Capítulo 16 - 💡💡
Assim que avistou Luana adentrando no corredor, Alan virou o resto da bebida colorida entre os lábios. Tinha que aproveitar aquele vestígio de coragem. Seus passos foram controlados em meio aos convidados — tentava camuflar a ansiedade —, embora rápidos, alcançando a recepcionista em poucos segundos. Momento em que, percebendo o policial sem mais nem menos caminhando ao seu lado, parou e o encarou com curiosidade.
— Está me escoltando?
Expondo o semblante falsamente desentendido, Alan se pôs na frente dela, escorando o ombro na parede e bloqueando sua passagem; braços cruzados, os quais criaram linhas apertadas na camisa sob as axilas devido à massa muscular, completaram o ato.
Sem se importar em disfarçar, o escrivão e dono do coque no alto da cabeça se perdeu um instante enquanto estudava o belo vestido prateado usado por Luana; sorriu ao retornar o foco aos olhos dela.
— Sente frio, não?
— Essa é a sua forma de dizer que estou linda?
— Na verdade, eu só queria que você respondesse que sim pra eu te oferecer meu agasalho... Que por um acaso, esqueci em casa e... em cima da minha cama.
Dessa vez foi Luana quem sorriu.
— Quanto você bebeu?
Com dois dedos, Alan mentiu ao fazer o sinal de pouco.
— Tô brincando. — Um tanto desconcertado ao fitar o chão, coçou uma espinha nascendo próxima à sua orelha. — Você e aquele noiado tão namorando de novo?
— Não. — A resposta viera rápida, dando o estímulo que faltava para Alan voltar a encará-la.
Hesitante, a mão masculina se ergueu, pouco a pouco, tendo a mecha ondulada como destino. Tocou-a sob a supervisão da dona, deslizando os dedos sobre a textura macia dos cabelos escuros, para por fim, jogar os fios para trás; deixando como resultado a lateral daquele pescoço livre.
Vulnerável.
— Por que você está com esse olhar preocupado?
Luana engoliu em seco; não estava conseguindo esconder sua aflição.
— Tive um sonho horrível e parece que... — Tomou fôlego — tudo está se repetindo. Mas só lembro que sonhei com tal coisa, depois que vejo acontecendo.
— Eita! — Enrugou o cenho. — Será que não é impressão sua?
Ela deu de ombros, e quando se deu conta de seus movimentos, Alan já acariciava a pele morna do pescoço de Luana, a qual até tentou conter, mas deixou soar o suspiro.
— Alan, a gente...
Com a ajuda dos lábios do escrivão, Luana teve sua fala interrompida e uma boca exalando desejo, moldada à sua.
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— Foge comigo — sussurrou de olhos ainda fechados junto aos carinhos com a ponta de seu nariz, no nariz do delegado. Braços em torno do pescoço de Fabrício, acompanharam o movimento.
— Fugir?
— É. Pra Panópolis. — Ergueu as pálpebras, encontrando olhos cinza muito abertos. — Vamos pro Norte?
— Saulo... — Deu um passo para atrás, saindo dos braços do estudante. Sua expressão nem um pouco alegre, eliminou todo o entusiasmo da face jovem. — Desculpa, não posso.
— Égua, por quê? Além do Alan, o que te prende?
— Tudo! Irazal precisa de mim. Aqui tem muito filho da puta, mas também têm pessoas que não merecem viver sob a ditadura do Geraldo. — Sorriu de canto ao ver Kelly dançando com o pai no centro da festa. — Se eu for embora, a cidade será controlada por ele. Não posso abandonar tudo assim.
— Muito altruísta, mas só uma pergunta... Se o pedido tivesse vindo do Nick, sua resposta seria a mesma?!
Fabrício riu, sem graça.
— É sério, essa pergunta?
— Você não se importa comigo, Fabrício! Assume que só se aproximou de mim porque pareço com o assassino da sua irmã! — A súbita mudança de tom trouxe alguns olhares até eles.
Deixando o delegado ainda mais constrangido, o qual com urgência impediu que uma nova garrafa colorida fosse pega por Saulo.
— Não sei e nem quero saber aonde pretende chegar! Só adianto que se quer brigar, vai fazer isso sozinho, porque não vou brigar com você!
Cabeça baixa; olhos ganhando um calor desgostoso. Saulo se encontrava em um esgotamento mental tão profundo que às vezes, mal podia se reconhecer. Atitudes e palavras que antes nem sequer passariam por sua cabeça, escapavam pelos vãos de seus dedos, feito água corrente.
Água esta que tinha vida própria e estava empenhada em afogá-lo.
— Desculpa. Eu só... — Fungou, vendo o chão ganhar uma película turva e sua voz perder a afinação. — não quero ficar longe de você.
Braços fortes puxaram o jovem ao seu peito, envolvendo-o sem se importar com a atenção de boa parte da festa em cima deles. A carícia na nuca foi a responsável por trazer um pouco de calma a Saulo, o qual não demorou a contornar o torso de Fabrício ao retribuir o abraço reconfortante. E, sentindo a testa quente do estudante lhe tocar o pescoço, o mais velho levou os lábios à região, beijando-a.
— "Venha me ver em Panópolis", é desse jeito que se pede, garoto. Para todos os efeitos, estarei indo lá pra te prender. — Sentiu cócegas por culpa do riso morno e abafado em sua pele. Já os olhos amarelos que viu após Saulo desfazer o abraço, apesar de molhados, exalavam alegria. — Logo, logo, você estará na sua casa e isso tudo vai passar.
— Isso tudo vai passar — repetiu e o beijou no rosto. — Mas agora, pelo amor de Deus, me diga onde fica o banheiro.
— Virando ali, depois daquele vaso branco. — Apontou, rindo.
Desviando-se dos curiosos à volta, Saulo entrou rápido no reluzente corredor enfeitado com laços, onde não perdeu a oportunidade de apreciar o aroma doce das pequenas flores-de-mel amarelas, antes de ser atingido pelas... palpitações.
Engoliu saliva.
Mantendo os passos firmes e fazendo o possível para não deixar transparecer nenhuma fragilidade, ele tirou os olhos da garota agarrada ao policial no corredor, aos beijos. O sopro coberto de alívio só deixou seus lábios assim que a cena desapareceu de seu campo de visão. Contudo, passos surgiram às suas costas, golpeando as ripas escuras do chão com as pontas dos saltos. Saulo achou por um momento que Luana estivesse correndo para longe dele; até olhar para trás.
— O Fabrício não deveria ter vindo! Está tudo se repetin...
— Fica longe de mim, é só o que te peço! — cortou-a, também aos gritos.
Sem mais nada a dizer, Saulo virou-se, sem demora entrando na única porta que viu. Do outro lado, olhos escuros permaneceram encarando a porta fechada; pés imóveis não coincidiram com as pequenas mãos inquietas; ora fechadas em punhos, ora abertas como se fossem esmagar alguma coisa.
Havia nervosismo emanando daqueles poros femininos.
Sob a força do impulso, Luana deixou o corredor de modo mecânico; nem mesmo notou os esbarrões pelo trajeto, muito menos, as ofensas recebidas por causa deles. Ela precisava ir àquele homem de costas, no qual não hesitou em tocar o ombro coberto pelo blazer escuro.
Fabrício não escondeu a surpresa ao vê-la.
— Algum problema, Luana?
Alan, que vinha logo atrás dela, ficou igualmente curioso.
Primeiro, a moça mirou o delegado na altura da cintura, para em seguida, agir sob o poder do desespero e jogar seus dedos para dentro do blazer à procura da peça. Entretanto, Fabrício se esquivou com facilidade graças ao seu ótimo reflexo.
— Me dê a sua arma!
— De jeito nenhum! Tá maluca?!
Breu.
Silêncio.
Gritos.
Sem pedir licença, a noite invadiu todos os cantos daquela casa rústica, possuindo-a feito uma onda obscura e violenta, a qual atacou cômodo por cômodo e cegou momentaneamente cada pessoa presente na festa. Alguns acudiram os amedrontados com o escuro, tentando diminuir a gritaria; o restante acionava as lanternas de seus celulares.
Ainda com as pupilas se adaptando devido à falta brusca de iluminação, Fabrício tentou enxergar alguma coisa por cima das silhuetas escuras moldadas pelos insuficientes feixes dos smartphones, instante em que sentiu uma presença às suas costas.
Virou-se já com a mão na pistola.
— Viu a Luana?
O mais velho relaxou, afastando os dedos da arma ao encontrar o parceiro.
— Não. Faz o seguinte: ache o Frederico e tente religar a energia. Vou ao banheiro ver se o Saulo ainda está lá.
-
No centro da escuridão dentro do banheiro, Saulo buscava o celular enquanto se dirigia à porta, no entanto, não teve tempo de sequer tirar o aparelho do bolso. Já que, cego graças à lanterna em seu rosto, ele teve o corpo arremessado para trás através do forte golpe no peito. E, com a visão novamente comprometida, dessa vez pela falta de luz, segurou-se no que apanhou às cegas para não ir ao chão.
No caso, a base fria do lavatório.
— Entre logo e feche a porta... Não, não, você fica... Cacete! — sussurrou em voz fina e irritada.
Recuando até sentir a parede colada às costas, Saulo pôde ver três sombras adentrarem o lugar apertado — dedos pressionavam a área agredida como se o ato fosse aliviar a dor. Diante disso, entre vozes soando de fora, ruídos surgiram junto aos passos; e estes vinham de cima. Ao erguer o rosto, Íris douradas toparam com a pomba branca bicando o vidro da pequena janela; ave esta moldada por um rastro iluminado no céu e responsável pelo estrondoso trovão revelado em segundos. A tempestade estava a caminho.
Até que a lanterna tornou a acender sua face de perfil.
— Pega. — Um pedaço de papel foi jogado sobre ele. — Transfira tudo que tiver pra essa conta.
Saulo riu, enfim reconhecendo a dona daquela voz.
— Meus bancos nunca me deixariam fazer uma transferência tão alta, dona.
Em razão da lanterna mirada em seus olhos e todo o resto engolido pelo escuro, Saulo não conseguiu ver com clareza, mas os passos lhe fizeram deduzir que alguém havia tomado a frente de Gleiciane; que por sua vez, foi quem lhe chutou as pernas. A dor era intensa, porém Saulo não deixou isso nítido nem por um instante.
— Mande o que der então, nordestino! — Puxou-o pelos cabelos.
A fúria em ouvir a voz de Leandro deu origem ao forte tapa naquela mão. Saulo se sentiu sujo somente por encostar na pele do filho do prefeito.
— Para! Você já é rico, Leandro! — Todos os ouvidos se voltaram à voz que Saulo desconhecia. Era Enzo. — Sabem qual seria uma boa forma de a gente se vingar do delegado? Matando esse moleque aqui! Sem contar que ele assassinou o Seu Roberto. Se quiserem, eu faço e depois dou um fim na minha vida pra não dar a chance do Fabrício fazer isso. De qualquer maneira, sem meu pai não faço mais questão de viver mesmo. — Devagar, tirou um canivete de dentro da bota, o qual iluminou com o celular para que todos o vissem.
Inclusive Saulo.
O coração do jovem sentado no chão passou a bater de modo sufocante. Não havia oxigênio em seus pulmões, apenas ar venenoso lhe estrangulando por dentro. "Eu só queria acordar!" Engoliu a saliva que não tinha, permanecendo com a boca seca. Quis gritar por socorro, implorar por sua vida ou ao menos jurar por todos os santos que não matara ninguém, contudo, a lâmina grudada em seu rosto em meio ao breu lhe calou imediatamente.
E batidas na porta soaram...
— Saulo? Ainda está aí dentro?
... paralisando todos.
Fabrício tentou controlar o tom nervoso, mas acabou soando um tanto alto demais. A barulhenta chuva teve sua parcela de culpa. Afoito, apertou o botão na maçaneta, dando um tapa na madeira a seguir.
— Responda senão vou derrubar a porta! — ameaçou, porém, o grito de dor que ouviu foi capaz de ligar toda a rede elétrica daquele corpo entrando em curto-circuito. — Saia da frente da porta! — gritou antes de puxar a pistola do cós da calça e mirar na fechadura.
Para acompanhar o momento exato em que aquele indicador foi posicionado e deslizou três vezes pelo gatilho, precisaria da ajuda de uma câmera muito lenta. Até os mais distantes pássaros dormindo em seus ninhos voaram para longe por obra dos estrondosos sons de tiros.
O chute na porta destruída coincidentemente viera acompanhado do piscar das lâmpadas, as quais sem demora tornaram a acender todo o sítio. No entanto, a visão de Fabrício não foi das mais iluminadas. De um lado, estava Leandro com o pavor estampado em seu rosto; o medo que nutria pelo homem armado era palpável. Do outro, Gleiciane; os braços fortes cruzados à frente do peito transmitiram toda a tranquilidade da mulher.
Entre os dois... Enzo e Saulo.
Com o canivete afiado criando uma linha arranhada em seu pescoço, Saulo evitava qualquer tipo de movimento e principalmente, olhar o delegado nos olhos. Estava cansado daquilo; cansado de ver sua vida tantas vezes por um fio.
— A gente vai sair, e se você tentar alguma coisa, ele morre — avisou Gleiciane, indo na frente e puxando Leandro no percurso; o qual se encontrava congelado.
As inúmeras surras que sofrera do delegado só serviram para deixar marcas no psicológico do rapaz; quanto ao incorrigível mau-caratismo, este continuava intacto.
Sem tirar o dedo do gatilho, Fabrício nada fez; somente os acompanhou com os olhos enquanto seguiam pelo corredor cada vez mais cheio de curiosos. E, após receber o aceno de cabeça do seu superior, Alan começou a afugentar todas aquelas pessoas dali com seu jeito nem um pouco educado. Nesse meio tempo, globos cinza unidos ao semblante diabólico, novamente fincaram na cena dentro do banheiro sob a mira da sua pistola.
— Se soltar ele agora, toda essa palhaçada será esquecida. Prometo.
Enzo riu.
— Olhar pra sua cara só me dá mais vontade de matar ele, sabia?
— Vamos fazer assim... — Respirou fundo. Era arriscado, mas ele não tinha muito tempo. Precisava agir rápido. Pelo menos o ângulo estava ótimo. — você solta o Saulo e eu...
Pássaros assustados, outra vez enfrentaram a chuva e trocaram de árvores; convidados fazendo pratos descartáveis de guarda-chuva, ao deixarem o sítio, pararam no meio do caminho e olharam na direção da casa enfeitada.
Sem dar tempo a Saulo de olhar para trás e ver aquela imagem, a qual manchara boa parte da parede, Fabrício correu e o puxou para fora do banheiro, abraçando-o com força. Depressa, caminhou agarrado ao jovem — protegendo-o feito um escudo —, até que ao chegarem na área onde deveria estar acontecendo uma festa, sentiu algo molhado na mão.
Sangue.
— É seu?! — Mostrou seus dedos pintados de vermelho, recebendo a confirmação com a cabeça, de Saulo. — Caralho! Onde foi?! Precisamos estancar o sangue!
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No seu quarto, sem saber o que acontecia lá embaixo, Kelly tapava os ouvidos temendo ouvir mais tiros enquanto se afogava em lágrimas no colo do pai e recebia afagos da avó.
A festa tão desejada estava arruinada.
— Eu sou amaldiçoada!
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Embora estivesse anestesiado e não sentisse dor, Saulo levou a mão lentamente até a região ferida:
Ombro; sob a jaqueta de couro rasgada.
Como se todo o sangue fosse drenado do corpo de Fabrício, seu rosto e lábios exibiram uma extrema palidez. Aos sons dos trovões os quais pareciam tremer o chão, recuou, recusando-se a piscar; puxou o ar, com a boca. A mão trêmula apontou àquele ombro com um corte exposto; mexeu os lábios, tentou dizer algo, mas nada saiu. Sentia ter perdido a habilidade de falar.
Gotas de suor já lhe desciam pela nuca e testa frias; a respiração, falhava.
— Co-como você fez isso?! Como você vai fazer isso?!
Alan não deixou de notar o estado de pânico do delegado, e rapidamente correu até ele depois de conferir se não havia mais nenhum convidado ali.
— Isso o quê? — Mesmo em voz fraca, Saulo conseguiu perguntar.
Momento em que Fabrício sacou sua pistola e subitamente, apontou para o rosto transmitindo o reflexo da violência sofrida no banheiro.
Alan se encontrava ainda mais confuso.
— Voltar no tempo! — berrou, trazendo um forte rubor ao rosto durante o ato. — Se eu te matar agora ela vive... É assim que funciona, né? — Avançou, com o dedo a milímetros do gatilho. — Responde, Nick!
O escrivão se viu na obrigação de interferir.
— Fabrício, me dá a pistola — pediu em tom calmo, mas sendo simplesmente ignorado.
Saulo por outro lado, não sabia o que responder e naquele instante, passou a temer novamente por sua vida. Aquilo já estava virando uma montanha-russa.
— Voltar no tempo? Fabrício... não estou entendendo.
— Agora não está, mas você vai, filho da puta desgraçado! — Um outro passo seu à frente, gerou um recuo no estudante que fugia do cano da arma. Os olhos cinza sendo possuídos pela cor vermelha, logo derrubaram uma lágrima. — Por quê... por que você vai matar ela? A Tiana gostava tanto de você, Nick.
— Para de me chamar de Nick!
— Falando nisso — Secou os olhos com a manga da camisa —, por que escolheu... Por que vai escolher um nome falso? Foi tudo premeditado? Você sabia que eu te acharia no futuro se dissesse o nome verdadeiro?
Alan colou em Fabrício mais uma vez, sussurrando:
— Você não está bem. Me dê essa arma, cara. Devem ter colocado alguma coisa na sua bebida.
Saulo parecia petrificado, nem ao menos forças para correr, ele tinha. Olhos imensos revelavam o quão apavorado ele estava.
— Sai de perto de mim, Alan! — Empurrou-o pelo ombro. O gatilho enfim foi tocado e a cabeça de Saulo, posta na sua mira. — Eu gosto de você, Saulo, sempre gostei. — Riu, parando para pensar naquela situação. — As duas únicas pessoas por quem me apaixonei na vida, é a mesma! Que romântico! — O semblante novamente sério, veio junto de outro passo à frente. — Seja Nick ou Saulo, 2021 ou 2043; te amava hoje, te amei amanhã, te amo ontem.
— O que você tá... Fabrício, não faz isso!
Havia uma tampa invisível em cada uma daquelas orelhas, bloqueando ruídos externos para que os únicos sons captados por Saulo, viessem de seu próprio coração.
Continua...
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