Capítulo 8 - 💡💡💡

     Diante do grito furioso, Alan recuou, evitando o contato visual com seu superior ao som das tosses de Saulo, e, ainda em silêncio, recolheu os documentos no chão. Em consecutivo, Fabrício largou o blazer, antes pendurado em seu antebraço, sobre a bancada. Encontrava-se sem saber o que dizer; aquela cena lhe pegou totalmente desprevenido.

     — Essa bichinha veio cantar de galo pra cima de mim! Olha a bagunça que ele fez porque não deixei levar o carro!

     Virando as costas para Alan, Fabrício se voltou ao outro, momento exato em que Saulo passou a alisar sua própria garganta, mantendo o foco nos próprios pés; ele não tinha a intenção de abrir a boca. Por mais que seu aborrecimento com praticamente todos os habitantes de Irazal continuasse fresco, a raiva havia perdido a energia. Não que estivesse arrependido pelas explosões, no entanto, tinha consciência de que irritar policiais não era nada conveniente.

     — Aparentemente, hoje esse aí acordou doidinho pra levar umas porradas! — começou, Fabrício, inclinando a cabeça de leve para tentar achar o rosto do outro, onde pôde perceber um hematoma surgindo abaixo daquele olho. — Cadê o machão que me desrespeitou na frente do restaurante todo?! Olha pra mim, inferno! — O empurrão no ombro do estudante, o qual encostou suas costas na parede, também fez as esferas douradas subirem lentamente. Não por aversão; Saulo só não queria encarar o delegado, como se aquelas íris cinza passassem a ter alguma forma de domínio sobre ele. — Vou te explicar uma coisa, garoto. Não é por gostar de mim que as pessoas desta cidade me obedecem; elas me temem!

     A expressão sem emoção no rosto de Saulo, manteve-se intacta.

     — Não consigo sentir medo de você, desculpa.

     Fabrício riu, coçando a discreta costeleta grisalha, enquanto Alan resmungava algo inaudível atrás do balcão. Saulo só não esperava que mãos fossem grudar em sua jaqueta escura e lhe prensar firme na parede; pares de olhos foram imediatamente ligados por uma linha invisível.

     — Agora... serei obrigado a te surrar na frente deles, como sempre faço com quem não me respeita, senão vai aparecer outro pra me peitar, depois outro, e outro, e outro... Irazal é um ovo, um ovo onde ter uma arma é como ter um sapato. Eu sou um só, entendeu?! Não vou dar conta se seiscentas pessoas armadas resolverem fazer suas próprias leis!

     Após o desabafo, o qual Saulo ouviu atentamente, Fabrício o soltou, pondo-se de costas a ele com ambas as mãos na nuca — a cabeça baixa fez parte da sua postura apreensiva. Alan, que já havia organizado os documentos na bancada, não entendeu o porquê daquela tensão. Surrar delinquentes nunca fora um problema para o delegado.

     — Faz o que você quiser; só não me mata — Saulo se pronunciou; seu tom saíra diferente do normal. Mais fraco; rouco, e desta vez, não somente pelo resfriado. A culpa tinha relação com o aperto na garganta vindo de dentro para fora. Talvez o medo estivesse enfim surgido; não necessariamente pela possível surra. Era um medo de não sair mais daquela cidade e ter que conviver com aquelas pessoas pelo resto da vida. No mesmo segundo, viu Fabrício se virar para ele. — Sabe quantos dias estou aqui? Mais de uma semana. Mais de uma semana sem dar notícias aos meus pais... Mais de uma semana que não sei como e porque vim parar aqui! — Lágrimas mornas já rolavam em seu rosto; formando linhas iluminadas na pele escura e correndo pelo pescoço marcado. — Mais de uma semana sendo tratado igual um verme por você e por todos aqui! Quer dizer, só uma pessoa me vê como gente. Uma! — O silêncio foi iniciado, apesar disso, nenhum dos dois quebraram o contato visual. De um lado, cílios molhados destacavam olhos amarelos, do outro, sobrancelhas relaxadas davam ênfase nos globos cinza. — Por que vocês me odeiam?

     "Não é você quem eu odeio!"

     — O mais dramático de todos. Ganhou até do Beterraba.

     — Cala essa boca, Alan! — Depressa, repreendeu seu parceiro, deixando-o confuso, e então, jogou os cabelos para trás com uma das mãos. Preparava-se para, mirando o rosto baixo do jovem, falar: — Tá! Leva logo aquela lata que só está ocupando espaço!

     Saulo subiu apenas os globos avermelhados, mantendo todo o rosto na mesma posição baixa. E, sem mais nada a dizer, rumou à saída, saltando os degraus antes de se retirar da delegacia com certa pressa, o que destacou o desconforto doloroso no estômago. Junto ao suspiro entediado, Fabrício apanhou a chave do pátio, indo atrás do mais novo.

     Precisou fazer o trajeto correndo para o alcançar.

     — Vocês mudaram de lugar?

     — Mudamos o que de... — calou-se, encarando a área contornada por grades finas, completamente vazia. — Mais essa!

     Ele tentou se controlar, inclusive, inalou e soltou o ar lentamente pela boca, no entanto, Saulo já estava cansado daquilo.

     — Roubaram o carro do meu pai? Vocês deixaram alguém roubar o Tesla do meu pai?!

     — Acabei de ver ele aí, quando cheguei! — O delegado urgentemente se manifestou.

     Aquelas palavras estrondosas foram parar nos ouvidos de Alan, que rapidamente deixou a entrada da delegacia e se juntou aos dois diante do pátio às moscas.

     — Não interessa! Se virem, eu quero o carro de volta!

     — Ei! Que isso?! Abaixa esse tom, garoto! — Fabrício lhe apontou o dedo, vendo Saulo virar o rosto carrancudo ao outro lado.

     Uma jovem acompanhada de uma senhora, dobrou a esquina. Ambas caminhavam na direção da delegacia sem perceberem os policiais à frente do pátio. Parte do cabelo cobria metade do rosto da moça, exibindo só um dos olhos; este concentrado no chão que pisava. Os vários anos naquela profissão fizeram Fabrício adivinhar o que os fios escondiam naquela face.

     — Você vem? — Alan chamou a atenção do delegado. — É a filha do prefeito.

     Fabrício fez somente um aceno com os dedos; gesto para que o escrivão fosse na frente, o qual obedeceu.

     — Aquela porra está com pouca energia, logo o carro aparece encostado por aí. Agora se não for pedir muito, some daqui! Preciso trabalhar!

     Saulo assistiu aos dois oficiais retornarem à unidade de polícia sem demonstrarem preocupação alguma com o suposto furto. Secou os olhos e se colocou na estrada ao não ver alternativas. Andar por alguns minutos não parecia mais tão ruim se comparado à perda de um carro Tesla.

     Lá dentro, Fabrício ouviu Alan cumprimentar as mulheres. Pegou da bancada seu blazer; instante em que no chão, uma já conhecida carteira de couro caramelo ganhou sua atenção. Abaixou, rápido a apanhando.

     — Um teatrinho choroso com direito à saudade dos pais, foi o suficiente pra ele se livrar do corretivo? Fabrício, ao menos que ele tenha descoberto uma fonte da juventude, esse moleque não é o Nick! — cochichou após se juntar ao delegado.

     — Ele disse porque afinal queria o carro? — questionou, ignorando as últimas palavras do policial.

     — Voltar pro hotel. Pelo visto, além de miúdo, é sedentário.

     — Ok! Bom, de qualquer modo, você já bateu nele por mim. — O objeto caramelo, guardou no bolso conforme se aproximava de sua mesa, onde as mulheres o aguardavam, e o blazer, deixou sobre uma pilha de pastas amarelas antes de soar o ruído metálico, ao tirar o círculo de chaves do cinto. — Vou ouvir vocês daqui a pouco.

     Sem demora, girou uma das chaves na fechadura da primeira gaveta acoplada à mesa, de onde tirou o controle do automóvel desaparecido. "Aquele carro é todo fresco; duvido que alguém daqui de Irazal saberia sequer abrir a porta sem isto", refletiu.

     — Alan, dá um café pra elas; já volto.

— ⚡ —

     Sob o sol em seu ápice, Fabrício avistou Saulo há alguns metros. Sentiu calor só em mirar a jaqueta exagerada para aquela temperatura; inclusive, abriu uns botões da camisa social um tanto apertada nos bíceps, deixando parte do peito portando pelos brancos, à mostra. Minuto em que movido pela pressa, correu, deixando um discreto rastro de poeira laranja pelo caminho; apesar de ser fumante, sua boa forma e aptidão o fez chegar até Saulo em poucos segundos.

     A presença repentina ao seu lado por pouco não trouxe um palavrão aos lábios castanhos. Em compensação, o coração deu uma forte acelerada com o susto.

     Ou talvez, por outro motivo.

     — Pega. — Entregou a carteira, que foi aceita e enfiada no bolso da jaqueta.

     — Agora que está vazia, vocês me devolvem, né? — resmungou.

     Fabrício não entendeu e nem fez questão de perguntar, optando por acompanhar o estudante.

     — Toma isto também. — Então, deu o aparelho do carro, que logo fez companhia à carteira no bolso escuro de Saulo, o qual continuou a caminhar calado. — Não acha muita coincidência o carro sumir no mesmo dia que você foi buscar ele?

     Saulo interrompeu seus passos; Fabrício igualmente parou ao receber um olhar indignado.

     — Está insinuando que roubei meu próprio carro?!

     — Ou... você foi uma distração para alguém furtar. — O suspiro forte deixou as narinas do delegado ao ver o outro simplesmente lhe dar as costas, e ali parado, fechou os olhos, apertando as pálpebras em razão do que estava cogitando fazer. Junto à brisa, sentiu fios se libertarem do topete, trazendo mechas dançantes à sua testa. Mais um suspiro, e este, por meio dos lábios; mãos impacientes batiam os dedos sobre as laterais das coxas; em conflito entre dizer ou não dizer, até que um espirro soou de longe. "Inferno!" — Sabe andar de moto?

     Dali, a poucos metros, Saulo travou, instantes depois se virou ao delegado.

     — Sei... Por quê?

     — Eu que te trouxe, mas não tenho tempo pra te levar de volta — dito isso, deu uma corridinha, depressa alcançando e também, passando pelo jovem, o qual foi estranhamente tomado pela ânsia de seguir o delegado. E, embora nunca fora sensitivo, sentiu que algo bom lhe aguardava.

     Quase lado a lado — Saulo deixou Fabrício se manter centímetros na frente —, caminharam pela estrada de terra, a qual era a única responsável pelos sons. Dobraram à esquerda, entrando em uma área mais apertada, e somente ao olhar para trás, o estudante notou a aclividade do trecho; nem percebeu que havia subido tanto. Vegetações e pequenas cercas de madeira os contornavam; assim como cavalos e seus donos trabalhando naqueles campos. O discreto vento, que deslizava entre as folhas no alto das árvores, junto aos mugidos que Saulo não fez ideia de onde vieram, passaram a compor a melodia do trajeto.

     — Aqui, garoto — chamou. Apenas ao girar o pescoço e ver Fabrício parado diante de um baixo portão, porém, bem-acabado em tom de mogno vivo, ele percebeu que havia passado do ponto. Viu também, não muito distante, uma ampla casa em tons de bege no interior da propriedade. Retornou, juntando-se ao delegado que abria o tal portão, este ligado à cerca branca, igualmente bem-feita. — Fala mal da cidade, mas não perde a oportunidade de ficar namorando esse monte de mato, né?

     — Eu não estava... — Saulo até tentou elaborar uma resposta, mas foi interrompido pela chegada de uma menina eufórica, segurando um bloco de papéis.

     Sorria de maneira exagerada enquanto jogava o longo cabelo preso ao rabo de cavalo, para trás.

     — Tio! — soou ofegante e nitidamente elétrica. — Te vi chegar e vim correndo. Pegue. — Entregou-lhe duas folhas retangulares. Nelas, continha uma moldura feita de flores coloridas em papel cor de rosa. Balões dourados, assim como as letras, e um gato, completavam o convite. — Minha festa de aniversário! Um seu e outro do Alan.

     Fabrício não hesitou em aceitar.

     — Que bacana, Kelly! Com certeza eu vou... Eita! Você já vai fazer dezoito, garota? Não foi ontem que te vi usando fraldas, toda catarrenta?

     Até Saulo sorriu; Fabrício não deixou de notar a curva naqueles lábios.

     — Para, tio!... Ah! Nem acredito que finalmente terei uma festa de aniversário! — A menina só faltava pular de alegria; abraçava os convites com os olhos brilhantes. Saulo por sua vez, sentiu um aperto no peito diante da cena. Perguntou-se como algo, que para ele era tão fácil de conseguir e às vezes, um tédio, poderia causar tanta felicidade. Cansou de frequentar suas festas caríssimas de aniversário por pura obrigação. — Você deve ser o nordestino, né?

     Por um segundo, o turista se esqueceu de que estava em uma cidade minúscula e se espantou com o comentário.

     — É assim que estão me chamando? — Achou graça. — Sou do Norte e me chamo Saulo. — Apesar de hesitante, ofereceu a mão. Tinha a sensação de que todos o olhavam como se ele fosse de outra espécie mas, para a sua surpresa, Kelly o cumprimentou sem desfazer o sorriso.

     — A-do-rei esse sotaque! Todo acelerado! E esse tênis de rico? Amei! Aqui o seu, Saulo. — Pôs um convite na mão dele, fazendo o possível para não encarar aquele hematoma. — A festa será ali, onde eu moro — Apontou, indicando o sítio à frente. — Não precisa levar presente, mas se quiser, pode. — Riu, e sem mais nem menos, correu até a carroça se aproximando, balançando os convites.

     "02/07", ao contrário da recente e boa sensação, ver aqueles números gerou um violento calafrio em Saulo, o qual foi disfarçado com o seu massagear na própria nuca.

     — Agora são duas.

     Saulo tirou os olhos do cartão com a data da festa para fitar o delegado que já passara pelo portão e caminhava sobre a estreita estrada, do lado de dentro.

     — Duas o quê?

     — Duas pessoas que te trataram bem.

     O mais novo sorriu de maneira tímida.

     — Espero conhecer logo uma terceira.

     Ambos prosseguiram pelo caminho feito de granulados, enquanto o restante da área era tomado pela grama bem cuidada; um verde bonito de olhar, ainda melhor com os raios de sol iluminando a pontinha das folhas. Mais adiante, uma piscina se tornava visível no meio do jardim: água esverdeada contornada por pedras claras e uma cascata em meio às rochas no canto. Contudo, conforme chegava mais perto e reparava não só no formato irregular, como na movimentação e plantas flutuantes ali dentro, convenceu-se de que não era uma piscina.

     Saulo parou.

     — São peixes de verdade?!

     O espanto naquelas palavras trouxe humor ao delegado.

     — Não, são hologramas. Não está vendo o controle remoto na minha mão?

     Apesar da resposta mal educada, Saulo segurou o riso, preferindo se abaixar diante do lago ornamental e observar os peixes tranquilos indo e vindo. Alguns pequenos, formando cardumes; outros maiores e independentes.

     — Os grandes não brigam com esses vermelhinhos?

    — Não. Eles só ficam agressivos em ambientes pequenos, o que deveria ser crime. Agora, arreda. Tô sem tempo, lembra?

    Logo contornaram a casa, chegando aos fundos, onde a primeira visão foi uma escada de seis andares que terminava na porta bonita esculpida em madeira. Ao lado da tal escada, uma outra porta, esta de ferro, contando com uma pintura escura em verde, a qual dava para o subsolo e se localizava abaixo de uma janela; Saulo pôde ver a cortina clara atrás do vidro.

     — Você mora aqui?

    — Sim. Espere aí. — Foi o que disse antes de passar pela porta de metal carecendo de um óleo.

    Enquanto adentrava o local escuro e nem um pouco arejado, Fabrício tateava a parede à procura do interruptor. Nem lembrava a última vez que estivera naquela espécie de porão, que estava sendo usado também como garagem. O piso em concreto velho, já contando com rachaduras e terra escapando dos buracos, ecoava os passos do delegado pela área coberta de tralhas.

    Um clique trouxe o som eletrificado junto ao piscar fraco das lâmpadas, as quais rápido se estabilizaram e deixou tudo visível aos olhos de Fabrício. Caixas de papelão — a maioria com furos na base, decerto feitos por ratos —, móveis empoeirados, assim como peças de carro, também habitavam o local. No canto, onde a luz não batia muito bem, encontrava-se o meio de transporte que ele tanto quis se desfazer, mas, não tinha forças para tal.

    Respirou fundo, indo de uma vez até aquela moto, para incerto, passar a mão sobre o assento, o qual estava bem limpo, comparado ao restante ali. Esporadicamente, Alan se oferecia para fazer uma manutenção; o escrivão esperava que um dia ela fosse sua, porém esse dia nunca chegava.

    — Que isso? — questionou-se, mirando um papel branco com linhas rosas enrolado no punho da moto.

    Pegou-o, indo para baixo da lâmpada e desfazendo a primeira dobra; figuras em forma de arco-íris e unicórnios, não lhe pareceram estranhas. Desfez a última dobra, reconhecendo a folha como sendo de um caderno pequeno, na qual em canetinha azul celeste, dizia via letras trêmulas:

"Isso não vai fazer sentido e tá tudo bem, não é pra fazer agora, mas eu precisava te contar mesmo assim...

Eu consegui!

Te amava hoje
Te amei amanhã
Te amo ontem"

     Manchas úmidas desmanchando as linhas da folha, completaram a mensagem.

-

     Junto à parede, Saulo corria os dedos sobre os vãos entre uma pedra e outra que compunham aquela estrutura. Analisou as quadradas, as triangulares e também, as pedras que não tinham formato nenhum. Ele sempre fora acostumado com paredes lisas ou com algum efeito artificial para imitar aquele tipo de construção, mas ali tudo parecia tão diferente. Tão real.

     Som de folhas secas sendo pisadas levou com urgência seus olhos para trás, com a impressão de estar sendo observado. Nesse momento, o rangido da porta o guiou para o outro lado; seus olhos se arregalaram ao focar o que passava por ela.

     Era linda.

     Azul marinho e preto mesclavam o veículo em um brilho deslumbrante, o que realçava os vincos na lataria e intensificava seu ar robusto e ainda moderno, apesar do ano de fabricação.

     — Égua... sério que você vai me emprestar sua moto?! — A excitação se revezava com a surpresa.

     — Não é minha, e de coração, espero que o dono esteja morto — revelou, puxando o pedal e desfazendo temporariamente o sorriso no rosto do outro. — Se precisar de combustível, um cara vende ali na frente. Capacete não tem, mas como aqui a maioria só anda de bicicleta e carroça, não vai fazer tanta falta se você pilotar igual gente civilizada e não tentar nenhuma gracinha! — soou como uma bronca.

     Exibindo uma expressão travessa, Saulo reprimiu a risadinha; Fabrício bufou, mirando aquele semblante de criança imprudente.

     — Pode deixar, tio — provocou e se guiou à moto, primeiro tocando o assento, e sem mais delongas, montou, agarrando os punhos com ponteiras cromadas.

     O problema foi a visão nada satisfatória para Fabrício. Era como se tivesse voltado no tempo e o destino brincasse consigo, arrancando a cicatriz da ferida que nunca fora curada. "Até o jeito de sorrir é igual..." Meneou a cabeça, forçando-se a mudar o foco dos pensamentos. Em vão. A sensação de fadiga, tremores nas mãos e disparos no peito, não o deixariam tão fácil.

     Saulo perguntou algo, que não pôde ser ouvido pelo delegado; aquela audição parecia tapada pela aflição.

     Tonto, voou até a escada, onde desabou sentado de cabeça baixa. Respiração entrecortada; vista escurecendo. Fechou os olhos, cobrindo-os com as mãos; estavam frias, mas seu tato se encontrava adormecido demais para notar.

     — Credo, o que foi? Tá passando mal?

     — Não. Vai logo — respondeu, não movendo nada mais que os lábios, que naquele momento, não tinham cor alguma.

     — Mora alguém com você? Posso ir lá dentro chamar. — Saulo estava ficando realmente preocupado com o estado de Fabrício. — Você tá respirando estranho.

     — Pelo amor de Deus, sai daqui garoto!

     Saulo cogitou obedecer; a presença daquele sujeito nunca foi das mais agradáveis, no entanto... Ignorou a ordem, deixando a moto e, em movimentos rápidos, tomou o celular do cinto de guarnição do delegado. Aparelho este ao lado da pistola, a qual no reflexo, Fabrício prontamente protegeu às cegas. Ofegando, embora com a visão clareando lentamente, assistiu ao jovem se juntar a ele na escada de pedra e digitar um número desfocado naquele smartphone, para por fim, um toque soar em outro aparelho — isso na segunda tentativa, pois na primeira, Saulo esquecera de inserir o DDD.

     — Pronto. — Devolveu o celular e então, tirou os olhos do policial, decidindo-se por encarar a bela paisagem verde à sua frente. — Desculpa pela maneira que falei com você no restaurante. Ando meio estressado.

    Engolindo em seco, Fabrício preferiu voltar a mirar o degrau sob suas botas sujas de terra.

    — Não vou bater em você, relaxa.

    O perfil daquele rosto baixo, de imediato ganhou o foco das íris douradas.

    — Não tô com medo de apanhar, égua... É uma desculpa séria.

    — Beleza! — Respirou fundo; ainda sentia uma leve falta de ar. — Mas vou desculpar só a injúria sobre o meu dinheiro ser sujo. Aquele papo onde você admitiu ter fetiche em me ver de algemas, não tem perdão.

    — Ixi! Encasquetou mesmo com isso, heim? Até parece que gostou. — Rindo, Saulo se colocou de pé junto ao apoiar inconsciente de sua mão no ombro de Fabrício; toque este causador do forte calor na face do delegado. — Vá tomar uma água, Fabrício. Quando eu chegar no hotel te mando um emoji. Não precisa responder, só visualiza pra eu saber que está vivo. Deus me livre uma cidade com seiscentas pessoas armadas sem um delegado.

    — Uhmm! Qual emoji?

    Saulo deu de ombros.

    — Até lá eu decido.

Nota final

Ufa! Finalmente esse capítulo 8 terminou rs

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