Capítulo 13 - 💡💡

     Fabrício fez que ia se aproximar, mas a palma enrugada e aberta em sua direção lhe obrigou a parar — o coração disparado já estava a ponto de paralisar sua audição.

     — Geraldo, abaixa a arma! Não seja burro, caralho! Eu vou te matar se disparar essa porra!

     Saulo, embora tenha se mantido quase que petrificado, não desfez nem por um momento a expressão de revolta. Sobrancelhas pesadas lhe estreitando os olhos amarelos, os quais nem piscavam, junto aos lábios comprimidos, davam-lhe um ar extremamente ameaçador. Perigoso. Em contrapartida, um sutil e quase imperceptível assobio soou dos fundos da delegacia; de soslaio, o delegado olhou para trás e de imediato assentiu, dando permissão.

     — Deixe de sentimentalismo, você acabou de conhecer esse marginal! — O clique a seguir, informou que o revólver havia sido engatilhado.

     — Eu não vou pedir de novo! — gritou para camuflar o ruído, pois nesse exato minuto, a peça pesada, escura e cintilando o ferrolho metálico, deslizou por debaixo da mesa, tendo sua posição como alvo.

     E sob a sola da bota, foi segurada.

     Enquanto isso, Geraldo dava os passos que faltavam, perdendo totalmente Fabrício de vista. Sem se segurar, Saulo fechou os olhos assim que mais uma vez, teve a infelicidade de absorver o gelado da boca de um cano mortal, na testa.

     — Já passou da hora de ele deixar Iraz...

     — Abaixa a porra da arma! — Fabrício soou em meio aos grunhidos e saliva espirrando de seus lábios.

     Dentes postiços travaram após o círculo rígido apertar sem delicadeza, a nuca do político. Notando a pressão em sua testa diminuindo, Saulo subiu as pálpebras, encontrando com uma satisfação indescritível, Fabrício apontando sua pistola para a cabeça de Geraldo.

     O senhor sorriu, apesar do explícito nervosismo.

     — Não seja ridículo, Fabrício!

     — Abaixa a arma, prefeito. — Dessa vez, a ordem viera de Alan, já caminhando até o trio com sua pistola devidamente empunhada. No entanto, não foi o suficiente. O sujeito de terno não estava disposto a ceder.

     Deixando Fabrício sem opções.

     — Você não vai querer matar o filho dos Mahin!

     Do outro lado, Alan pôde ver com perfeição, o pomo de adão do prefeito se movimentar, assim como o olhar vidrado no jovem nada feliz com a revelação. E, diante da peça cedendo pouco a pouco, Saulo respirou fundo, permitindo-se seguir, um tanto bambo, à cadeira mais próxima, na qual se sentou. Tapou as orelhas com força, fechando os olhos aterrorizados na tentativa de bloquear todo o mundo à sua volta. Ele só queria desaparecer e se proteger; fugir daquele redemoinho impiedoso.

    Em um movimento rude, Fabrício tomou o revólver das mãos enrugadas, entregando-o ao escrivão.

     — Você irá se arrepender, Fabrício! — Então, fitou Alan. — Só porque agora tem barba na cara e parece homem, acha que pode apontar sua pistolinha pra mim?!

     — Vai sair sozinho ou terei que te chutar até sua fazenda?! — Acabou empurrando o mais velho pelo ombro.

     O paletó caro foi novamente abotoado pelo senhor de lábio ferido.

     — Só um conselho, delegado... — Esticou a roupa como se ela estivesse amassada. — Não deixe seu bichinho andar sozinho por aí. Os passa fome dessa cidade vão adorar saber quem são os pais dele!

     Um breve silêncio tomou todos os cantos da delegacia após a saída do prefeito. Saulo não se moveu, manteve-se sentado; Fabrício ficou onde estava, mirando a porta; Alan encarava o chão com as duas armas nas mãos. Mas logo, aquela calmaria foi quebrada graças aos passos de botas, para que o autor deles retornasse à sua mesa, sem demora levando a pistola ao coldre no percurso. Contudo, olhos curiosos, junto aos sobressaltos, puxaram a atenção de Saulo e Alan ao foco do estrondo inesperado. Ali, ao lado da máquina de café, uma cadeira se encontrava largada no chão; uma das pernas ligeiramente torta.

     Fabrício se virou: esferas cinza cobertas de fúria, cravadas no estudante.

     — O que foi que eu te disse naquele dia?! Tem mais arma aqui do que mato! Por que você não me escuta, porra! — Seus gritos se tornavam ainda mais altos quando somente ele falava. Saulo, embora calado, não quebrou o contato visual. — Precisava socar aquele desgraçado?!

     — Precisava ter dito de quem sou filho? — Havia um tom anestesiado naquela voz estranhamente lenta. — Agora tô na mira de uma cidade inteira! Quanto tempo até eu ir parar num cativeiro?!

     O mais velho esfregou os olhos, tentando se acalmar. Não conseguiu.

     — Por hora, isso salvou a porra da sua vida, Nick!

     Um exagerado pigarrear soou de Alan. Sem entender, Fabrício apenas fez um aceno questionador com a cabeça, querendo saber o porquê.

     — Você nem percebe que troca os nomes, né? — deduziu, o escrivão.

     De pé, Saulo não esperou uma resposta do delegado para se intrometer:

     — Chega! Cansei, Fabrício! Quem é Nick?! Por que você vive me chamando assim?! — interrogou, explodindo e vendo o delegado lhe dar as costas e se voltar à sua mesa, na qual apoiou as palmas frias. Impaciente, Saulo olhou para Alan. — Fala você, então! Quem é Nick?!

     — Se tivesse lido o boletim que você pegou emprestado, saberia. Nick é o assassino da Tiana. — O escrivão nem hesitou em responder. — Você se parece com ele... fisicamente.

     "A criança dos vídeos..."

     Feito um raio violento, Saulo foi atingido por uma lembrança, "Aquela notícia...". A imagem da folha impressa, na qual havia as informações sobre o homicídio da irmã de Fabrício, contendo inclusive os detalhes do crime que o deixou enjoado, trouxe uma queimação lhe subindo pela garganta. Saulo engoliu o excesso de saliva ácida, exalando uma ligeira falta de ar conforme voltava a encarar Fabrício; este, novamente de frente.

     — P-por isso você imprimiu a matéria de jornal e deixou no meu caderno?! Você vê ele em mim?! Ou quer que eu seja ele?! Como... Égua! — calou-se. Saulo não sabia nem como perguntar. — Como consegue se envolver com alguém que te lembra um monstro?! Depois tem a cara de pau de me chamar de doente?! — despejou, ganhando outra vez, o silêncio de Fabrício. — Vou sair da sua casa.

     "Pelo visto, todos os assassinos daqui se parecem comigo."

     Ofegante, Saulo abandonou a delegacia com extrema urgência. Puxou a gola da camisa, à procura de ar; sentia que morreria sem fôlego caso continuasse naquele lugar por mais um segundo.

     — Você salva a vida dele e é assim que ele te agradece?!

     — Vai atrás dele — pediu o delegado, indo à cadeira. — Não se deixe ser visto e atire em qualquer um que parecer uma ameaça pra esse ingrato do caralho!

     Após Alan checar o seu carregador de munição e deixar a unidade sem questionar a ordem do superior, Fabrício liberou todo o ar dos pulmões, depressa acendendo o cigarro proibido. Nem se deu ao trabalho de ajeitar o topete; o costumeiro incômodo dos fios grisalhos lhe cobrindo a testa parecia tão distante. E, em meio às tragadas e nuvem de fumaça se dissipando aos poucos, as palavras de Geraldo chicoteavam sua cabeça. "... vão adorar saber quem são os pais dele."

     — Não tem outro jeito — resmungou encarando sua bolsa carteiro pendurada na parede.

— ⚡ —

     Sob a terra lisa, rochas bloqueadas pelo escuro rodeavam a montanha de lenha, da qual, dançavam chamas altas e agitadas, entre outras menores e mais reservadas. Isso, junto às minúsculas erupções explodindo no ar e trazendo consigo, os sons estralados da madeira se desfazendo, assim como o gostoso ar quente aquecendo aqueles dois jovens ao redor da fogueira.

     Distraidamente, ele tocou na própria orelha, deslizando os dedos no alargador.

     No alto do pequeno sítio, cercada pelos últimos suspiros das estrelas que morreram no passado, a lua brilhava em um céu sem nuvens; não havia sequer uma mancha branca sujando aquela manta absurdamente negra de tão limpa.

     — Mas você sabe pelo menos o sobrenome dele? — Saulo insistiu, cutucando as brasas na base da fogueira.

     Ao lado do rapaz exageradamente agasalhado, Kelly se ajeitou no tronco no qual sentavam, entretida com o antiquado rádio de madeira.

     — Não. Sempre que escuto falarem disso, só chamam ele de Nick. Por que quer tanto saber dele?

     Depois do bocejo, Saulo coçou o queixo, atirando por fim o graveto dentro da fogueira. Nesse meio tempo, há alguns metros de distância, o homem carregando sacolas plásticas se juntou ao dono do sítio, o qual não tirava seu único olho da filha conversando com seu novo amigo.

     — Curiosidade. — Virou-se para a garota, que naquele momento, utilizava uma longa trança sobre o ombro. Não se conteve e acabou tocando em uma das orelhinhas naquela touca de lã em forma de panda. — A nenenzinha gostou mesmo do meu rádio.

     Sob os estalos das brasas e sopros das chamas, Kelly riu, empurrando Saulo. Já estava acostumada com esse tipo de comentário devido à sua idade não coincidir com seu estilo infantil.

     — Você deveria vender, deve valer um bom dinheiro — sugeriu, girando o botão, ato que levou a seta menor dentro da primeira linha no painel, antes no 43, ao número 20; a seta maior permaneceu no outro número 20.

     Saulo sentiu um aperto ao ouvir aquilo e educadamente, pegou o aparelho de volta.

     — Vou pensar.

     — Agora é a minha vez de fazer perguntas. Ouvi dizer que você e a Luana... — Deixou a pergunta no ar, subindo e descendo as sobrancelhas com um olhar sugestivo.

     Ele até quis exibir uma expressão fechada, no entanto, acabou rindo das caras e bocas da garota.

     — Égua! Que cidade fofoqueira, mas credo! — Tornou a encarar a fogueira. — Eu estava gostando da Luana, mas... — "ela tentou me matar." — a gente se desentendeu.

     — Aposto que foi intriga do Leandro. A Luana era tão legal, só que mudou muito depois de começar a namorar ele. Aquele encosto é bonito, porém não presta!

     Só em ouvir tal nome, a repulsa possuiu Saulo.

     — É, foi por causa daquele caipira insuportável. — Achou melhor mentir; Kelly preferiu não dar importância àquele caipira dito em tom de desprezo. — E na minha opinião, ele nem é tão bonito assim. O chato do Alan é muito mais bonito. Aliás, aparentemente aqui só tem gente bonita. Você mesma é toda fofinha... E aquela dona do restaurante? Se ela não me tratasse igual cachorro, eu bem que tentaria domar a fera.

     Risadas escandalosas foram ouvidas até pelas galinhas dormindo no galinheiro.

     — Mudando de assunto... Será que seu pai deixa eu dormir na sua casa essa noite? Não tô podendo nem olhar pro Fabrício, hoje.

     Kelly se manteve quieta por um momento. Saulo lhe parecia ser uma boa pessoa, mas era quase um desconhecido. Ainda que o pai deixasse, algo completamente surreal se tratando de um homem protetor, ela própria se sentiria incomodada.

     — Não brinca! Achei que vocês estivessem super amigões.

     — Nem repara, Kelly. Esse aí adora fazer um drama. — Uma terceira voz surgiu e o coração de Saulo disparou no mesmo segundo, sem nem precisar levantar os olhos para ver o sujeito com apenas as pernas iluminadas pelas chamas da fogueira. — Se ele quisesse realmente ir embora, teria pelo menos feito a mala.

     — Ixi! Chegou mais cedo, foi? Cansou de extorquir bandido e resolveu voltar pra minha órbita, delegado?

     O riso nasal escapou do policial.

     — Assume que você só está com medo da sua raiva passar se ficar muito tempo perto de mim.

     Saulo enfim, olhou para cima, encontrando um topete convertido em franja e um rosto alaranjado graças às luzes da fogueira. Kelly não entendeu muito bem a intenção do mais velho com a pergunta.

     — Igual aconteceu com você na delegacia?

      — Quase. Ainda estou 30% puto contigo.

     Fugindo da identificação com a resposta, Saulo simplesmente se despediu de Kelly, deixou o tronco carregando seu rádio de madeira e evitou qualquer mínimo contato visual com Fabrício ao caminhar na frente até a casa no outro lado da estrada.

     — Vocês brigaram, Tio?

     — Sim e não. Boa noite, Kelly.

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