Capítulo 5 - 💡💡

     Saulo se inclinou na direção da janela, erguendo o vidro opaco trabalhado com quadriculados, para simplesmente, arrancar a xícara da mão de Fabrício e atirar o líquido escuro ao lado de fora.

     — Esta xícara é minha. — Sentou-se novamente, reenchendo-a de café e logo, aqueceu a garganta.

     — Não acha que é muito cedo pra começar a abrir as asinhas, Nick?! — Diante do ignorar de Saulo, o qual fingiu que não ouviu a troca de nomes, Fabrício mirou a janela aberta para fugir do contato visual, arrependendo-se do ato no mesmo segundo. — Por que escolheu este quarto?!

     Enquanto terminava de engolir aquele pão adocicado, Saulo seguiu os olhos do oficial, topando apenas com uma árvore naquele gramado bem tratado. Alisou o alargador distraidamente, à procura do que possa ter feito o delegado levantar a voz daquele jeito. Nisso, pôde avistar também, que no encosto do banco de madeira, este abaixo dos galhos, havia um grupo de aves. Pombos.

     Com mais atenção, linhas entre suas sobrancelhas refletiram a intensidade que o jovem mirava os animais sobre o plano de fundo composto por montanhas, pois, em meio às aves cinzentas, possuía uma olhando no sentido da janela do quarto.

     A única pomba branca.

     — Não vai responder?! Por que escolheu este quarto?!

     — Porque... Porque é o mais caro. — "Acho que sonhei com um pombo igual àquele." — Sabia que pombos entendem matemática básica?

     — Não. Escolheu este quarto só pelo preço?! — Havia muita tensão naquele tom; o qual não passou despercebido pelo estudante.

     De volta, aqueles pares de olhos se encontraram.

     — Só. Por quê? Não me diga que... Égua! Aquele homem morreu aqui, né?!

     A fim de interromper o diálogo, dado que, Fabrício jamais diria o motivo da pergunta, dirigiu-se à cama do jovem. Ali, sobre os lençóis amassados, vasculhou a mochila de Saulo, logo encontrando o que precisava ao arrancar a última folha do caderno, com uma liberdade que fez o outro revirar os olhos; folha esta que aterrissou no compartimento da impressora. Tinha que testar de uma vez, se o aparelho funcionava.

     Com os cotovelos na mesa, Saulo se servia de um morno gole de café quando Fabrício pareou seu celular ao Bluetooth da impressora. Ele poderia imprimir qualquer coisa naquela máquina, já que a intenção era apenas testar seu funcionamento, contudo...

     — Olha só! E não é que o nerdzinho consertou mesmo? — Puxou o controle remoto da TV, no qual tinha sentado em cima sem notar.

     De soslaio, Saulo viu, ao som do ruído nada comportado do aparelho, a folha de caderno ser cuspida com alguns textos e imagens impressos.

     — Noventa reais.

     Fabrício, por um triz não gargalhou, mantendo a expressão fechada de costume; ele possuía um ótimo controle em relação às exibições de suas emoções.

     — Seu pagamento será ficar em liberdade durante as investigações.

     — Tipo propina, né? Entendi — alfinetou no instante exato que a vinheta de plantão jornalístico, abriu na televisão, a qual ele só percebeu ligada após Fabrício aumentar o volume.

     — "A Ponte Norte-Sul, que foi atingida ao longo da tempestade por um raio, e liga Irazal ao restante do estado, acaba de desabar. Felizmente, não houveram vítimas. Voltamos a qualquer momento para novas informações" — concluiu a repórter, finalizando o plantão.

     — Isso é... — Saulo colocou a xícara no pires, sem ação para deixar a cadeira. — muito ruim?

     — Isso é: — Apoiou as costas na cabeceira da cama, esfregando as pálpebras em meio ao suspiro. — estamos literalmente isolados.

     O coração do estudante passou a bater compulsivamente e não demorou para suas mãos se tornarem gélidas... trêmulas sobre a mesa.

     — O que você quer dizer com... isolados?

     — Não se faça de burro, porque sei que isso você não é! — Enfim, desligou a televisão e pôs seu celular no suporte preso ao cinto, enquanto analisava a folha impressa.

     A pergunta do mais novo foi realmente retórica; era pura Geografia. Saulo sabia que Irazal possuía uma imensa extensão de água doce em torno da cidade.

     — Não é pra isso que navios e aviões servem?

     Fabrício o encarou de modo nada amistoso; dedos ansiando para acender um cigarro.

     — Você tem algum na mochila? Em Irazal só tem canoa.

     — Do lado de lá tem!

     — Ok! Então quando alguém vir te buscar de avião ou a porra de um navio, avisa que você não pode deixar a cidade porque é suspeito de um homicídio! — ressaltou, lembrando-se de sussurrar o final e fazendo Saulo respirar fundo para não cair na pilha do delegado.

     — Mas, e como fica o abastecimento de comida, água, essas coisas?

     O policial civil também puxou e soltou o ar de maneira profunda, recompondo-se.

     — Noventa por cento do que a gente consome, vem daqui mesmo, isso é o de menos... Inferno! — resmungou. — Vou ter que fabricar meu próprio cigarro. — Aquela era a sua única preocupação; Saulo preferiu fingir que não ouviu.

     — E a energia elétrica, vem de onde?

     — Tem uma Bobina na cidade vizinha. Ela alimenta um gerador aqui dentro que distribui energia pra gente.

     Pela terceira vez naquela manhã, a campainha soou pelo quarto, interrompendo aquele amistoso diálogo.

     — Acho que é a senhora que ficou de me trazer a escova de dentes.

     — Uhm... — O outro dobrou aquela folha impressa, guardando-a dentro do caderno sem que Saulo visse, e então, mirou a porta. — Devia ter aproveitado e pedido uma cueca.

     "Que cara desnecessário!"

     — Melhor você abrir a porta antes que ela comece a chutar. — Ao som de mais um toque e tendo o foco daquele par de olhos cinza, completou: — Você está mais perto.

     Mesmo de má vontade, Fabrício foi em direção à porta. Suspirou, agarrando a maçaneta e agradecendo mentalmente por Alan não estar por perto; decerto o escrivão implicaria com o fato de Fabrício ir atender a porta, feito um empregado obediente.

     Ele só não esperava encontrar olhos um tanto surpresos após puxar a maçaneta. Apesar disso, manteve-se calado, aguardando alguma palavra da mulher que segurava uma sacola verde e uma caixinha branca, a qual discretamente escondeu no bolso do terninho. E, devido ao silêncio da moça, Fabrício guiou-se para o lado, abrindo ainda mais a porta.

     — Bom dia, delegado! Algum problema com o nosso hóspede?

     Diante da suave voz conhecida e jovial, Saulo virou a xícara de uma vez garganta adentro; logo conferindo o laço do roupão antes de se levantar. Temia passar uma má impressão àquela moça.

     — Problema? Não! Nenhum, Luana — respondeu pelo delegado. — Só... arrumei a impressora da delegacia e ele veio buscar. — Apontou ao equipamento na cama; sorrindo para disfarçar.

     O delegado por sua vez, não gostou nem um pouco daquela cena; limitando-se a apenas cruzar os braços e dividir a atenção com os dois; concentrando-se principalmente, nos gestos de Luana.

     — Ah, sim! Seu pedido. — Também sorrindo, ofereceu a sacola, a qual foi aceita pelo hóspede.

     — Esse serviço não é das camareiras? — Fabrício enfim se pronunciou, descruzando os braços e avançando um passo, o qual lhe pôs entre os dois.

     — Sim, sim! Mas... estou ajudando porque uma delas está doente.

     Luana mirou seus olhos de maneira, ora indecifrável, ora assombrada; intrigando o delegado. Lábios cobertos de batom, davam indícios de se separarem, no entanto, hesitaram.

     — O que foi? — Virou-se brevemente para trás, analisando Saulo antes de retornar o foco à Luana. — Quer me dizer alguma coisa? — Embora tenha baixado o tom, Saulo também pôde ouvi-lo.

     — Eu? Não. Por-por quê?

     Incomodado com a presença de Fabrício e o nítido desconforto que ele causava em Luana, Saulo apanhou a impressora, largando-a nas mãos do oficial.

     — Boa sorte com a caçada do ladrão de galinhas, delegado. — As curvas falsas nos cantos da boca, não passaram a veracidade que ele queria.

     — Fica esperto, garoto! Você tá na minha mira! — cochichou e se retirou contra sua vontade, passando por Luana sem ao menos encará-la.

     Ela por outro lado, mirou as costas largas do delegado se afastando, tentada a chamá-lo de volta, porém, logo desistiu da ideia. Era mais seguro se ele não soubesse.

     — Esse Fabrício é um porre! Égua! Que cara chato! — reclamou, passando a mão livre atrás da cabeça, na área raspada em degradê.

     — Segundo o que dizem, o pai dele foi um delegado bem mais carrasco. — contou. Saulo nem se surpreendeu com a revelação. "Deve ser mal de família". — Bom, melhor eu voltar para a recepção.

     — Mas antes, você poderia me indicar uma loja de roupas? Perdi minha mala na viagem. — A última coisa que ele queria, era ser visto como um fugitivo.

— ⚡ —

     — Só preciso usar um pouco! Por favor, caras! Tá doendo demais!

     Lá dos degraus na entrada da delegacia, Fabrício pôde escutar os gritos do prisioneiro; puro efeito da abstinência. Respirou fundo, seguindo com os passos firmes e depressa posicionando a impressora no seu lugar de origem; ao lado do humilde computador.

     — O miúdo arrumou?

     — Pode ser qualquer uma! Eu... Está frio, muito frio... Não consigo respirar!

     — Uhum... — Fez menção de plugar os cabos, porém, ficou com preguiça. — Joga um balde lá dentro, senão aquela porra vai começar a encher a cela de vômito!

     — Espera, espera! Sei que vocês ainda não descobriram quem matou o Seu Roberto, mas eu sei quem foi! Se me deixarem sair eu conto... eu conto tudo!

     Os dois oficiais se entreolharam. Em uma linguagem muda, Fabrício apontou a Alan, tocando em seguida em sua própria boca para enfim, guiar o indicador na direção do corredor, onde se encontrava a cela. O jovem policial simplesmente negou com a cabeça, e então apontou de volta a Fabrício, completando com o mover dos lábios que disseram sem som: E você?

     — Lógico que não conversei sobre o caso com o Beterraba! — respondeu Fabrício, em um sopro, indo a seguir rumo à cela sob a companhia de Alan. Já o prisioneiro que mais parecia estar definhando enquanto se agarrava nas grades para não desabar, exibiu alegria através dos olhos lacrimejantes ao ver o delegado diante do cadeado, apesar das veias inchadas e esverdeadas no pescoço e têmporas. — O culpado já foi identificado faz tempo, sinto muito.

     — Pegaram o cara errado! Quem matou aquele velho tá solto e bem debaixo dos narizes de vocês! — Foi nítido o grande esforço que fizera para levantar o tom.

     — O cara...? — Alan avançou, parando ao lado de Fabrício com as mãos perdidas nos bolsos da calça preta.

     — Vão me soltar se eu disser o que vi? — Dividiu a atenção com ambos, os quais fizeram o mesmo entre eles. — Ou só... me deixa usar um pouco. Eu tô passando mal, pelo amor de Deus! — Tremia em meio a calafrios.

     — Fala primeiro. Se a informação for útil, pensaremos no seu caso. — Fabrício enlaçou os braços à frente do peito, demonstrando nada mais do que indiferença durante a inclinação da cabeça para o lado.

     O delegado sabia que o homem falaria de qualquer maneira; a necessidade da substância ilícita estava cada vez mais forte.

     — Ele... Eu vi, eu vi ele. Saiu de um carrão preto, todo sujo de sangue e... meio doido, atordoado. Agitado.

     — Onde tinha sangue? — Alan se adiantou.

     — Nas mãos e... — Pausou, demonstrando falta de ar. — nas mãos. Cadê a chave? Abre cara!

     Notando o desespero do sujeito sacudindo as grades, Alan mexeu no cinto coberto de porta acessórios, soando o som das chaves, as quais o tranquilizaram por hora.

     — Onde foi isso? — prosseguiu o escrivão.

     — Lá no... Ele queria alguma coisa pra... Como ele disse? Ah, sim... Parar o tempo. Vocês sabem onde.

     — Ele disse por que queria, "parar o tempo?" — Foi a vez do delegado.

     — Oh, se disse! Depois que usou, começou a falar igual uma matraca... Tem cigarro aí? Pra tentar enganar a fissura — pediu e, sem hesitar, Fabrício não só tirou um do maço, como acendeu na boca do prisioneiro, o qual tragou com pressa. — Ele falou um monte de doideira, e que tinha matado um velho. No outro dia de manhã, ouvi no rádio sobre a morte do Seu Roberto. Que Deus me perdoe, mas aquele desgraçado foi tarde... Droga! Esqueci de contar a coisa estranha.

     — Então fala logo! — Alan o apressou.

     — Eu também estava noiado... — Deu mais uma longa tragada, enchendo o ar de fumaça. — talvez seja viagem minha, mas... antes de desaparecer, ele tirou um canivete da jaqueta, levou para...

     — Espera! Jaqueta? Como era essa jaqueta? — O delegado deu um passo à frente, interessado. Alan se manteve na mesma posição, igualmente atento.

     — Dessas de couro, preta, que a gente vê os motoqueiros usando na TV.

     O arrepio na espinha sacudiu o corpo de Fabrício com a lembrança. "É só coincidência, caralho!"

     — Ok! Continua, Beterraba. — Alan deu uma olhada expressiva ao seu superior, como quem diz: É o nosso cara. A descrição da vestimenta do criminoso, feita pela testemunha chave, coincidia com o relato do sujeito atrás das grades.

     Contudo, não foi por isso que Fabrício se sentiu mal ao ouvir tal descrição.

     — Tá! Bom... Esqueci. Onde eu estava?

     — Ele tirou o canivete da jaqueta...?

     — Isso! Aí, pegou o cabo de energia da rua que a tempestade derrubou e levou pra dentro do carro. Cortou e grudou as duas pontas no volante. Saiu até fogo!

     Os dois policiais simularam uma expressão de pavor; Alan fez o possível para segurar o riso.

     — Ele pôs alguma luva para cortar o cabo? — Fabrício soou sério, apesar de sentir estar conversando com uma porta.

     — Não. Ele parecia ser imune ao choque. Mas nem liguei, já vi coisa pior quando tô doidão. — Riu, achando graça.

     — Ah, claro! — A partir de então, o delegado soltou um riso de desgosto. "Por que ainda estou ouvindo esse imbecil?!" — E depois? Ele criou asas e voou, suponho.

     — Nem deu tempo porque aconteceu uma explosão e puft! Ele sumiu, e o carro também. Fiquei meia hora dando risada.

     — Uhm... realmente, isso deve ter sido muito engraçado. — Fabrício tornou a trocar olhares céticos com Alan.

     — Consegue reconhecer se ver ele de novo? — Já o escrivão, ainda estava levando o relato a sério.

     Beterraba gargalhou, interrompendo a tragada.

     — Eu já vi e bem aqui. Até pensei que o menino veio se entregar, mas pelo visto ele tá brincando com vocês ou só procurando outro velho pra matar.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top