Capítulo 15 - 💡💡
Diante da mulher impaciente, a qual empurrou novamente o homem e puxou Saulo de maneira brusca pela jaqueta, uma luz forte se acendeu no breu do céu, refletindo o imenso clarão sobre todos ali embaixo. Curiosos pares de olhos se voltaram ao alto; íris rodeando pupilas em pontos minúsculos, assistiram em tempo real a nova dança frenética dos elétrons entre às nuvens eletrificadas e iluminadas através daquele violento relâmpago.
Corpos tremeram, sobressaltando devido ao estrondo do trovão que deu a impressão de sacudir o solo feito um sutil terremoto.
— Nunca vi um tão de perto — comentou Kelly, baixinho.
— Eu já — Saulo disse em transe. Estava perdido em um déjà vu interminável, onde seus músculos perdiam as forças como se estivesse em queda livre; desabando por um túnel frio e sombrio.
— Pai, me ajuda a levantar ele! — Kelly fora a primeira a se ajoelhar na grama úmida, tentando sozinha levantar o rapaz desacordado.
Mais um relâmpago acompanhado do trovão chacoalhou o campo, e algumas gotas descendo do alto deram o impulso que faltava para o homem se juntar à filha.
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— Tudo bem, ficarei até você chegar. — Frederico guardou o celular, aproximando-se da filha, que seguia ao sofá com um guardanapo de papel pego na cozinha. — Ele já está acordando.
Grogue, Saulo terminou de abrir os olhos, demorando um tempo até que conseguisse focar os rostos lhe encarando, e mesmo assim, continuou com a visão um tanto turva. Por isso, os fechou novamente, alisando a testa junto ao respirar profundo; momento em que prestou atenção na chuva moderada escorrendo pela janela e tornando fosco o mundo externo.
— O que aconteceu? — soou baixo. A dor na cabeça devido à queda passou a se tornar nítida.
— Você caiu do nada — Kelly informou, deixando o guardanapo nas mãos dele. Vendo as esferas amarelas e confusas, ela apenas tocou abaixo do próprio nariz e preferiu, como o pai, não comentar sobre as suas pupilas.
Saulo imitou o gesto, sentindo o líquido na ponta do dedo. Sangue. Não hesitou em se limpar com o papel.
— Quem era aquela mulher? O que ela queria comigo?
— Gleiciane. Segurança do prefeito. — Frederico deu um passo à frente, parando ao lado da filha. Sua barba e cabelos em corte baixo, eram ainda mais brancos sob a luz. — Ela não disse o que queria, só estava tentando nos convencer a te tirar de casa.
— Obrigar, você quis dizer, né? — Kelly não escondeu a indignação. — Mas boa coisa não devia ser.
— Dei um soco naquele velho racista, acho que foi por isso. Égua! — Sentou-se no estofado, nem disfarçando a careta por conta da dor nas costas. Ouvir aquela gíria fez Frederico engolir em seco e a confissão, esbugalhou os olhos da garota. — Por que ela simplesmente não entrou? Daquele tamanho, deve conseguir derrubar até parede.
— Esta é a casa do delegado, esqueceu? Todos respeitam ele, inclusive o nojento do prefeito. Por que você acha que a Gleiciane saiu correndo quando menti dizendo que vi o tio chegando?
— Falando no Fabrício — O pai tornou a se manifestar. —, que coincidência você ficar justo aqui... Saulo.
— Por quê? — a pergunta viera em coro. Saulo e Kelly ficaram curiosos. Ainda mais por conta da entonação ao pronunciar o nome do hóspede.
Mas não houve tempo para respostas. De supetão, a maçaneta foi girada, abrindo passagem ao homem encharcado, o qual parou apenas para pendurar a bolsa carteiro no porta casacos antes de avançar até o sofá. Gotas corriam por seu rosto junto às mechas grisalhas grudadas na testa. Quanto ao nariz, este em tom rosado, deixou claro que o sujeito largando um rastro molhado no piso de madeira, estava sendo atacado pelo frio.
— Ele acabou de acordar — informou Kelly, saindo do caminho para Fabrício tomar a frente de Saulo, logo se inclinando sobre o jovem sentado.
— A Gleiciane fez isso?! — quis saber, erguendo o rosto castanho pelo queixo e vendo melhor os resquícios de sangue naquelas narinas. Saulo negou com a cabeça. — Por que suas pupilas estão dilatadas? O que você usou?!
— Não usei nada, só desmaiei! — contou. Inquieto, empurrou os dedos gelados para longe de seu queixo, ato que lhe permitiu ver a faixa entorno daquela mão. Respirou fundo. — Não precisava ter vindo correndo. O que aconteceu com a sua mão?
— Quem disse que vim correndo? — defendeu-se, um tanto constrangido e notou de imediato a mochila no canto do sofá.
Frederico e Kelly se mantiveram atentos ao diálogo e nitidamente desconfiados, enquanto trocavam olhares.
— Nem está caindo tanta chuva pra você estar molhado assim.
De braços cruzados, Fabrício pensou em mudar de assunto, mas...
— Além de chato da Física, você também é graduado em caminhadas na chuva?
Saulo riu.
— O que acabei de dizer é Física, delegado.
Quem riu dessa vez foi o dono da casa.
— Só por curiosidade, existe um curso que estude o estudante de Física? — implicou, e o riso do rapaz sentado tornou a surgir; pai e filha o acompanharam. — E com vocês, ela fez alguma coisa?
Ambos negaram com a cabeça.
— O interesse da Gleiciane era só no menino. Bom, melhor a gente ir, Kelly. Sua avó deve estar preocupada.
Após o breve agradecimento, tanto de Saulo, quanto de Fabrício, eles deixaram a casa do delegado sob jatos de chuva mais fracos; mas não sem antes Frederico dar uma longa encarada no sujeito do Norte, a qual Fabrício não deixou de notar. O silêncio repentino naquela rústica sala de estar só foi quebrado pelos passos do mais velho.
— Acha que ela iria me matar? — As vistas mais claras refletiam que suas pupilas já se normalizavam.
Fabrício mirou sua bolsa marrom pendurada no gancho, virando-se em seguida para o estudante.
— Não. Quando o Geraldo manda apagar alguém, costuma enviar um homem. Provavelmente, a Gleiciane só ia te bater e depois te obrigar a dar o que o prefeito quer. — Seus músculos tremiam devido às roupas molhadas. — Você vai embora?
Saulo assentiu; olhos sérios, sem nenhuma hesitação.
— Não posso mais ficar aqui, Fabrício. Viu como o seu vizinho me olhou? Eu... — Pausou, relembrando a voz de criança. — estou enlouquecendo. Não aguento e não quero mais ficar nesta cidade!
— Uhm... Tudo bem.
O semblante surpreso não deixou de habitar o rosto jovem.
— Sério? Não vai me impedir de virar um... foragido?
— Não. Vou tomar um banho, já, já a gente conversa sobre isso — soou com uma leveza diferente no tom de voz, logo passando por Saulo, mas foi segurado no mesmo minuto.
— Espera. — Dedos antes portando o tecido molhado da manga do paletó, desceram rumo à mão fria, de onde puxou o mais velho. O contato visual não durou mais do que poucos segundos, pois, Saulo tratou de trazer aquele rosto para si através da nuca e unir sua boca à dele, provando do beijo mais que recíproco; até os lábios de Fabrício estavam frios. — Obrigado por ter vindo correndo.
— ⚡ —
Os vidros do box totalmente turvos devido à água quente jorrando de cima e dos pequenos furos aos lados, chocavam com as costas rosadas graças à alta temperatura. Já os antebraços apoiados nos azulejos mornos, recebiam a testa do sujeito debruçado na parede, relaxando corpo e mente. Suspirou, tentando ao máximo afastar o sentimento que o fazia se amaldiçoar por estar sentindo.
— Ele não vai fazer tanta falta. Superei o outro, supero esse também — torceu.
Guiou a mão machucada ao shampoo, a qual ganhou um incômodo ardor assim que os ferimentos entraram em contato direto com os jatos d'água; cabelos foram tomados pela espuma perfumada, cobrindo parte da testa e escorrendo pela nuca. Contudo, um som diferente se sobrepôs aos ruídos da água batendo no piso.
Rapidamente, Fabrício ergueu a cabeça, removendo toda a espuma do rosto sob o chuveiro.
— Como você...? — Sem saber por onde aquele animal planando diante de seus olhos entrou ali, encarou o vitro aberto, que jurava estar fechado. — Xô! Xô!
Batendo as asas com certa agressividade, a ave olhava para todos os lados como se estivesse desesperada; agoniada por estar presa naquele cubículo de vidro — suas penas rasgando o ar se tornaram ainda mais auditivas. Impaciente, Fabrício atirou o frasco de shampoo na direção da pomba, porém errou o alvo, frasco este que não só estourou com o impacto, como também acabou por acertar o nicho retangular; derrubando todos os produtos no chão.
O barulho depressa se ouviu do lado de fora do banheiro. Alto e intenso. Como se uma parte da casa houvesse desabado. Desmoronado. Para Saulo, foi inevitável manter longe a lembrança de Fabrício passando mal quando lhe emprestou a moto.
"Fabrício, não faz isso!", o grito em sua mente foi o impulso que faltava para ele correr até o quarto.
— Está tudo bem aí? — Suas palavras soaram mais agitadas do que ele gostaria.
Diante da bagunça causada, o delegado mirou o puxador do box; momento em que percebeu a ausência da pomba e com urgência, fechou o vitro.
— Fabrício? — Silêncio. "Égua! Será que ele..." Aflito, enfim empurrou a porta, tornando tudo no interior daquele banheiro, visível aos olhos dourados.
Tudo mesmo.
Primeiro, Saulo se conservou parado sob o batente, pasmo enquanto analisava o sujeito ensaboando o peito em meio aos pelos brancos sob a água corrente; a qual criara uma névoa de vapor naquela região e atacava seu olfato com o perfume de flor de laranjeira.
— Por que não respondeu?!
A água encontrando o chão de repente se tornou mais nítida; sem obstáculos. Saulo acompanhou os passos do homem que geraram um caminho encharcado no banheiro, o qual parou em sua frente, dando início à poça d'água sob os pés do delegado. Sem querer, o estudante seguiu com os olhos uma gota descer daquele pescoço, moldando o evidente músculo trapézio e se perdendo no ombro rosado.
— Posso?
Assim que Saulo deu por si, os dedos de Fabrício estavam próximos ao seu queixo; segurando o zíper da jaqueta.
— Não! — Recuou, encostando a lombar no lavabo de madeira. Fabrício não evitou apreciar aquela nuca castanha através do amplo espelho. Mas, ao voltar o foco aos olhos âmbar, topou com um certo ar de aborrecimento. — Achei que tivesse... Sei lá, caído e batido a cabeça! Diacho! Custava ter respondido?!
— Desculpa?
— Não vou desculpar! Não vou mesmo! Não vou, escutou?! — seus gritos mostraram o quão preocupado havia ficado.
— Você já desculpou — sorriu.
Jatos da água sendo desperdiçada foi o único som emitido naquele banheiro após isso. Fugindo da ligação ocular, Saulo baixou os olhos.
— Em alguma parte do mundo alguém deve estar morrendo de sede.
Fabrício riu com a alfinetada, espiou o chuveiro, e por fim, aproximou-se de Saulo. O zíper da jaqueta de couro foi descido, dessa vez, sem pedir o consentimento do dono, o qual não mostrou resistência nem mesmo no instante em que a peça deixou seu corpo.
Ao sentir o botão da calça ser tocado, o jovem não se conteve e puxou o rosto úmido enquanto deslizava a ponta do tênis em seu calcanhar, livrando-se com pressa do calçado transparente e tomando os lábios do delegado que prontamente corresponderam ao beijo agitado. Peças restantes foram largadas no piso em meio à trilha molhada; bocas grudadas, movimentadas e famintas, não deram chance ao afastamento nem quando a porta turva correu sobre o trilho e trancafiou ambos dentro da caixa de vidro tomada pelo vapor.
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O torso da moça que foi erguido subitamente junto à forte puxada de ar, como se estivesse acabado de emergir de águas turbulentas, serviu para acordar o rapaz ao seu lado. Sonolento, Leandro coçou um dos olhos, encarando mechas onduladas cobrindo as costas rígidas de Luana.
Tocou-a no ombro, assistindo de imediato o sobressalto naquele corpo tenso.
— O que foi, Lu? Teve pesadelo?
Ela engoliu em seco, pondo a mão no peito antes de responder; seu coração batia desesperadamente.
— Sim. — Negou rápido com a cabeça, contradizendo-se no exato segundo em que um estrondoso trovão ecoou do céu. — Não tenho certeza se foi um sonho.
Diante do olhar confuso de Leandro dirigido a ela, Luana apanhou seu celular, correndo o polegar sobre os contatos à procura daquele localizado na letra F.
Linhas cintilantes no céu, clareavam momentaneamente o quarto mobiliado com o dinheiro público.
— Tá ligando pra quem?!
— Atende! Atende! Atende! — sussurrava com os pensamentos distantes.
Leandro estalou a língua, indignado com a falta de resposta.
— Me dá esse celular! — Tentou tomar o aparelho, fazendo com que Luana se afastasse e depressa saísse da cama. — Tá ligando praquele preto, né? Sonhou com a bichinha nordestina?!
Sem condições psicológicas para dialogar com Leandro, Luana simplesmente deixou o quarto do filho do preferido, mantendo toda a audição somente nos toques da ligação.
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Cinza e âmbar.
Lado a lado, olhos brilhantes, concentrados e ligados um ao outro, não faziam a menor menção de fecharem, embora o sono já surgira há alguns minutos. Saulo foi o primeiro a bocejar, vendo por consequência, Fabrício fazer o mesmo e acrescentar uma curva no canto dos lábios, apreciando o carinho nos cabelos úmidos.
Dedos castanhos seguiram à testa clara, de onde afastou alguns fios da região, colocando-os para atrás. Fabrício, por outro lado, o qual pousara a palma sobre o único lado visível da face domada por pelos, acariciava a pele morna com o polegar; perdido naquele momento.
— Égua... acho que estamos virando polos magnéticos. Eu Norte, você Sul.
— Acha mesmo? — Riu. — Agora traduz.
Uma intensa trovoada ocupou o quarto por um instante.
— Quando quebramos um ímã ao meio com a intenção de separar o polo norte, do sul, os polos em cada ponta permanecem, mas nos locais quebrados é automaticamente criado um polo invertido. Sabe por quê? — Sorriu; dando-lhe um longo selinho, para em seguida se virar, puxando o braço do outro à sua cintura. — É fisicamente impossível separar um do outro.
Fabrício não hesitou em firmar a posição de conchinha.
— Eu nunca imaginaria que ia sentir isso de novo por alguém; não nessa altura do campeonato — soprou no ouvido dele.
Saulo apertou as pálpebras ao ouvir a confissão. Ao lado, o celular passava a tocar sobre o móvel.
— Eu daria muita coisa para saber se você realmente sente algo por mim ou é só por eu me parecer com o Nick.
— Saulo... — Respirou fundo, já procurando com os olhos, seu celular. — você não precisa sentir ciúmes de alguém que não existe mais na minha vida. Além do mais, você vai embora. Não vai?
Insatisfeito com a resposta que não respondeu o que ele queria ouvir, Saulo apenas empurrou sutilmente o braço do delegado.
— Melhor você atender. Deve ser coisa séria.
Após mirar rapidamente o visor com seu semblante espantando, Fabrício enfim aceitou a chamada.
— Luana? Por que está me ligando a essa hora? Aconteceu alguma coisa?
Saulo não disfarçou o interesse na conversa ao ficar de frente para o delegado.
— Graças a Deus foi um sonho! — Suspirou, aliviada. — Eu... tive um sonho ruim com o aniversário da Kelly... Na verdade, pareceu muito real! Eu vi você...
— Luana, está tudo bem. Foi só um pesadelo. Volte a dormir.
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Frederico borrifava seu perfume cítrico no pescoço, mirando os relâmpagos brilhando no céu através da janela, quando Kelly passou em frente à porta aberta e se pôs para dentro do quarto do pai ao notar a luz acesa. Os cabelos úmidos da garota contornavam seu delicado rosto juvenil.
Um novo trovão soou em segundo plano.
— Pondo perfume pra dormir? — Riu, cruzando os braços sob o pijama de inverno enfeitado com estrelas e planetas. Pantufas cor de rosa fizeram parte da tentativa de se manter aquecida naquela noite fria e chuvosa.
— É sempre bom ficar preparado para caso eu sonhe com a sua mãe. — O sujeito portando todos os fios precocemente brancos, forçou um sorriso, embora seu único olho já ameaçasse esquentar.
Kelly correu, abraçando o homem barbudo pelo peito, onde se abrigou. Carícias logo surgiram nos cabelos soltos da garota.
— Quer que eu adie minha festa de aniversário?
— Nem pense nisso! Apesar de tudo, é uma data abençoada e devemos comemorar no dia certo. — Beijou o topo da cabeça da filha, abraçando-a com mais força. Frederico até tentou não pensar no ocorrido; em vão. — Se eu tivesse consertado aquela porcaria de rede elétrica, você teria conhecido a mulher mais perfeita desse mundo!
Do seu olho avermelhado, uma gota salgada escorreu e encontrou os fios acariciados por ele.
— Pai, toda vez que você se culpa, me sinto culpada também! — Sentindo os olhos umedecendo, Kelly achou melhor mudar de assunto. — Eu... quero te perguntar... Por que olhou pro Saulo daquele jeito?
Frederico desfez o abraço, tornando a observar a janela e a chuva mais forte.
— Ele me lembrou alguém que fiz a burrada de chamar de amigo no passado. Pra ser sincero, é idêntico.
— Que estranho! Mais estranho ainda é ele saber seu apelido na época da faculdade. O tio deve ter contado. — Virou-se, se deixando admirar as luzes eletrificadas em meio às nuvens. — Mas, sabe... estou assistindo o remake de uma série onde a protagonista tem uma doppelganger.
— E que diabo é isso, menina?
— Uma cópia maligna que faz parte de uma lenda alemã. Dizem que essa cópia é igual à pessoa original, só que do mal.
Não dando muita importância à informação, o pai acariciou a cabeça da filha.
— Vá secar esse cabelo; não queremos você gripada amanhã, justo no seu aniversário.
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