Capítulo 12 - 💡💡

     Diante da temperatura subindo, Alan se livrou do moletom, pondo-o sobre o encosto da cadeira e deixando visível, as costumeiras letras brancas, Polícia Civil, nas costas e mangas da camiseta preta levemente justa. O distintivo negro preso à corrente em seu pescoço, absorveu os movimentos auditivos vindo de suas botas, balançando à frente do peito conforme seguia até a mesa do delegado.

     — Fabrício — chamou-o em tom leve, recebendo somente o "Uhm?" do homem que guardou o celular e voltou a atenção para a revisão do relatório. Vez ou outra, o delegado se pegava assistindo ao vídeo no qual Saulo sofreu preconceito em um supermercado; mais especificamente, a parte da moça com pequenas tranças que se encontrava com ele. "Preciso saber de onde conheço essa garota!" Alan então, limpou a garganta, tomando coragem. — Isso é muito arriscado.

     — Isso o quê? — Os óculos de leitura foram deixados na mesa assim que o par de olhos cinza focou o jovem escrivão.

     — O suposto homicida do caso que estamos investigando, ficar na sua casa! Porra! Se isso vazar, podem te tirar do caso, além de ser quase um suicídio! — No mesmo segundo em que pronunciou a última palavra, Alan se calou, arrependendo-se. A expressão desconfortável no rosto de Fabrício e a pressa em voltar à leitura do documento, só intensificou aquela sensação. — Foi mal, eu não queria...

     — Relaxa, se você ou sua namoradinha não contar, ninguém saberá que o Saulo é nosso suspeito. E antes dele pensar em fazer qualquer coisa, eu já puxei o gatilho.

     O suspiro foi liberado pelas narinas do rapaz em pé junto ao coçar sob o coque no alto da cabeça.

     — A Luana não é a minha namorada — corrigiu. — E o carro? Desistimos de achar?

     — Se quiser procurar, fique à vontade. Eu tenho muita coisa pra fazer.

     — Sabe... o que me intriga é que o Beterraba comentou que viu o miúdo sair sujo de sangue do carro, mas cadê a porcaria desse sangue? Tinha que ter algum vestígio.

     Decidido a deixar a leitura de lado, Fabrício guardou os óculos na gaveta do móvel, jogou os fios grisalhos para trás e apoiou os cotovelos na mesa; entrelaçando os dedos.

     — O problema nem é a falta de sangue; é não ter achado nenhum indício de limpeza. Aquele carro estava mais sujo que a viatura.

     — Se a gente tivesse pelo menos as imagens da câmera da ponte pra saber se outro carro daquele entrou em Irazal.

     — Na verdade, foi só aquele. E ele entrou e saiu de trás pra frente.

     Alan riu.

     — Como assim? — Curioso, avançou um passo, sem demora se sentando na cadeira diante do delegado.

     — Não comentei nada porque acho que o raio pifou aquela merda, mas depois que o garoto falou do GPS, tentei de novo e consegui recuperar as imagens da câmera. O carro dele entrou em Irazal no dia 6 e saiu no dia 3.

     Alan tornou a rir, ainda mais confuso.

     — Com certeza o raio pifou a câmera... ou um certo hacker manipulou as imagens — concluiu.

— ⚡ —

     Alguns minutos — horas — haviam se passado desde que Saulo deixara o quarto infantil e devolvera as chaves ao seu respectivo lugar. Contudo, a peça em sua mão, a qual possuía um pen drive conectado a um globo ocular rosa, continuava girando em seus dedos. Respirou fundo. A curiosidade em saber o que tinha ali dentro era grande, porém, o medo de estar enlouquecendo a ponto de criar situações era ainda maior.

     — Como sei se isto é real? — Ergueu o olho de vidro, deixando-o contra o raio de sol que passava pela janela. — Como sei se este lugar é real? — Correu o foco pelo quarto de hóspedes, parando-o no chaveiro de lâmpada na sua mochila, no qual refletia sua imagem. — Eu sou real?

     Sacudiu a cabeça, dando um tapa no próprio rosto; precisava acordar. Por fim, deixou-se levar pela curiosidade e puxou da mochila, o computador para o colo, sem demora plugando o pen drive na porta USB mais próxima.

     Rapidamente, arquivos de vídeo surgiram; todos eles nomeados com um conjunto de números e datados em 2022. Percorreu com a seta, a lista de vídeos, abrindo um aleatório.

     — É a irmã dele!

     O pequeno rosto sereno, embora desfocado graças à proximidade com a câmera, invadiu a tela do computador. Exibindo seu cabelo cheio, a menina fazia movimentos como se estivesse penteando cabelos, deslizando o pente garfo de cor lilás sobre os pelos do urso e deixando soar o ruído semelhante a algo sendo ralado.

     — "Tiana! Já não disse que não é pra brincar com o Senhor Pink?!" — O vulto de um braço negro junto à voz suave, antecedeu a imagem ampla do quarto infantil. — "Não tire mais ele daqui, ouviu?"

    Um quarto diferente e mais simples do que aquele que ele havia acabado de sair.

    — "Por que?!"

     — "Porque ele está ajudando a mamãe a cuidar de você."

     Abriu mais alguns vídeos, onde na maioria, tinha somente uma criança dormindo ou quando acordada, brincando com seus brinquedos sobre a cama. Só então ele entendeu que os tais conjuntos de números se tratavam da data, horário e duração da gravação.

     — Vou ver só mais um. — Saulo sabia que precisava devolver aquele pen drive, pois logicamente o dispositivo se tratava de um objeto com um enorme valor sentimental. No entanto, ver os vídeos daquela criança alegre, às vezes bagunceira e chorona, estava lhe trazendo uma paz que há tempos não sentia; em especial, quando a mãe da menina aparecia na gravação para colocá-la para dormir... ou tentar, pelo menos. — Diacho de mulher gostosa... Bonita! — reformulou o elogio, como se de alguma forma ele pudesse ser ouvido.

     Saulo se encontrava sem saber o que era real ou supostamente, criação de sua cabeça.

     — "Canta a música do passarinho" — choramingou.

     — "Você nunca vai enjoar dessa música feiosa?"

     — "Não é feiosa!" — gritou.

     — É feiosa sim, nem eu aguento mais — Saulo acabou concordando com a mãe, rindo.

     De costas para a câmera, a mulher que também riu, beijou o rosto da filha.

     — "Ok! Vamos lá... Voa, voa, passarinho; Bata as asas, meu anjinho; Voa e traga para mim; Uma linda flor de jasmim."

— ⚡ —

     Esguicho distante, fraco, ainda que contínuo, junto aos inconfundíveis espirros d'água se chocando no piso, pouco a pouco ganharam nitidez. A consequência foram pálpebras castanhas liberando íris âmbar um tanto escuras devido à escassa iluminação no quarto.

     Bocejou, remexendo-se sob os cobertores e tendo como primeira visão a amena luz escapando da porta entreaberta do banheiro. O discreto sonido vindo do aparelho à sua direita, exalando ar quente, revelou uma das razões dele ter se apropriado do quarto alheio.

     Não tardou para, ali em posição fetal, Saulo ouvir o chuveiro ser desligado e assistir à faixa de luz se ampliar pelo quarto conforme passava pela porta, o homem usando somente uma toalha entorno da cintura.

     Distraído, Fabrício se guiou ao guarda-roupas, apanhando peças aleatórias de dentro. Esfregou mais uma vez a toalha nos cabelos antes de pendurá-la na porta do banheiro e vestir a roupa íntima, tão logo jogou-se dentro da calça moletom. Pensou em procurar uma camisa fina, o corpo estava bem quente devido ao banho caloroso, contudo, não quis acender a luz e acabar acordando o jovem encolhido em sua cama.

     — Sente frio não, delegado? — cochichou, espantado com a pouca roupa, e virando-se de barriga para cima enquanto o outro se aproximava do colchão.

     — Que susto, filho da mãe! — Sentou-se, jogando os cabelos úmidos para trás e já acendendo a luminária de parede, acima da cabeceira. — Tá acordado faz tempo?

     Saulo achou melhor se pôr de lado, ficando de frente para o delegado.

     — O suficiente pra poder ver a sua bunda pálida — sorriu, assistindo a mesma reação no rosto parcialmente iluminado pela luminária. — Eu estava congelando no outro quarto e não faço a mínima ideia de como acender a lareira na sala. Sou um inútil.

     — Que mané, inútil! — repreendeu, afagando os cachos crespos. — Nem lembrei que lá não tem aquecedor. Quer mais um cobertor?

     Saulo negou com a cabeça, tentado a tocar em outro assunto, entretanto, não sabia nem por onde começar. Por um lado, queria omitir o fato de ter invadido o quarto da irmã falecida de Fabrício e visto as gravações no pen drive — o qual ainda estava em sua posse —; o policial não precisava saber. Mas por outro, sentia-se mal pela atitude invasiva; talvez se contasse o que fez e pedisse desculpas... "Não! Ele vai brigar comigo!", aconchegou-se na cama, procurando disfarçar aquela sensação conforme Fabrício puxava seu rosto e tomava seus lábios.

     O corpo forte cheirando a sabonete caro — Saulo não deixou de perceber esse detalhe —, acomodou-se sobre o seu, esquentando-os por baixo dos cobertores e refletindo em mãos castanhas passeando pela nuca clara um tanto úmida graças aos cabelos molhados de Fabrício. Que por sua vez, também já umedeciam ambas as testas. Rendido, Saulo inclinou o rosto, apreciando a língua morna descendo pelo seu pescoço e dando início aos esporádicos arrepios de excitação.

     Até que ele empurrou o delegado.

     — O que foi, garoto?

     Saulo tomou fôlego.

     — Preciso te falar uma coisa.

     Após empurrar sua franja para trás, Fabrício também respirou fundo, soltando as costas na cama.

     — É o quê? Sou velho demais?

     Antes mesmo de abrir a boca, Saulo já sacudia a cabeça em negativa.

     — Tá doido, é?! Nada a ver! Quero falar sobre aquele... lugar trancado.

     O olhar em tom de cinza recebido por Saulo lhe fez engolir em seco. "Égua!"

     — Aquele que te mandei ficar longe?!

     — É, mas...

     — Tenho que dormir. Amanhã acordo cedo. — Se pôs de lado, virando as costas nuas para Saulo junto ao puxar brusco do travesseiro e quase o socando para debaixo da cabeça.

     — Ixi! Vai ficar com raiva só porque eu ia fazer uma pergunta?

     — Não! Estou com raiva porque você tentou abrir o quarto! Senão, como saberia que ele está trancado?!

     "Imagine se ele souber que entrei lá."

     Naquele instante, Saulo agradeceu por ter furtado a chave e invadido o dito cujo, caso contrário pensaria que ali havia algum tipo de atividade criminosa, baseando-se pela reação exagerada de Fabrício.

     — Melhor eu voltar pra Sibéria. — Puxou os cobertores, libertando as pernas do conforto; minuto no qual teve o antebraço agarrado.

     — Garoto, dá pra ficar quieto e dormir logo antes que eu te dê uns tapas?!

     Com o vinco na testa e um ar presunçoso, Saulo desviou os olhos dos dedos lhe segurando, para o rosto fechado do delegado.

     — Égua! Vai me bater, agora?

     — Vou! — Sem se policiar, encarou os bem desenhados lábios marrons do mais novo. — Já adianto que sou bom nisso.

     Fabrício não teve tempo de acompanhar os gestos rápidos do estudante, pois assim que as íris douradas correram pelo seu torso despido, coxas sob a calça de algodão se encaixaram em seu colo e dedos jovens lhe deslizaram peito quente.

     Não se contendo, Saulo apertou a região.

     — Tem outra coisa que preciso te contar. — Acariciou os pelos grisalhos entre o peito nu do delegado. — Não foi só pelo aquecedor que vim dormir na sua cama.

     Mãos ásperas carregando marcas da violência e tão acostumadas a manusear armas e documentos policiais, impulsivamente apalparam aquele par de coxas. Mãos estas que feriram muitos, tiraram a vida de outros e geraram incontáveis disparos. Mãos que naquele momento eram apenas mãos cuidadosas adentrando por baixo do agasalho para percorrer e sentir a pele do corpo sobre o seu.

     — Talvez eu não precise acordar tão cedo amanhã.

     A pressa e sede um do outro, fez ambos se livrarem das roupas sem muita enrolação; peças acharam o chão em meio às risadas, beijos e sussurros indecentes. A efusividade de Saulo agradou o outro mais do que ele esperava, o qual se deleitou com o espírito da juventude exalando do estudante e aproveitou cada minuto daquela preliminar escaldante como há 21 anos não fazia.

    Embora espesso, o cobertor não foi capaz de camuflar a movimentação ocorrendo ali embaixo, nem os sutis contornos dos joelhos dobrados. Respirações ofegantes e peles escorregadias transmitiam o efeito que o quadril cauteloso causava a si próprio e ao dono das pernas flexionadas ao seu redor. Assim como os dedos negros vagando pelas costas claras e úmidas; apertando e marcando sem pudor os músculos que encontravam pelo caminho.

     A boca entreaberta daquele que desceu as pálpebras, serviu de convite a Fabrício, que não perdeu a chance e tratou de completá-la com a sua língua inundada em saliva, recebendo de imediato a retribuição do beijo insano, delirante... obsceno.

     Saulo nem percebeu quando envolveu o pescoço do delegado com os braços, muito menos o instante em que aumentou a pressão que fazia com as pernas em torno daquele corpo pesado sobre ele. Soltou forte o ar, tendo a impressão de estar sendo tomado por formigamentos e arrepios agressivos. Uma forte dormência se apossava dos seus pés, tirando-lhe parte dos movimentos e tornando a região gélida.

     — Tá sentindo isso? — soprou Saulo, sobre os lábios de Fabrício, quase sem voz. — Parece choque... Choque elétrico.

     — Estou... estou.... Nossa! Meu coração está batendo... mais que o normal — sussurrou, procurando fôlego. — Quer parar?

     — Não!

     Se Fabrício tivesse mantido os olhos abertos por mais um tempo, teria visto as faíscas azuis girando feito redemoinhos dentro das íris âmbar, em meio às pupilas extremamente dilatadas. Ou as veias cintilantes, as quais atravessaram os tecidos da pele escura ao correrem para fora dos dedos que lhe pressionavam e eletrificavam, as costas.

Notas Finais

Não se assustem caso eu começar a postar vários capítulos de uma vez. Neste ano quero participar do The Wattys e como a história precisa estar completa e as inscrições vão terminar logo logo, tô correndo com a revisão pra deixar o livro concluído aqui e poder me inscrever 🥰 

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