Desmame De Sua Amada - VII

SÉTIMO CAPÍTULO

"Em contraste das falácias proliferadas, há um aperto sufocante calando a veracidade do belo mentiroso".

— Marionete De Palavras
By: magic_read_


Mais cartas para mim, missivas ameaçadoras com o intuito duvidoso, todas as manhãs tornavam-se repetitivas, reprisadas num loop infinito, naquele mesmo horário, para o mesmo destinatário, até meus pais queixavam-se sempre: "quem será?".

Eu bebericava na xícara o café quente, o qual pelando arrastava-se na garganta, já de alimento consumia o pão diário, rodeada por minha família pequena.

Sabrina me encarou, não mais comentou sobre o maldito bilhete, entregou aquele envelope fechado, notando as gritantes exaltações encarnadas em mim.

— Aqui está — flexionou uma sobrancelha, estendendo o invólucro ao arrastá-lo pela mesa.

— Obrigada — arranquei da direção dela, notando a suspeita, o conteúdo era privado para a mulher descobrir.

— Você não tem nada para me dizer? — Ela questionou-me, cruzando os braços, fios dourados presos na piranha.

— Tenho sim.

Amassei o papel entregue e resguardei-o no bolso, sem ler aquela nova edição, todavia, hiperativa logo pela manhã, introduzindo em Sabrina a falsa esperança da revelação:

— Alguma carta foi enviada nas últimas tardes?

— Bom, até onde sabemos, somente no início das manhãs — minha mãe respondeu, um tanto desanimada.

— Por quê, dona Ayla? — Victor quase cortou a fala da esposa.

— Por nada, só não gostaria de perdê-las — afirmei, não catalogando aquilo como uma mentira absoluta.

Meus pais não são o alvo, caso contrário, o autor mandaria as cartas à tarde, ou senão, com mais frequência.

— Hoje ele irá para o acampamento, mãe, e ficarei na escola até a despedida.

— Ele quem? Não é o Jungkook, correto? — Sabrina perguntou, engatilhando suas dúvidas num único shot.

O culpado.

— Heitor.

Ela tolerou a minha saída matutina, desta maneira, permitindo a ida para a despedida da turma, e como o famoso ditado reforçava, quem perde tempo é relógio parado. Minutos depois saí de casa, caminhando enquanto lia a seguinte carta:

01 de Julho de 1995

Não me julgue, não é frivolidade controlar uma manipuladora, espero que você não seja uma parasita fútil, prejudicará aquela que permanece ao seu lado, seja por minhas mãos, ou daquelas de quem você acha que teme.

E.

A letra final era divergente comparada ao do último bilhete recebido, pois, na carta passada, tratava-se de uma consoante, não de uma vogal, como a atual. O que significava esta pequena diferença?

Muitos dias se passaram desde que Jungkook descobriu o meu caso com a Rachel, seria ele o responsável por tudo?

Avistava os alunos do terceirão carregando as bolsas, provavelmente contavam com protetor solar, talvez repelente, alguns até bonés vestiam para escapar do sol. Sentia desprezo próprio por não usufruir da viagem, quase todos da classe iriam, enquanto eu teria a felicidade retida, sem diversão nas férias, Rachel pouco ficaria comigo, gastaria os dias nas aulas práticas de ginecologia.

Suspirei fundo, encarando o ônibus estacionado, logo, lotado de estudantes, aguardando o restante para dar partida.

— Está esperando por ele? — A voz masculina era reconhecível, tratava-se de Pirulito, interrogando-me perto da orelha.

— Ele é meu amigo, não é? — Puxei um sorriso sapeca nos lábios.

Numa folha de papel, tingi para Jeon palavras intensas, cirúrgicas, pois previa a negação deste para um diálogo. De fato, muito ele já me machucou, todavia, também pratiquei atos ofensivos.

Minutos mais tarde, o tão citado fez a entrada triunfal, e seguido pela mãe, ele prensava os óculos na face, carregava piercings na orelha, trajava uma blusa azul com detalhes amarelos, tinha olho esquerdo coberto pelo cabelo arrumado, além daquelas feridas espalhadas pelo nocaute de Heitor. No máximo bonitinho, apenas razoável.

Balancei a nuca, e discreta, avancei até o garoto, contudo, fui alvo imprescindível da sua rebeldia: o mais velho trombou no meu ombro, e dada a minha experiência, repliquei o ato, causando a queda da pasta dele, não só desta, mas do que tal reservava. Agachei juntamente ao Jungkook, prontificada para ajudá-lo.

— Por que você agiu assim? — Proliferou baixinho, irritadíssimo com a consequência.

— Porque adoro chamar atenção — pronunciei sarcástica, recolhendo algumas das partituras. — A sua atenção.

Observei algumas letras das músicas selecionadas, melodias como Boys Don't Cry The Cure —, Pais e Filhos — Legião Urbana — e Vira-Vira — Mamonas Assassinas — seriam ensaiadas ao redor da fogueira. Jeon tocando, Jeon rindo, Jeon cantando, todos irão saciar o talento do Little Bunny. As folhas de papel foram retiradas da minha mão.

Jungkook tocará e eu não serei o dueto dele.

Ah, olhe — entreguei o bilhete que fiz para ele ontem. — Estava no meio das partituras.

— Não estava e nem deveria estar.

— Leve para ler com calma.

— Levarei para ter certeza que queimarei — de mim tirou aquela carta, amassando-a sem sequer fitar, se levantando do asfalto.

Inquisidor.

— Queime a curiosidade junto, não irei reproduzir outra como esta.

— Preferiria assim, não gosto nem de encará-la, Ayla.

— Então feche os olhos.

Recompus-me, olhar de superioridade em face, confronto em empate entre a presa e a predadora. Fiz um bico, enviando-lhe um beijinho no ar.

— Vá para o inferno — xingou-me.

— Já fui para a sua casa.

Dei aos meus colegas abraços e beijos, alguns tapinhas e camaradagens como despedida; Heitor tentou algo semelhante, ao menos, esperava ganhar um afago da namorada, todavia, recebeu um aperto de mão, inserido por mim, breve demais para ser carinhoso.

Sem mais dramaturgia, os meus amigos subiram no veículo, acenando e até gemendo no ínterim do deslocamento do transporte. Ah, tamanha esquisitice era incurável.

— O bebê aguenta um tempo sem o pai? — Perna-Mole perguntou, num escárnio escandaloso durante a locomoção do busão.

Ergui a palma esquerda e indiquei o dedo médio, revirando os olhos na citação de Heitor.

— Um belo dedo a ser exibido — uma mulher comentou.

Locomovi a face, pondo as pupilas na presença feminina: a senhora Jeon fora postergada involuntariamente, não era de costume tê-la como acompanhante de Jungkook.

— Senhora Jeon, como vai?

Guiei aquele dedo para trás da orelha, camuflando a obscena ação com um sutil gesto.

— Vou bem — tocou os cotovelos de palma a palma, molhando os lábios ao dizer.

Ela assistiu este espetáculo com qual viés?

— É comum da raça humana praticar atitudes hediondas por influências alheias, não concorda?

— E o que posso negociar para que tais influências abranjam meu filho?

— Você quer estragar o Jungkook? — Desfiz da posição cabal antes apresentada, estupefata com o desejo.

— Não, desejo libertá-lo, ele é um jovem, não um velho enclausurado.

— Jungkook não é tão inocente quanto pensa, ele já beijou inúmeras garotas,

— Ele é VIRGEM e NUNCA namorou — rebateu, como se o cabaço fosse apavorante.

Que mãe reclamaria disso?!

— Você confirmou o... — fui interrompida.

— Eu lavo as cuecas dele, claro que já confirmei.

Arqueei a testa, acenando com um deslocamento, pasma com a situação, buscando coerência nos detalhes repassados. Diabos, o que eu tinha a ver com aquilo?

— Me preocupo com a saúde sexual do meu filho.

— Sou apenas uma conhecida dele.

— Uma conhecida de longa data... — tentou romantizar.

— Eu não me prostituo, senhora Jeon.

— Por favor, me ajude, arrume então um quebra-galho — suplicou, quase me louvando, pois de joelhos logo ficaria —, não quero vê-lo sendo solteiro, virgem e pai de sete gatos.

Hm.

Jungkook adotaria nove gatos, não sete.

— Uma garota qualquer? — Perguntei, assumindo o compromisso.

— Fosse até um homem a tê-lo conquistado, necessito somente que meu garoto explore o mundo antes que eu parta.

Esquisita.

— Ganharei o que com o acordo? — Refutei.

— Sei que você galanteia à noite, foi-me informado através de Jungkook.

Da pior maneira possível, pelo visto.

— Minha casa estará disponível para discutirmos um acordo — cogitou uma hipótese.

Desviarei da verdade para os meus pais, eles condenavam minha ida àquela residência.

— Daqui três dias, à tarde, na sua moradia — agendei um horário.

— Combinado, farei leite quente com biscoitos, ou prefere chá?

Irei alertar Rachel sobre a proposta.

— Prefiro leite — aleguei.

—•--❦--•—

Sequer falando a língua dos anjos convenceria Rachel da minha maquinação, a solidificação dela era intensa, dura como pedra, e a garota nunca seria desmoralizada por argumentos não plausíveis. Estávamos na sorveteria, a tão repercutida Paraíso de Verão, e para a loirinha valentona paguei um sorvete.

— Há chances da mãe de Jungkook ser a escritora das intimidações.

Ela afirmou, tão açodada na própria teoria que quase adulterou a minha, plácida cuja opinião não mudaria. Iniciei o contra-ataque, não sucumbindo àquela acusação:

— Ágatha não é retrógrada, ela suplicou para eu tirar o cabaço do filho.

— Sabendo que você namora o Heitor?

— Um homem idealizando esses desejos de Jungkook não traria mais a perturbação deste em nós, retribuiremos o carma na mesma moeda e ainda saíremos ilesas — Esclareci a ideia.

Limpei a boca com o guardanapo, sondando-a até uma resposta receber, e quando um sorriso macabro marcou sua expressão, deixei de contemplá-la.

— Na mesma moeda ou na mesma foto? — Lançou uma sugestão.

Tão entorpecida na vingança quanto eu, Rachel sensualmente lambeu o sorvete de creme, alcançando o ápice do maquiavelismo ao cometer aqueles feitos.

— Invadiremos o mundo daquele rapaz no cauteloso silêncio, meu amor — sussurrei, roçando a boca em sua bochecha discretamente.

— Ah, jura? — Aumentou a curvatura labial.

Quando se afastou de mim, Rachel sacou o próprio sorvete e esfregou-o no meu nariz.

Serei mais convidativa da próxima vez.

— Não sou burra, Ayla, sei como acabará essa história — ergueu-se da cadeira.

— Acabará com você tendo dores na coluna por aquele motivo — desferi uma piscadela —, caso ainda proteste contra Ágatha, acompanhe-me amanhã durante a visita.

Ela se retirou do cômodo, com tanta cólera explícita que sequer me fitou.

Mais um dia de vitória.

Mais um dia monótono.

Contemplei os divinos bovinos da área rural, encerrando uma pesquisa dada ao profundo conhecimento obtido: nenhum deles continha um chifre tão grande quanto o da Ayla. Ri fraco, esmagando a carta em mãos e explanando um sentimento controverso. Mesmo após deprecar para andar sem acompanhantes, pude ouvir as tagarelices alheias enquanto em silêncio eu permanecia, refletindo no fundinho do ônibus, pego em mim mesmo ao pensar nas tramas de uma certa garota.

— Trouxe o violão e não vai dar uma paletinha? — Pirulito chamou a minha atenção —, vamos lá, cara, já te vi tocando, é talentoso.

Me sentia confortável ao seu lado, todavia, alvo eu seria da plateia indesejável. Talvez tocando algo o furdunço diminuísse, a fofoca parasse.

— Vai cantar também? — Heitor zombou, sendo vítima da minha rebeldia.

Depois do episódio da cerveja, não existiria mais limites entre eu e Aguiar, enquanto sequer nos consideramos colegas, ainda repercutiam nosso extenso histórico de amizade.

— Amaria te ensurdecer com a minha voz.

Saquei o meu violão antes afinado em casa, logo, junto com a partitura, iniciei o concerto com a melodia da Legião Urbana. Uma indireta rápida, eficaz, inteligível para gente da configuração dele. Cantei:

"Não sei o que é direito
Só vejo preconceito
E a sua roupa nova
É só uma roupa nova
Você não tem ideias
Pra acompanhar a moda
Tratando as meninas
Como se fossem lixo
Ou então espécie rara
Só a você pertence
Ou então espécie rara
Que você não respeita
Ou então espécie rara
Que é só um objeto
Pra usar e jogar fora
Depois de ter prazer [...]"

Quando no camping chegamos, o sol estava em repouso, dormia tranquilamente no céu composto por estrelas, a lua subia, iluminava por entre os galhos, as mesmas nas quais aterrorizaram a vida do leitor voraz. Por mais que a presença das luminárias fossem marcantes naquele espaço, localizavam-se distantes demais para uma escapatória, o chão era barroso e pressentia a presença de mosquitos.

Montamos as barracas e lanchamos frente a uma fogueira, todos sentados e a conversar sobre as relações futuras. Meus dedos ainda formigavam após tantas músicas seguidas na apresentação, a fúria artística não era uma brincadeira.

Devorei um marshmallow, não encontrando Aguiar.

— Jungkook, você consegue por favor descolar uma última canção?

Perna-Mole suplicou, encarando uma garota até então desconhecida, logo, ele me devorava com as íris, globos oculares famintos na troca de olhares. Desviei o foco, avaliando a mulher: ela tinha um cabelo cacheado e solto, algumas trancinhas nas mechas bagunçadas, sobrancelhas arqueadas que acompanhavam um fino rosto, pele morena e lisa, lábios de cupido e nariz afiado, olhos esverdeados fixados nos meus. Bonita, porém já destinada.

— Estou um pouco exausto — hesitei, cabeça encostada num tronco horizontal, deitado rente a lareira. Fechei os olhos, postergando a presença de ambos.

— Jungkook, eu quero aquilo.

Se eu chefiar mais uma serenata amorosa, desembolsarei lucros para comprar minha moto mais rápido.

Despertei as pálpebras, desfazendo-me da posição preguiçosa.

— Uma música não fará tanto mal, meus dedos já estão fodidos — peguei meu violão e posicionei-o no joelho — Têm pretensões? Faço em parcelas se preferir.

— A-ah, ta-talvez para el-... — foi interrompido pela garota.

— Não, ele não tem — a moça invadiu, rindo fraco, descartando os sentimentos imaturos do rapaz —, que essa seja para você, trabalhar de cupido não é fácil.

Levantei uma sobrancelha, surpreso com a dispensa, Perna-Mole não era feio. A garota posicionou algumas moedas num canto distante, aproveitando-se da nossa proximidade e apossando-se do espaço, assentando-se ao lado, esbarrando acidentalmente nos meus ombros.

— Consegue colar alguma do Queen? Don't Stop Me Now?

Essa música me traz nostalgia.

"Jungkook, engrosse a sua voz!"

"Eu vou acabar rouco como você, Ayla."

"Relaxa, Freddie teria orgulho de nós."

"O Queen inteiro teria nos assassinado."

"Ficaríamos famosos, Jeon."

— Conhece a música? Ah... Qual é o seu nome?

— Jungkook — apresentei-me, abaixando a nuca levemente.

— Prazer, Maria.

Flexionou suas íris esverdeadas a fim de simpatizar, esperando alguma curiosidade vinda de mim sobre ela, talvez até uma pergunta para a conversa continuar; era difícil, execrável, eu era tímido e abominável. Pressionei meus lábios, caçando vagalumes para desviar o olhar.

— Trabalho aqui no camping há dois anos, sou tutora dos alunos, mas tenho vinte, e você?

— Dezoito.

Engoli em seco, matutando algumas possíveis perguntas: Banda favorita? Música favorita? Ideal político? Apoia o Che Guevara?

— Toca desde quando? — Interrogou-me.

— Um tempo... — interferi a seguinte questão com o dedilhar do violão, estava desacostumado com tamanha extroversão — Quer que eu cante junto?

— Por favor.

— Perna-Mole, você... — busquei por ele com a visão, não encontrando-o de maneira alguma.

— O seu colega já foi embora — não fez questão de procurá-lo.

— Ele esperava algo além, talvez sexo, eu não sei... — fiquei confuso.

— Não curto caras como ele, prefiro os mais quietinhos.

Ah, sim, o Felipe da nossa turma é o mais quietinho.

— Gosto dos quietinhos que são músicos.

É disso que chamam o chaveco direto?

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