CAPÍTULO 92

A ordem na capital de Lacoresh foi restabelecida em poucos dias, porém toda política foi abalada pela ocorrência. A nobreza, em especial, a dos baronatos e outros territórios do antigo reino havia respondido ao convite do imperador. A maioria destes morreram, incluindo Maurícius e sua descendência. A sucessão ao trono, dos baronatos e territórios geraram diversos conflitos.

Arávner e a ordem de bruxos que o acompanhava se beneficiava de prestígio junto aos sobreviventes dos dias de terror desencadeados por Maurícius, do mesmo modo que este gozou da imagem de salvador após uma semelhante invasão no passado.

A verdade é que o trabalho de Arávner e dos necromantes da necrópole fora facilitado pela atuação do demônio Necranxelfer. Ele deixou um rastro de destruição por onde passou e arrebanhou para si algumas centenas de almas que lhe apeteciam.

Mitzlorg, o demônio que Maurírius libertou, agiu de modo semelhante: arrematou almas e deixou a capital.

Arávner convocou magos, membros do clero e os nobres remanescentes para construir o apoio à sua investidura de poder como novo imperador de Lacoresh. Entretanto, testemunhas, que incluíam o general Fortrail, apontaram que a princesa Hana teria escapado com vida. Sendo ela a legítima herdeira, ele foi forçado a aceitar a posição de regente até que sua morte fosse provada, ou que o clero apontasse um outro nome na linha de sucessão entre os demais nobres de Lacoresh.

No seu primeiro dia como regente, ele convocou para uma reunião os mais importantes de Lacoresh. Arávner estava sentado no trono do imperador vestindo uma roupa preta com pequenos detalhes vermelhos na gola e ombros. O cinturão chamava atenção, pois possuía no lugar da fivela uma enorme pedra preciosa cujo interior azulado movia-se lentamente como nuvens escuras de uma tempestade.

– Eu vos saúdo. Este é um momento singular na história deste império. Estejais atentos e preparados, pois é este o momento de conhecer certas verdades.

Arávner levantou-se do trono e sorriu abrindo os braços. Todos presentes, cerca de cinquenta das figuras mais importantes de Lacoresh olhavam-no com assombro e expectativa. A maioria deles estava colocando os olhos nele pela primeira vez. O bruxo de altíssima estatura e porte físico avantajado não parecia humano e isto causava estranhamento em muitos.

As cadeiras estavam dispostas bem espaçadas formando uma meia lua. Sua bota negra com solado de madeira fazia os passos ressoarem sob a boa acústica do salão, enquanto ele circulava encarando um a um com seu olhar enigmático. Era simpático, ou ameaçador? Irado ou ensandecido? Cada qual formava uma ideia diferente sobre aquela estranha, mas imponente figura.

– Antes de entrarmos em importantes assuntos de estado, penso que é conveniente que eu fale a vós um pouco sobre minha pessoa. Que tal? Decididamente estais curiosos, correto? Afinal, quem é este que surgiu, como que do nada, para resgatar vossa cidade do caos e restabelecer ordem ao império?

As cabeças se moveram em concordância.

– Não sou nenhum inumano, mas sim um primo distante de vós, lacoreses. Em verdade, vós todos sois descendentes dos antigos membros do glorioso império que existiu em todo este continente e que se originou a partir das terras que vós curiosamente chamais de Reinos Bárbaros. Nós, antigos Vetmös, vossos ancestrais, construímos, em conjunto, o maior e mais glorioso império já visto neste mundo.

Arávner parou diante de todos e abaixou a cabeça fechou os olhos e fez um pausa – Sim, sou um dos poucos remanescentes daqueles tempos. Um imortal. Trago comigo segredos e a semente para construirmos um novo império. Muito bem!

Ele se movimentou seguindo adiante. – Agora, vejamos outro assunto: a obediência. Sim, pois sei que podeis estar pensando. Por que confiaríeis em minhas palavras? O que me impediria de ser apenas um louco? Pois bem, tu, cavaleiro. Levanta-te, desembainha tua espada e ataca-me.

O cavaleiro levantou-se e com a espada em mãos hesitou.

– Não temas tu e faz apenas como ordeno.

O homem girou a espada para golpear o gigante, mas o golpe parou no ar, como se atingisse uma redoma invisível.

– Novamente ataca-me!

Ele tentou golpeá-lo em vão. Arávner não ergueu nem um dedo para se defender.

– Está bem, obrigado. Senta-te, por favor. Tu – apontou o regente para um dos magos da Alta Escola.

– Convoca teu feitiço mais letal sobre mim.

O mago suava frio, mas obedeceu. Convocou o feitiço, mas o efeito foi revertido contra ele. Caiu tremendo até que ficou imóvel, de olhos vidrados. Estava morto. Aquilo causou comoção entre os presentes. – Rinan está morto! – disse um rico comerciante.

– Quietos! – todos silenciaram, alguns se encolheram, tensos. – Peço a todos vós aqui presentes, que agradeçais ao mago por seu nobre sacrifício. Pois agora sabeis que não posso ser atingido por magia alguma e que esta se voltará contra o agressor. Agora sabeis que é inútil ir contra minha vontade. Sabeis que tenho poder absoluto. Sabeis que mo devem obediência.

O primeiro cavaleiro de Lacoresh, Julius Fortrail, levantou, curvou-se e disse – E o que deseja que façamos, Lorde Arávner?

Ele deu uma risada que expressava deleite e bateu as mãos – Ótimo, já compreendeste! Por favor, senta-te. Falar-vos-ei sobre o futuro. É chegada a hora de restaurar o antigo império. Devemos nos preparar para apoiar a campanha militar contra Nelfária.

– Nelfária? Isto é sério? – indagou um dos membros do Alto Clero.

– Evidente que sim! Pois pensais vós que apenas por que os elfos não são mais vistos há milênios que seu país deixou de existir? Não apenas existe, mas guarda em seu coração a precioso prêmio pelo qual almeja nosso aliado.

– E que aliado seria este? – indagou um nobre.

– Arcanael, o Senhor do Submundo.

– Um demônio? – indagou o bispo Kalefap, da Real Santa Igreja – acha que trabalharemos em favor de um demônio?

Arávner gargalhou suavemente – Ora, Sua Santidade, sinceramente! Há poucos dias trabalháveis para Maurícius e seu bando de necromantes. Por acaso não sabíeis que desde sempre os necromantes agiam como servos de demônios? Que buscavam neles segredos para a expansão de seus poderes? Não foi o demônio Mitzlorg a criatura que o próprio Maurícius libertou sobre esta cidade quando enlouqueceu?

– Mas como iremos justificar isto junto aos fiéis? E quanto a era de glória prometida pelas crianças do eclipse?

– Ela ainda virá, pois meu pacto com Arcanael será cumprido. O problema dele é com os malditos elfos, e não conosco. Teremos o poder das Torres Lunares restaurado e com isso poderemos reconstruir nosso império.

– Mas que loucura é esta?

– Isto, Santidade, é apenas a verdade que trago ao vosso conhecimento. Pois este é meu papel, revelar ao mundo uma nova era de verdades. Nada pelo que estáveis trabalhando em Lacoresh nos últimos anos muda com minha chegada.

Um dos magos mais velhos e conhecedor de história antiga indagou – Explique-nos, Lorde Arávner, como poderão ser restauradas as Torres Lunares, se estas foram destruídas pelo Cataclismo de Fogo?

– Tu te referes às Torres Lunares de Merrin, mas as torres de que falo não são outras senão as Torres dos Arquimagos, as que ficam no centro do continente primevo.

– Mas não foram também destruídas?

– Não. Foram apenas seladas. São inacessíveis, mas continuam intactas.

A curiosidade dos presentes vinha sendo aguçada e três fizeram perguntas simultâneas.

– Responderei a todas as perguntas, mas antes, cuidemos do sepultamento de Rinan, aquele que apontou o caminho da verdade. – Arávner olhou para o corpo caído e este se ergueu passando a flutuar no ar. Uma toalha branca de uma mesa na lateral do salão flutuou e embalou o corpo em pleno ar. Este foi conduzido e depositado sobre a mesa.

O velho mago que questionava-o, há pouco, deixou escapar – Não é magia... Como está fazendo isto?

– Tens razão! Não sou mais mero praticante de magia, pois descobri a força fundamental que está além do Mana manipulado pelos feiticeiros, necromantes e até mesmo as convocações dos sagrados ofícios pelo clericato. Falo do Jii, a energia fundamental que tece a matéria e conecta as dimensões.

– A bruxaria secreta dos tisamirenses...

– Correto. Mas não é bruxaria... É o verdadeiro poder dos elementos do mundo. Mas saibais que também possuo o conhecimento da magia dos antigos, pois eu próprio, fui um dos discípulos dos arquimagos na antiga e esquecida cidade de Trinidacs.

– Trinidacs? Isso não passa de uma fábula – retrucou o velho mago.

– Fábula? – gargalhou Arávner – Pois abrais vossas mentes e vejais com seus próprios olhos. Uma cortina de luzes surgiu atrás dele e nela aos poucos se formaram imagens de um lugar belíssimo, repleto de prédios cujo estilo arquitetônico era desconhecido para os lacoreses. Arávner voltou a falar para a assembleia com os olhos vidrados que expressavam fé absoluta.

– Contempleis, meus caros, pois é esta a terra prometida. Será a nova capital de nosso império. Local onde iremos adquirir pleno acesso aos poderes das Nove Torres Lunares dos Arquimagos. E o que nos separa desta conquista é uma guerra. Uma dura guerra, vos digo a verdade. Pois quando Arcanael conquistar seu prêmio no coração de Nelfária, nos deixará e levará consigo de volta aos abismos todas as expressões do mal que caminham sobre este mundo. Teremos, uma vez mais, um mundo puro e livre da maldita herança trazia a nós pelos elfos. Sim, meus caros, pois foi com a vinda deles para cá, que toda a glória de nossa antiga civilização começou a ruir, até que nada mais restou. Não sabíeis vós da história dos Três Elfos Viciosos? Os antigos imperadores de Nelfária que conspiraram para destruir os deuses deste mundo por causa de sua tremenda inveja? Não sabíeis que estão presos no Vale Profano? Sim, vejo que há muito que vós não sabíeis. Mas não temais. Irei vos contar tudo. A verdade, eu vos digo. Ela nos libertará. Ela nos conduzirá.

E naquele dia, a elite lacoresa ali reunida passou a acreditar em Arávner e a obedecê-lo, não apenas como regente, mas se prontificaram, caso a princesa não fosse encontrada brevemente, a legitimá-lo como imperador e líder de duas das suas principais instituições, a Alta Escola dos Magos e a Real Santa Igreja.

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