas por favor, me dê uma última chance.

— O que condiciona a minha futura segurança? — Interpelei, receosa.

— Conversarei com os nossos tutores sobre o evento.

— Não! — Me apressei, calando a sugestão, logo corrigindo — Quer dizer, não é preciso, eles sabem.

Minha família não devia descobrir sobre aquele encontro, eu estava em cárcere severo e as saídas noturnas eram repudiadas.

— Obrigado, Ayla.

Refreou a pressão contida nos dedos contra os meus ombros, com as pupilas de redenção cobertas de lacrimejo, as palmas deslizando sinuosas pela minha cintura, abraçando-me com sutileza num ato genuíno, de viés puro e sincero.

— Eu te amo infinitamente, pago-lhe o céu como prova — se separou daquele aperto, respiração contra a minha face.

— É uma pena, já reservei um terreno no inferno.

O garoto riu, bagunçou o meu cabelo, dedilhou o meu queixo e alcançou a ponta da bochecha, me admirando feito uma obra-prima. Senti um borbulhar gostoso, similar a um vento gélido e refrescante, eram ações como aquelas às quais me prendiam em vários relacionamentos.

Os lábios do jovem me conquistaram instantaneamente, permitindo um beijo concebido por ambas as partes, dando prioridade à reconciliação. Sua palma tocou a minha cintura, já a minha pressionou a sua nuca. Ouviam-se comemorações emanadas, muitos comentários positivos à nossa volta, entretanto, também viam-se murmúrios.

— Depois dessa noite, o capitão vai estar novinho em folha — Pirulito comentou, fomentando risadas em Aguiar.

A farra foi cortada pelos sinais escolares, os quais, em barulhos estridentes, alertavam a obrigatória ida às salas de aula. Meus resmungos tinham embasamentos indiscutíveis, vim a este lugar com outras intenções, muitas delas ligadas ao romance.

Literatura não era a pior ramificação da língua portuguesa, de longe, era uma das mais fáceis de obter-se compreensão. Eu não era a mais sábia quando tratava-se disso, porquanto, não negava meu destaque; nunca fora complicado interpretar as cenas e críticas para mim, não importava o tempo da obra ou escola literária, meu vocabulário pouco vasto que dificultava.

Os problemas não se encontravam aí, e sim, nas aulas de física. Elas eram o pesadelo de todo jovem moderno, que, assim como eu, costuma dissipar as fórmulas da memória como nuvens.

Filosofia! Quem não adora um debate transbordado de adrenalina? Nesta aula, todas as emoções foram extravasadas, afloradas no interior dos indivíduos e propagadas. O Amor! Tão Belo, tão Puro, tão Perfeito; este era originado do mundo inteligível de Platão, cujas palavras carregavam tamanha potência que adquiriam a letra inicial maiúscula. Contrário do mundo sensível, térreo e corrompido o qual vivo, onde o amor é analisado através dos cinco sentidos, estragado pelos nossos defeitos.

Revisamos a matéria por conta dos vestibulares, e estes sim eram bastante... sensíveis.

— O que é o amor? — O professor Luís interrogou, postura firme, cabelos grisalhos — Jungkook, o que acha de dar a resposta? — Voltou-se para o garoto distraído, descontente com o devaneio incomum dele.

Jeon rabiscava a carteira, fora de si, próximo das ideias, vagava os pensamentos com inércia, percebendo o chamado segundos atrasado. Uma desatenção bastante concentrada:

— Segundo Camões, "[...] é nunca contentar-se de contente [...]". Você nunca estará completamente feliz, terá de ver esperança nas piores passagens, defeitos, falhas, e doará seu mundo para adorar, ou senão, destruir o parceiro

— Excelente conclusão, sobretudo, quem adoraria ver o companheiro sofrer?

— Pessoas egocêntricas e confusas, às quais desviam da verdade por medo — alterou a voz na sua última frase, ecoando a turbulência pela classe.

— São dados empíricos, Jeon?

— Sim, uma conhecida enfrenta esses males — foi ríspido quando inseriu a nossa relação, não ressaltando o grau de intimidade.

Por sorte, a seguinte aula era ideal aos atletas e amantes de esportes, isto é, Heitor se afastaria, e eu teria uma oportunidade. Educação física nunca seria tão excitante quanto agora, no cujo instante no qual irei encurralar Jeon Jungkook. Ele se arrependerá de cada vírgula proliferada durante o horário vago.

Antes de topar com o garoto, encontrei Clarisse, a garota ruiva de comportamento ventureiro, contingente às confidências do meu segredo. Foi no corredor, em direção ao pátio.

— Ayla, necessito lhe reportar algo urgente — olhou para os lados, um tanto séria e fechada, recorrendo às palavras inquietantes.

— Pois não? — Eu disse, tom curto e desagradável.

— É sobre aquela garota — Clarisse especificou a pessoa, aludindo à Rachel —, evite-a ou assuma ela, uma bomba enorme está por vir, e você vai ser encurralada.

— Está me ameaçando?

— Te aconselhando, Ferraz, mas a escolha é sua... — corrigiu e, percebendo que não lhe daria ouvidos, deu às costas para mim, caminhando até a quadra a fim da aula assistir.

Bastou poucas badaladas, o relógio pouco havia rodado, Jeon encontrava-se parado, enquanto a tia Letícia conversava conosco. Por fim, entre panos, vassouras e rodos, guiamos mais instrumentos para a limpeza local, baldes, luvas de borracha e o sabão iriam aniquilar os resíduos, literalmente qualquer merda. Não era um crime colaborar com a limpeza escolar, ainda mais no horário de castigos.

— Eu e Jeon cuidamos daqui, o banheiro feminino, combinado, tia Lê? — Interroguei.

— Vocês conseguem? — Perguntou.

— Claro — confirmei, maquiavélica.

A mulher recolheu alguns itens para o outro recinto, o banheiro masculino.

— Caso haja alguma intercorrência, basta me chamar — assim se despediu, nos largando sozinhos com um sorriso simpático.

Um silêncio comum foi aderido naquele cômodo, somente as respirações tornaram-se audíveis aos bons ouvintes. Prendia meu cabelo, vestia os aparatos, trocava de calçado, fixava os olhos no mancebo, contudo, ele refletia. Jeon postergou minha existência, carregando rancor na face como cereja, preparado para repelir as consecutivas farpas.

— Desde quando sou só uma conhecida sua?

— Deixe-me ver — Jungkook observou seu relógio, sarcástico —, desde quando você reatou com Heitor, às sete da manhã, correto? — Sugeriu, ácido e indiferente.

— Sempre duvidei do seu interesse em Aguiar, gostaria de dividi-lo? — Indaguei, cruzando os braços. — Ah, bem lembrado, você até se declarou.

— Cuidado, vou roubar seu namorado — vociferou, retornando a realidade — Honestamente, há méritos em namorá-lo?! — O olhar rebelde se levantou, desta vez, revelando sua identidade.

Meu sorriso põe-se de pé ao escutá-lo, eram fascinantes as palavras repercutidas através da sua boca. Andei passos delicados, com o anseio de cercá-lo, depositando as mãos na parede, nas redondezas do ombro do acastanhado.

— Ciumento — levei o cabelo dele para trás da orelha.

— Motivo besta demais para anular a raiva — segurou o meu pulso, impedindo que eu tocasse o ouvido dele.

— E há outra razão?

Jungkook mordeu os lábios após o questionamento, desconcertado com a proximidade e, numa ação inconsciente, suas pupilas fugazes cimentaram-se na minha boca.

— Não deveria questionar estando ciente que lhe odeio — retorquiu.

O garoto desvencilhou-se daquela brincadeira, evitando o contato, ainda nos tijolos oprimido por mim.

— Repita — ordenei.

— "Eu te odeio, mais do que qualquer coisa, eu te detesto, todos podem lhe amar, mas sempre, sempre eu vou te execrar, nada nesse mundo vai me fazer gostar de você, nada além de escárnio [...]" — lembrou-se duma icônica frase, reencarnando ela com o igualitário valor.

Meu coração estava na boca, qualquer agitação foi ocultada, não poderia me perturbar com aquilo, tinha de manter a racionalidade.

— Concentre sua efervescência em cada pecado meu. Quero isso, almejo senti-lo, canalize o teu escárnio sob meu corpo — sussurrei, inspirando lentamente contra a sua orelha.

Seus pelos estagnaram eriçados, a voz trepidou até que ganhasse estabilidade, tratava-se de uma batalha difícil, dominar os hormônios e vencer as emoções, disputas nada fáceis para ele.

— Ayla, tenho rédeas curtas — advertiu cominadoramente, porquanto, cedendo aos toques e maquinações.

Minha palma escorregou no frágil ponto destinado, o qual com massagens oblíquas atingiram uma intransigência. Naquele exato momento, seu estado máximo de submissão era expressado.

— Segundo minhas recordações, lhe prometi dar um mimo — sorri, estimulando nossos prazeres, sonoridade rouca ao dizer.

O garoto encontrou meus lábios ao roça-los, me vislumbrando durante o ato de provocação.

— Não jogue um jogo no qual não sabe as regras, Ayla — imitou as minhas técnicas, me roubando outra reação.

Seu falo alcançou a ereção cobiçada, e as atitudes ferozes eram compatíveis com a excitação, reconhecia a mirabolante estratégia bolada, sobretudo, eu não seria controlada por ela.

— Pouco capaz é de me beijar, quem dirá de se conter pelo desejo — injetei adrenalina na oração, impactando em severas ações.

O rapaz segurou minhas espáduas, e, com indelicadeza, dirigiu-me contra a parede, sem piedade, colando os nossos lábios, utilizando a língua para concretizar carnavais. Ela deslizava, conectava-se. Aquele meu apego não era mentira, com tamanho ímpeto, qualquer um louco se tornaria.

Descansei as pálpebras, retribuindo cada mínimo impulso, permanecendo a incitá-lo, ciente da discrepância de tolerância a cada segundo. Seu gemido abafado abalou minhas estruturas, foi repentino, cruel, pois este, como uma brisa acompanhada de bruma, causou-me calafrios.

Destravei a calça dele, seguida do botão, por fim, puxando-a até o chão; me abaixei, encostando a boca, distribuindo selos molhados, acarretando seu maior repúdio: a aceitação sujeita à minha gestão.

Escoltei os dedos na sua última peça inferior, descendo a vestimenta para o membro vislumbrar, do meu bolso tirando a proteção, rufando a embalagem para nele trajar. Jungkook foi sensível ao toque, corou pelo sucinto contato entre a mira e o alvo.

A palma do moreno foi de encontro ao meu cabelo, prendendo-o delicadamente no ínterim das investidas. Jeon temia que aquilo fosse um sonho, meus dedos no seu corpo, minha saliva na camisinha. Apreciava os gemidos quase insonoros do jovem, ecoavam baixos para divagarem na sala, contudo, eu notava, ele parecia completo, os cílios fechados pela cobiça.

Quando a ejaculação do garoto alcançou a porta, outra coisa também nela compareceu. Não era abstrata, era bem real, não tinha sentido metafórico, pois o encontro foi literal. Clarisse conversava com Perna-Mole, guiava-se até a estrada local, encostou as mãos na travessa, se deparando com a deplorável cena: ela engoliu em seco e regressou ao antigo posto, acompanhada de Gabriel, o qual juntamente parecia estupefato com o ocorrido.

Me afastei do rapaz, puxando o preservativo, dando um nó e descartando-o no lixo, correndo atrás de Clarisse e Perna-Mole, amedrontada com as futuras atrocidades. Jungkook cumpriu a faxina do banheiro, solitário, e por fim, nenhum dos dois reportou para Aguiar.

Não me deparei com Jeon o resto do dia, permaneci ao lado de Heitor até o final da aula de educação física, ciente de possíveis riscos. Beijei-o após o término da partida, ele suado por tanto treinar, e eu desesperada, por tanto desconfiar: da bondade de Clarisse, das fotografias pornográficas de Perna-Mole.

Aguiar dirigiu o seu pajero após a saída escolar, me deu carona à sua casa, vazia até determinado horário, tanto a mãe quanto o pai dele trabalhavam naquele período. Os nossos objetivos não seriam distintos, aliás, estávamos livres para bagunçar.

Entramos no seu gigantesco sobrado, nos beijos e tapas, brincadeiras e tolices, trancamos as passagens e na sala ficamos, trocando selos e caricias picantes. Seus dedos adoravam se afundar na minha intimidade, apertar os meus seios e agarrar minha cintura, lamber a clavícula e tracejar beijos no abdômen, causa para transarmos feito coelhos, nunca bastava uma única vez, sempre esgotamos o estoque de camisinhas. E, no momento, cumprimos jus a gíria máquinas de sexo.

Eu estava nua, e ele, deitado, testando os movimentos, era difícil escolhê-los, todos tinham características tediantes. Pela monotonia, optei pelo tradicional, penetrando o membro com o preservativo, fechando os olhos e imaginando a Rachel.

— Dei a eles o que mereciam — divulguei o meu pensamento.

— Perdão? — Heitor perguntou, trajando um riso, curioso.

— Mendigos — menti, sendo que, na realidade, me referi a ele e ao Jungkook. — Eles pediram esmolas ontem...

— Além de gostosa, é bondosa? — Comentou — Você é o pacote completo, garota?

Confirmei com a cabeça, acelerando as locomoções cujos órgãos sexuais se uniam, para assim, alcançar o júbilo. Aquele seria meu último ápice, minha exaustão era condizente com o estado, meu corpo frágil não suportava mais fricções.

Atinjo aquelas pulsações, me descarregando ao lado dele, no sofá caro da sua família, deitada, sem discernimento das repetições, sem conhecimento da hora e do atraso até minha casa. Heitor iniciou uma trilha de cafunés, permitindo o colo destampado como aparato de apoio à minha cabeça, então, assim o cumpri, recebendo os privilégios.

— Sinto que fui injusto contigo — ele relatou, enroscando os dedos no meu cabelo.

— Por quê?

— Duvidei da sua fidelidade, sendo que, também agi de má fé... — suspirou fundo.

— Águas passadas, Aguiar, esqueça-se — retornei meu olhar para ele, confortando-o.

— Não são águas passadas — resmungou.

— Não? — Me agitei, ainda deitada. — Qual é o conflito?

Heitor buscava palavras eufemistas, pois não lhe faltava determinação para revelar, sua feição reflexiva era quase inexistente, mas se expressava singelamente na testa e na boca.

— Perna-Mole está te perseguindo? — Perguntou. — O meu problema é este.

— Ele arranjou fotografias pornográficas minhas e me intimidou com elas — esclareci para o rapaz. — Tem ideia das origens delas? — Passei a ficar sentada, de sobrancelhas erguidas, pasmada.

— Talvez — passou a mão no cocuruto, com a cabeça entre as nuvens — Ayla, não posso omitir, minha imaginação ultrapassou as barreiras...

Perna-Mole não armou suas lentes contra mim, era claro, os flashes vieram de Aguiar, numa apunhalada pelas costas. Como eu não me lembrava disto?

— Como? — Indaguei.

— Acreditei que você e o Jungkook estivessem juntos. Meu melhor amigo e minha namorada.

— Quando a ideia surgiu? — Interferi o discurso melodramático, inflexível.

Ele respirou fundo, árido e indiferente, declarando solenemente a verdade.

— Eu li a tua carta para Jeon e te traí com a Cassandra. Admito que avacalhei, entretanto, Perna-Mole me flagrou — informou-me descontente e raivoso, como quem se recordasse de todo o manuscrito.

Permaneci fria, analisando as emoções, postergando qualquer sentimento com exceção da fúria, tomando a racionalidade para a decisão final:

— Você me fotografou nua, e, pior, me vendeu por silêncio.

— Eu e você estávamos bêbados, ambos despidos, lhe fotografei ali, quando ficamos desinibidos. Que se dana os resquícios, eu só não queria ter te traído, ganhado um par de chifres!

— Serei puta pelas fotos, corna pela traição. E adivinhe, estará Perna-Mole se masturbando, formando dupla com o Jungkook.

— Eles nunca tocarão em você, Ayla, fique feliz, mantê-los-ei longe se preferir.

— Feliz é o caralho, arregão — me levantei, fora de mim, corpo desnudo e roupas espalhadas. — Te meteria mais chifres com Jungkook.

— Você já fez, Sun, beijou-o em incontáveis ensejos, — retrucou, posteriormente, incorporando Shakespeare —, os lábios dele são possessivos, deliciosos para dançar uma valsa de línguas.

— Rodopiam piruetas que só ela consegue acompanhar!

Ela?

— Ela — eu respondi o garoto ensandecidamente, cortando a curiosidade pela raiz. Minha sanidade estava devastada, a culpa era da vermelha repulsão.

Vesti minha camisa e calça, abandonando as restantes peças, recusando-me a amá-lo em qual fosse o momento, imperdoável era o seu erro. Senhor e senhora Aguiar haviam chego, em tão pouco tempo beiravam a garagem daquela casa.

— Nunca mais volte — ordenou, apontando para a saída.

— Fico contente de não visitá-lo — sorri cínica e seca, acenando com a palma, logo, fechando minha feição, transbordando ceticidade com um sorriso sádico.

Ignorei qual fosse o chamado pelo meu nome, não importava o reprodutor, me tirei daquela construção com determinação febril. Minha cegueira era emocional, conturbada pela angústia, traí Heitor com Ana Clara, Michele, Roberta, e hoje, com Jungkook, todavia, Rachel foi quem me estabilizou conjugalmente. Não culpo Aguiar, recebi o que sempre preguei, entretanto, não o perdoaria perante as imagens.

Meu lar, eu precisava voltar para ele, estava distante, mas eu desejava ser acolhida, receber algum carinho.

Não era tão tarde, a lua enrolava para alcançar o céu, sobrara do sol poente alguns vestígios. Usar as pernas era meu único veículo, e, não iria apressá-las por convicções naturais.

Esperei na soleira da porta, pouco depois de bater a palma, fui atendida pela minha mãe, mulher sem cabelos, em virtude do estresse. Ter uma filha dá tanto trabalho assim?

— A vagabundagem foi boa, não é?! — Perguntou, exaltando outra personagem, puxando minha orelha, obrigando a entrada.

Sua mão sentava muitos tapas, aloprados devido às marcas sexuais registradas, já a outra, me locomovia, em direção à sala, contudo, desviei do percurso:

— Excelente — rebati, me desprendendo da mulher.

— Diminua o tom com a sua mãe! — Meu pai se entrosou na briga, relinchando até mim. — Precisa apanhar para aprender? Nessa idade eu já cui-...

— Cuidava de mim, não é? Por que não se protegeu quando me fez?! — Questionei-o com um naipe semelhante, cara a cara com o homem.

Quando senti o seu cinto contra o meu braço, mordi a bochecha interna, não mantendo algum escrúpulo ao retrucar. Ardia, doía muito, mas eu não reteria as palavras, iria protestar a favor delas.

— Veja o ESTADO do seu pescoço, maldita — Victor referiu-se aos chupões de Heitor.

Meu corpo inteiro estava carimbado, havia me esquecido de camuflá-lo.

— De tudo e muito mais! Adoro transar e não me escondo em dogmas — gritei contra as regras, por alguma razão, presenciando meu rosto úmido —, mas nunca, nunquinha mesmo, fui marionete desse sistema — minha voz fraquejou, uma crise de tosse cessou a garganta, era uma falta de ar esquisita, apertava os pulmões e não parecia ter fim.

— Sua vida é perfeita, garota — ele ergueu a cinta, checando anteriormente as minhas condições. — Você tem escola, amigos, comida, moradia, um namorado rico, uma mãe que te ama e um pai que te escuta. O que lhe falta para ser feliz, Ayla?!

— Me desprender dessa fantasia estúpida e ficar com quem me faz bem — meu pai quase me quebrou, todavia, finalizei a palestra. — Eu amo transar, brincar e conversar, hábitos comuns os quais vocês vivenciaram.

— Vai amar transar até engravidar — Victor comentou.

— Me protegi sozinha desde cedo por negligência de vocês. Ambos sofreram de abstinência ao sexo? — Fui vulgar, recebendo de acordo com o linguajar: uma bofetada na cara.

A dona da mão marcada em meu rosto explodiu, exibindo tudo o que escondera nos últimos anos:

— Você não foi expulsa de casa por transar, caçoada na escola pela gravidez, sequer abandonou os sonhos porque viraria uma dona de casa, ou imaginou negar bolsas de estudo porque lhe faltaria dinheiro, evitou lugares por conta dos boatos. Ayla, sua gestação nunca foi desejada, entretanto, fomos presentes na sua educação, já ficamos noites sem dormir devido a preocupação.

Os olhos dela carregavam inchaços, como os meus, pintavam nuances vermelhas nas redondezas, lacrimejados pela substância doce. As dissertações de Ágatha Lacerda foram bem arquitetadas, minha mãe sofreu durante a juventude.

— Sabrina... — meu pai sussurrou, captando a comoção da mensagem.

Seria eu a causa dessas concavidades alheias?

— Não tem sido difícil pensar em me livrar de mim mesma, parece relaxante, entende? Até a merda do Heitor concorda — desatei ao choro silencioso, pressionando os punhos para não soluçar, a voz não trepidar.

Dei de costas ao meu público, sem roteiro e interpretações para prosseguir com o papel, as emoções infelizmente eram tangíveis e concretas, sem foco nas hipérboles sofistas.

— Ayla! — Victor me chamou, seguindo aqueles rastros sentimentais espalhados até o meu quarto.

—•--❦--•—

Me tornei surda, nada conseguia ouvir, a fuga tornou-se minha companheira diária, o imaginário distante doía menos do que a realidade na qual estava por vir. A fórmula foi estruturada, repetida inúmeras vezes conforme o cotidiano, tratavam-se de ordens simples, fáceis de cumprir, era sempre acordar, cozinhar, limpar, me lavar e dormir.

Agosto tornou-se o mês do nada se faz, nada se pode, digo pela minha própria doutrina, parte da animação foi exaurida devido àquela briga, em virtude do orgulho meu, do orgulho da família. Deus, os dias passaram-se e, por mais que meus pais tentassem, eu evitava-os constantemente, perdurei naquela personalidade durante setembro, quando não estudei por uma semana.

Foi deste modo até dia 22, domingo, numa noite chuvosa. Pouco saí do quarto, posterguei inúmeras aulas, mal havia me alimentado, contudo, a sede me invadira. Amanhã seria segunda, tinha por dever ir na escola, a diretoria alertou-me sobre, ainda que fosse meu aniversário.

A campainha tocou naquele exato segundo e, por algum motivo, paralisou as minhas ações. Em plena tempestade, quem nos visitaria? Meu pai abriu a porta, quase fechou-a, pela sonografia ouvida, retornei, para confirmar a teoria, de fato, fui certeira na afirmativa: Jungkook estava ensopado. Ele portava uma carta preta, o pé metido à frente da fechadura.

— Eu não vim tocá-la, eu não vim beijá-la, é um assunto privado, necessito avisá-la logo. Tentei o telefonema, entretanto, não deu certo.

— Conte-me e vá embora — vociferou Victor.

— Senhor, por favor... — tentou suplicar, mas pouco deu certo, percebeu a feição carrancuda do meu pai. Jungkook suspirou, fracassando na tentativa. — Dê a ela este papel, com cuidado, o conteúdo é único.

Entregou ao meu pai o envelope, tirando o pé da porta e retornando para a chuva, exposto à friagem, emergido às melancolias. Victor trancou o espaço com a chave, abrindo a embalagem e refletindo, navegava inerte nos princípios morais, em mares desconhecidos nos quais eu não velejava.

Deu-me a carta sem bisbilhotar, decidido de como agir. Peguei-a em mãos, agradecida por aquele ato, abrindo o bilhete e lendo uma mensagem inacreditável:

Eu e meu pai levamos minha mãe ao hospital após uma forte fadiga dela, há vinte dias atrás, quando acreditávamos ser uma gripe corriqueira. Ela foi internada, mas, adquiriu sepse, em decorrência do sistema imunológico comprometido, devido ao estágio avançado da AIDS, Ayla, contraída em 1984, após uma transfusão de sangue.

Hoje, às 20:45, Ágatha Lacerda teve complicações, as quais confirmaram o seu destino. O velório será amanhã, às 13:00 horas, seguido do enterro. Por favor, não interprete levianamente, se esqueça do que ocorreu entre nós, compareça em homenagem a ela, somente isto; Ágatha sempre gostou de você, Ferraz, e até mesmo de Rachel... Contamos com a presença.

Apareça em casa com antecedência, para nos organizarmos, todavia, caso negue o convite, me ligue, respeitarei a opinião...

De: Jeon Jungkook.

Para: Ayla Ferraz.

Amanhã, segunda-feira, dia de aula, no meu aniversário, data do enterro da Ághata. Ela morreu, não mais iria sorrir, aquelas serão as últimas memórias, pouco me despedi quando passeamos juntas.

Joguei o bilhete, abandonando qualquer receio, corri em direção a porta, ignorando o medo. Fui contra a chuva, me arrisquei no temporal, Jungkook estava sozinho, tão solitário quanto eu. Nesta caixa de Pandora, Rachel foi a minha esperança, e, de alguma forma, teria de ser eu a dele, não poderia desampará-lo.

— JUNGKOOK! — Gritei, tentando alcançá-lo.

Ele se virou, paralisando a caminhada, seu rosto estava horrível, chorar era pouco ao enxergar àquela condição. Ela beirava o céu e tentava confortá-lo, porquanto, não conseguiria acalmá-lo enquanto falecida mãe.

— Ela nunca mais irá voltar, Ayla, ela nunca mais irá me abraçar.

Assim que o tive, desatou a lacrimejar, do que nunca, abraçando-me mais forte. De alma, de abraço, era ela, mulher da qual disciplinava o pupilo, rígida na jornada. Era fato, ele perdeu uma pérola, a joia rara digna de todo filho: uma mãe.

— Você é um eterno discípulo dela — apertei sua cintura, permitindo a cabeça dele em meus ombros —, prestaremos a melhor homenagem, não se preocupe.

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