Capítulo 2 - Noite Estrelada
2043, Irazal do Sul/Brasil
Pálpebras permaneceram cobrindo a visão, mas não foram capazes de bloquear os feixes fortes mirados em seu rosto. Viu através da pele fina, a iluminação mais e mais próxima, ganhando tons avermelhados, ora amarelos, esquentando-lhe as retinas. Até que enfim, achou forças para abrir os olhos; fazer isso trouxe de volta dois de seus sentidos, os quais antes, encontravam-se adormecidos:
Audição e... tato.
O som, que se assemelhou a estouros vindos do carro parando à frente do seu, só não foi maior que a dor latejante na cabeça. "Pelo menos estou viv... Ixi! Como assim?" Estremeceu no instante em que analisou os faróis do carro estacionado, este que liberou duas silhuetas masculinas.
Era noite.
— Por quanto tempo fiquei apagado? — resmungou consigo mesmo, depressa se livrando do cinto e procurando o celular na mochila largada no piso do automóvel.
Somente nesse minuto, percebeu o quão turva estavam suas vistas. Nisso, o ato lhe permitiu ver o rádio, o qual encarou de modo hipnotizado, distante da realidade. Ergueu a mão ansiosa, fazendo menção de apanhá-lo... Golpes no vidro o interromperam.
A súbita batida em sua janela, disparou o coração que já não estava calmo. Aos xingos mentais do lado de fora, o homem sacudiu a mão no ar por culpa do sutil choque recebido ao encostar naquela janela. Um sujeito aparentemente próximo de sua idade, vestindo camiseta preta, esta destacando a pele clara, e por efeito do farol do outro carro, Saulo pôde enxergar o distintivo policial pendurado em seu pescoço.
— É proibido estacionar no meio da estrada! — soou em seu sotaque roceiro.
Tomado pelo nervosismo, Saulo esfregou o dorso da mão sobre os olhos para tentar afastar aquela névoa insistente; a seguir, desceu o vidro, como quem não tivesse ouvido o oficial; apesar de ter entendido a fala do rapaz perfeitamente.
— No que eu bati? — O local se encontrava significativamente escuro, mas se houvessem postes caídos ou até mesmo, corpos na rua, ele teria visto.
— Hã? — O policial deu uma rápida inspecionada no para-choque do automóvel de luxo, logo se virando ao motorista. — Sai do carro! — Não foi um pedido.
— Ok, só vou encostar...
— Sai. Do. Carro. — Dessa vez, a ordem, tranquila, embora firme, viera do outro homem. Um mais alto e fisicamente mais forte.
Por ele estar de costas para a luz da viatura, Saulo não conseguiu ver a face daquele que acabara de acender um cigarro; o qual olhava para os lados como se estivesse ali contra sua vontade. Saulo teve vontade de ligar seu próprio farol por curiosidade de enxergar o rosto apagado, porém, a nova batida no teto do carro o impediu.
— Melhor você sair sozinho. Se eu te tirar daí vai ser pior! — insistiu o rapaz.
— Quer saber? Deixa que eu tiro, Alan. — A maneira puxada que aquele homem pronunciava a letra R, não passou despercebida por Saulo; e muito menos a irritação.
Impaciência corria pelas veias do policial soprando nicotina no ar. Tudo em razão daquela maldita data; estava completando vinte e um anos do ocorrido.
Do banco, Saulo assistiu ao homem que trajava uma vestimenta mais informal, atirar o cigarro no chão, seguido de um pisão. O jato de fumaça branca soprada ao alto, foi vista ao encontrar a luz e desaparecer lentamente no escuro. Este era, Fabrício Azevedo, delegado da região, o qual naquele momento só queria ficar sozinho.
Por mais que ele tentasse ignorar aquele, seis de junho, as lembranças pareciam ficar mais fortes com o passar do tempo. Sabia que nem em mil anos a dor ficaria menor, porém, esperava ao menos se conformar.
Algo ainda mais difícil quando a culpa vira sua sombra.
Assim que passos foram dados em sua direção, Saulo tomou coragem para abrir a porta e se colocar de uma vez ao lado de fora; segundo exato que o outro estacou, claramente tomando um forte susto diante de seus olhos. Fabrício viu o corpo gelar e todos os pelos ficarem de pé ao avistar o rosto de Saulo. Aquilo não fazia sentido. "Como isso é possível?!" O coração palpitando desenfreadamente sob a camisa social, tirou todas as palavras, todas as ações, todo o sangue dos lábios daquele homem. Sentiu estar ficando louco; tonto; sem chão. Quem sabe ele estivesse dormindo sobre sua mesa coberta de inquéritos e tudo aquilo não passasse de um pesadelo.
Uma recordação ruim.
— O que foi, cara? — questionou, Alan.
Junto às palavras do jovem policial ao seu lado, Saulo deu um passo atrás, incomodado com a forma estranha que o tal delegado lhe encarava, instante em que percebeu a composição do chão: terra. Desceu os olhos, conferindo que de fato, abaixo de seus tênis transparentes, onde o farol batia, possuía terra. Terra laranja. "Será que estão reformando a avenida?" O mais baixo não teve tempo de ampliar seus pensamentos, uma vez que teve a camisa agarrada pela mão clara e o metal frio de uma arma, grudado em sua têmpora.
O visor verde na lateral da peça, informou que o pente de balas se encontrava totalmente carregado.
Fabrício se manteve fitando os olhos amarelados e ofuscados pelo escuro, bem de perto; sem dizer nada. Saulo por sua vez, em um ato impensável de autoproteção, tentou afastar de sua cabeça a mão portadora da arma, a qual nem se moveu. O delegado tinha um bom preparo físico; diferente do estudante de física.
Ambos se encontravam com corações palpitantes; no entanto, por motivos diferentes.
— Mãos para trás agora! — gritou, respingando saliva e deixando todo o ar de Saulo cheirando a cigarro, o qual rapidamente obedeceu. — Quem é você?! Qual é seu nome?!
— Me-meu nome é... É... Sa-Saulo? Saulo! — Por cima do ombro do delegado, viu o outro rapaz analisando seu superior de modo confuso.
— Fala devagar! Qual é a porra do nome do seu pai?! — Pressionou ainda mais a pistola na pele de Saulo, ato que o fez pender a cabeça para o lado oposto e engolir em seco.
— Meu pai? — Tirou o foco do homem, deixando-se mirar o nada, pensativo. Vasculhava sua memória à procura da resposta, a qual parecia estar tão distante... inalcançável.
— Mãos para trás, já disse! — Tornou a forçar a pistola. — Não sabe o nome do seu pai?!
— Se-sei.
— Então fala!
— Ca-calma. Por favor, calma! Ele se chama... — "O que está acontecendo comigo?!" Provável que o susto lhe comprometeu as lembranças. — Acho que bati a cabeça — soou em voz quebradiça, destacando o quão diferentes eram aqueles sotaques. — Pelo amor de Deus, não me mata! O que eu fiz?
Suspiro.
Fabrício abaixou a arma, retomando a sanidade enquanto a guardava de volta no coldre, soltando também, a camisa de Saulo. No escuro os cabelos grisalhos do delegado pareciam mais brancos do que o habitual.
— Você fala igualzinho o... — sussurrou, não concluindo e já correndo as mãos pelo corpo do jovem ao fazer a revista de praxe. "É só maluquice da minha cabeça", desejou. — Documentos e habilitação? — questionou, recebendo em resposta um aceno nervoso com a cabeça.
— Lá dentro. O carro é do-do meu pai. — Ergueu a mão, apontando o automóvel.
— Mãos para trás, caralho! Que inferno! — ordenou. Saulo se encontrava a ponto de perder as forças das pernas; jamais havia sido tratado daquela forma. — Mas então, quer dizer que o carrão é do pai que não tem nome? Que bacana! Alan, revira o veículo!
No tempo que o policial civil adentrava o carro preto buscando os documentos, Fabrício não desviou os olhos do rosto de Saulo nem por um segundo. A semelhança era assombrosa: mesmos lábios espessos, embora em boca pequena; mesmo nariz de dorso largo; mesmos olhos vastos, expressivos e o inconfundível ar inocente. "Cinicamente inocente!" Seriam realmente semelhanças? Fazia tantos anos... Talvez a falta de iluminação estivesse lhe trapaceando.
— O nome dele é Saulo Figueira Mahin. Dono do carro, Arthur Mahin da Silva. — Leu Alan, com os documentos inclinados no farol e dispensando o uso da lanterna. — Quer que eu cheque no sistema?
"Isso! Arthur! Por que esqueci justo o nome do meu pai?!"
— Deixa que eu faço isso. É ele mesmo na foto? — "Mahin... esse sobrenome não me é estranho", pensou. Alan teve a mesma impressão.
O subordinado não iria comentar, mas achou o comportamento do delegado um pouco incomum.
— É.
— Olha de novo.
— É ele sim — confirmou. — Epa! Olha só o que temos aqui.
Com pressa, Fabrício deixou o estudante para conferir o que havia dentro daquela mochila... Respirou fundo com a visão. "Quem diria que meu trabalho fosse se fazer sozinho." Seu olhar se tornou tão profundo, quanto o do seu parceiro de profissão, para depois, fitar Saulo da mesma maneira. Ainda calado, Fabrício tomou a carteira de couro caramelo com os documentos de Saulo, das mãos de Alan, e guiou-se à viatura.
— Algeme ele e jogue lá atrás.
Os sentidos de Saulo sumiram por um intervalo; mãos entrelaçadas às suas costas, congelaram na posição que estavam.
— Algemar?! Égua! Vou ser preso?! Por quê?!
Uma angústia enorme tomou o peito de Fabrício; após anos, não foi fácil ouvir aquela gíria do Norte novamente.
Sem reação, Saulo se viu ser girado sem a menor delicadeza e o material frio contornar seus pulsos, soando o encaixe metálico em seguida.
— Belo carro. Papai deve ser rico — comentou, Alan, ao lhe virar de frente. Os cabelos escuros, de comprimento mediano e encaracolados do policial, já se desgrudavam do gel, naquele que não era mais um penteado lambido para trás. Do cinto, puxou a fina lanterna a qual utilizou para examinar as pupilas de Saulo. Sorriu torto. — Aposto que ele vai adorar saber que você acaba de se tornar suspeito de um homicídio.
De dentro da viatura, o jovem assistiu calado e encolhido naquele espaço apertado e sem nenhum conforto, os policiais trocando palavras. Para piorar, tinha que dividir o cubículo com uma caixa de ferro contendo um + vermelho no centro. E, depois de receber instruções de como dar a partida no carro elétrico, Alan tomou a frente do tal automóvel, juntamente de Fabrício, o qual já manobrava o veículo da polícia. Através da grade de proteção, Saulo espiou o delegado tranquilo no volante — na verdade, pôde ver apenas os lisos cabelos castanhos claros, estes, volumosos, para trás e levemente grisalhos.
— Precisa levar o carro também?
— Se quiser, a gente larga ele aí e amanhã tem dois no lugar — ironizou.
Saulo preferiu não retrucar, convencido de que realmente seria melhor levar. "Não quero nem ver o estrago na luz do dia", pensar na provável lataria danificada, reviveu a fala violenta do policial. "Eu matei alguém?" De repente, sentiu-se cair em um redemoinho anestésico. Não tinha medo, culpa, ou qualquer outro tipo de sentimento. Tudo lhe parecia uma folha em branco. Quer dizer, a julgar pelo lado externo, estava escuro até demais. Saulo não lembrava das ruas de Panópolis serem tão apagadas e... Inclinou-se um pouco mais junto ao vidro traseiro, tentando enxergar melhor aqueles aglomerados de minúsculos pontos brilhantes no céu. Jamais, vira algo parecido antes.
"Que bonito!"
— Por que o céu está assim? Deu blackout?
— Assim como? — Fabrício lançou uma rápida olhada para cima, não encontrando nada de anormal no céu.
— Estrelado.
— Porque é noite.
-
Indo na frente ao ser guiado por trás pelo delegado, Saulo subiu os três degraus de concreto sem desviar os olhos dos dizeres, Polícia Civil, em branco, no alto da fachada preta. Sentia muito frio, mas de acordo com a mão quente lhe segurando o cotovelo, julgou que isso não tinha a ver com o clima; decerto sua temperatura baixa estava totalmente ligada ao nervosismo correndo pelo seu corpo. Aparentemente, o estado de dormência passava. Foi então que ao cruzar a entrada, na qual continha punhados de rosas brancas, ursos de pelúcia e cartões coloridos que não lhe passaram despercebidos, ele ganhou linhas na testa e sobrancelhas inclinadas com a visão interna do lugar.
Baseando-se no alto padrão de Panópolis, aquela delegacia pareceu humilde demais. No entanto, não foi só o tamanho que chamou sua atenção; o agrupamento de móveis, caixas de papelão e desordem, também tiveram culpa. A larga mesa de mogno no fundo, até que se encontrava ajeitada; pelo menos estava livre de papéis e equipamentos, ao contrário da bancada branca que acabara de passar em frente. A qual contava com uma divisória no centro, impressora aberta com um rolo de papel pendurado de um lado, e, pilhas e pilhas de folhas no outro.
"Mas credo", reclamou ao ser forçado pelo ombro esquerdo a sentar diante da mesa bem lustrada. Enquanto Fabrício depositava os documentos de Saulo sobre a madeira escura, o estudante se perdeu por um segundo encarando o estreito e escuro corredor ao lado. "Que lugar estranho." Antes de enfim se sentar, evitando o contato visual, Fabrício puxou a alavanca da pequena janela, abrindo-a, e propositalmente, deixou visível para Saulo o distintivo vermelho preso ao cinto com o título: Delegado.
Aflito, o rapaz assistiu ao mais velho dobrar as mangas da camisa social até os cotovelos, tão logo descansar os antebraços na madeira, mantendo as mãos unidas.
— Faz o que da vida, Saulo? — começou Fabrício, com o interrogatório; olhos concentrados nas expressões do jovem, as quais revezavam entre assustado e aterrorizado.
— Trabalho à tarde e estudo de manhã. — Quis se ajeitar melhor na cadeira, mas as algemas dificultaram sua mobilidade. — Faço Física.
— Só tente falar mais devagar, se não for pedir demais. Educação Física?
— Não. Física-física. Eletricidade, mecânica, termodinâmica.
— Legal, adoro números — mentiu. — Estuda em período integral, né? Deve ser cansativo.
— Não. De manhã.
— Ah, verdade... Acho que a sua amnésia tá me contaminando. — Jogou as costas para trás, relaxado com os braços nos apoios da cadeira. — Já teve algum B.O.?
— Como assim?
— Antecedentes.
— Criminais? Essas coisas?
— Isso.
— Não.
— Medidas socioeducativas contam — comentou Alan, ao fundo. — Reabilitação, essas coisas.
Saulo virou-se, à procura do rosto do policial.
— Não — repetiu.
— Pensa direito — insistiu, Alan. — Nunca foi fichado nem por recusar o teste de bafômetro? Furto? Invasão?
— Já disse que não. Joga meu nome no seu sistema.
— Com esse seu cabelinho, fica meio difícil de acreditar.
— Tava demorando — Saulo soou calmo, na medida do possível.
Disfarçando a repulsa em razão das palavras de Alan, Fabrício limpou a garganta, alto e descaradamente, ganhando outra vez a atenção de Saulo.
— Me conta um pouco sobre seu tempo livre após as aulas. Passeia? Se distrai na Internet? Reforça as matérias?
— Eu não tenho tempo livre porque trabalho.
— Bem lembrado... — Mexeu o dedo indicador, apontando ao mais novo. — E esse seu trabalho, também é na área de educação física?
— Égua! Para de fazer isso — reprimiu-o e baixou os olhos, focando o nada enquanto puxava em suas memórias a resposta certa. — Eu... faço estágio na empresa da minha família. Sou programador. — Então, exibindo um nervosismo mais explícito, voltou a concentração ao rosto de Fabrício. — Foi... por atropelamento ou batida de carro? — Embora tenha soado baixo, tais palavras lhe geraram um calafrio desnecessário. Na verdade, ele não queria saber, mas precisava. Se matara alguém, iria pagar por aquilo, mesmo não se recordando do ocorrido.
O delegado suspirou, tentando agir pacificamente.
— Não entendi. Sabe por quê? Você fala muito rápido! — Coçando a costeleta um tanto mais cheia que sua barba rala, Fabrício o encarou com certa confusão no olhar. Olhos cinzas, amplos e acompanhados por discretas linhas de expressão nos cantos. Com a ajuda da luz, o jovem pôde reparar nos detalhes; inclusive naquele monte de cabelo jogado para trás, formando um sutil topete revezado por fios castanhos e brancos.
— Como eu... ma-matei? — Era realmente difícil pronunciar aquela palavra. — Foi homem ou mulher?
A partir de então, o mais velho deixou o encosto da cadeira para mirar mais de perto a face oval e angustiada. Através dos movimentos profundos do peito de Saulo, o outro notou a ofegância explícita, assim como as íris vidradas nele aguardando a resposta.
"Teatro dos ruins", constatou.
— Fingir que tem Alzheimer aqui é o campeão dos clichês, sabia? Só confesse e poupe nosso tempo, vai ser melhor pra você.
Mesmo sem o apoio dos braços, Saulo conseguiu arrastar sua cadeira para frente, ficando mais próximo da mesa.
— Confessar o quê? Faz parte do interrogatório fazer suspense?
Fabrício o analisou mais um pouco. Correu os olhos sobre aquele rosto, ainda cem por cento desconfiado.
— Você usa alguma coisa?
— Alguma coisa...?
— Drogas? Medicamento controlado?
— Ah, sim. Quer dizer, não! É que... Eu não sei... Minha memória não anda muito boa.
— Meu Deus do céu! Você não consegue falar devagar?! — Cansado demais para fingir ser amigável, Fabrício apanhou seu próprio celular, no qual abriu a câmera frontal e mirou a tela para os olhos de Saulo. — Se a causa disso não for pó e nem tarja preta, é melhor você procurar um médico!
A visão de Saulo não estava clara por completo, porém, havia melhorado consideravelmente, o que lhe permitiu ver com quase perfeição, toda a dilatação de suas pupilas. "Que isso?!" Íris, estreitas e que mais pareciam um fio amarelo, foram tomadas pelo destacado e brilhante círculo negro, assustando sem piedade o dono daqueles olhos.
Sem resposta, Fabrício recolheu o celular.
— Nada que um exame toxicológico não resolva — disse lá de trás, Alan, o qual se encontrava há alguns minutos inspecionando a mochila de Saulo.
— Custa só me contar como foi o acidente? Não lembro.
— Conta não — continuou o policial, com seu humor ácido. —, mostra. Certeza que a memória dele volta ao normal.
— Gostei! — Levantou-se, Fabrício, indo direto ao arquivo de aço e puxou a sexta gaveta. Dali, tirou uma pasta amarela, a primeira daquela fileira, atirando-a depressa sobre a mesa e fazendo emitir o som de tapa com o ato.
POLÍCIA CIVIL
Inquérito Policial
Fora apenas o que Saulo conseguiu ler antes de Fabrício voltar a ocupar sua cadeira, abrir a dita pasta, afastar algumas páginas, e...
— Há três dias, o coitado do Seu Roberto morreu assim. — Posicionou uma foto de frente ao rapaz de algemas. — Fica mais interessante se olhar desse ângulo. — Outra foto foi cuidadosamente posta do lado da anterior. — E a melhor parte: — Por fim, a terceira fotografia completou a fila. — com isso que ele foi morto. Inusitado, não nego. — Riu, ao final.
— O curioso é que tem um idêntico aqui na sua mochila — relembrou, Alan.
— Agora conta pra gente, garoto, o que esse velho te fez pra você ficar com tanta raiva?
Saulo tornava a ser arrebatado pelo choque, que desta vez, veio mais violento. Sua audição, fala e capacidade de raciocínio estavam bloqueados. Nem ao menos força para descer as pálpebras e bloquear aquela visão, ele tinha. Tudo o que conseguia fazer era encarar aquelas fotos sangrentas. A vítima: um senhor na casa dos sessenta anos e com deficiência física; não possuía uma das pernas. A arma do crime, exibindo manchas vermelhas já envelhecidas:
Um multímetro.
Simples aparelho para medição elétrica, o qual no primeiro momento, não apresenta perigo algum, no entanto, aquelas duas pontas de teste cobertas de sangue, ambas pontiagudas feito agulhas grandes, deixaram claro que o equipamento pode sim, ser fatal.
— Onde já se viu um miudinho desse ser tão perigoso? — Alan também soltou um riso. — Ainda bem que eu nem gostava daquele velho aleijado. Lembra que o Seu Roberto ficava dando lição de moral quando a gente faltava na escola? Insuportável!
— Não.
— Ah... Às vezes esqueço que não sou da sua época. Com todo respeito, claro. — Ergueu as palmas em defesa.
Fabrício bocejou diante da tentativa de o chamar de velho diante de seus 42 anos; trabalhar com um jovem lhe dava sono vez ou outra, mas era o que tinha. Interesse pela profissão a população de Irazal até possuía, o que dificultava era a situação financeira da maioria. Condições para adquirir um curso superior exigido pela Academia de Polícia, era sonhar alto para eles.
— Insuportável ou não, ele era o único que se importava com a cidade. Cansei de vê-lo tapando buracos na estrada com a muleta porque o prefeito só liga para o próprio rabo!
Alan resmungou algo que somente ele ouviu, afastando-se a seguir. E, ali de frente para as fotos, a visão do estudante passou a ficar ainda mais turva; úmida. Apenas vultos via; borrões em vermelho graças às imagens nas fotografias, tom que combinou perfeitamente com o calor invadindo o seu rosto e principalmente, o contorno dos olhos. Entretanto, a sensação logo se tornou um suar frio, gerando pequenos pontos molhados em sua testa e arrepiando todos os discretos pelos em seus braços.
Notando o silêncio do acusado, Fabrício se desligou da conversa com Alan, passando a observar as ações daquele à sua frente. Interessado, acomodou-se melhor ao levar o tronco para mais junto da mesa e os antebraços, estes carregando algumas veias visíveis graças aos exercícios, foram parar sobre a pasta aberta. Nesse instante, o surgimento de pequenos vasos sanguíneos saltados na testa e pescoço do estudante, fez aquele delegado deduzir que o algemado não estava respirando.
E acertou.
Continua...
Notas Finais
Gente, muito obrigada a todos que estiverem acompanhando! Percebo em histórias de outrxs escritorxs, e até em relatos deles mesmos, o quanto é difícil conseguir leitores para Ficção Cientifica, então saibam que a leitura de vocês é muito importante ❤
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