CAPÍTULO 87

Vekkardi gritava de dor enquanto Yourdon assistia rindo e batendo palmas. A voz lenta e penetrante de Necranxelfer preencheu toda a catacumba – Acha mesmo que pode resistir a mim, mortal?

O demônio fez nova investida contra o discípulo de Modevarsh e finalmente venceu sua resistência. A fumaça escura e ardente penetrou no corpo de Vekkardi fazendo-o tremer e gritar até que seu olho mudou de cor, tornando-se negro como os de Calisto e demais crianças do eclipse.

A voz de Necranxelfer através do aparelho vocal de Vekkardi soou rouca e sinistra – Muito bem, mortal, vou deixá-lo aí no fundo da mente como testemunha... Será divertido usar seu corpo! Oh sim! Vejo que este corpo é fabuloso. É pura arte!

O possuído sorriu para Yourdon e disse – Excelente trabalho com este aqui, aprendiz! Veja isto.

O corpo de Vekkardi iniciou uma série de cambalhotas e rodopios de pé e mãos. Os pés e mãos brilharam com energia incandescente emitindo fumaça. Os golpes de Vekkardi atingiram a rocha das paredes estilhaçando-as como se fossem vidro.

– Excelente! Excelente! Há há há! – O demônio se divertiu avaliando o potencial do corpo possuído.

– Mal posso esperar aprendiz, para esmagar uma legião de mortos-vivos!

– Então venha, poderoso Necranxelfer. Usaremos uma ponte netérea. Siga-me.

Yourdon levou o demônio até a câmara de portais e acionou a passagem que levava a Lacoresh. Em poucos minutos saíram do outro lado. O local tinha uma luz que brilhava intensamente. Estavam no farol de Lacoresh, uma das torres do extinto império dos Vetmös e que compunha uma rede de estradas netéreas. Do alto do farol puderam ver a cidade em chamas. O caos havia tomado conta. Tropas reunidas às pressas falhavam em conter a legião de mortos-vivos comandada por Maurícius.

– Vamos, aprendiz! Chegou a hora da diversão! – o demônio disse e atirou-se do alto da torre. O corpo de Vekkardi caiu no pavimento fazendo soar um forte baque. A energia de Necranxelfer fluía através dele conferindo-lhe dureza superior à do aço.

Tropas comandadas por Július Fortail, o primeiro cavaleiro de Lacoresh, estavam encurraladas na antiga fortaleza que fora sede do governo no reinado de Corélius.

Na parte externa da cidade, as demais tropas de dispersavam e batiam em retirada. A horda avançava. Aqueles que eram abatidos pelos novos carniçais criados por Alexanus e Maurícius ressurgiam após algumas horas fazendo o número de mortos-vivos crescer de forma assustadora.

Necranxelfer estabeleceu combate mano a mano com uma turba de carniçais. Destruía dois ou três deles a cada instante. – Venha Yourdon! Desça aqui e lute! Deixe de ser um covarde! – atiçou o demônio envolvido num frenesi de combate.

Yourdon usou um feitiço para sobrevoar a área e pousou na muralha da fortaleza. Passou a atirar bolas de fogo sobre aglomerações de mortos-vivos que se batiam contra os portões da fortaleza.

Um morto-vivo que segurava um cajado anulou o fogo de Yourdon e atirou um raio congelante sobre o portão. Cavaleiros da morte cavalgaram através do portão, destruindo-o.

O feiticeiro morto-vivo olhou para o alto e deu uma gargalhada horrenda. Ele saltou para cima da muralha com a naturalidade de alguém que sobe numa calçada. Sua voz de velho gritou estridente – He he he! Vou lhe ensinar a lição derradeira, meu aluno!

Yourdon olhou para o feiticeiro e finalmente o reconheceu – Alexanus!

– Mestre Alexanus, não é mesmo, Yourdon?

O velho mago tinha no lugar dos olhos um vazio e ali duas chamas azuladas brilhavam. Seus lábios estavam carcomidos e revelavam sua dentição num horripilante sorriso de caveira. A cabeleira branca estava escorrida e despenteada e as mãos negras e esqueléticas seguravam o cajado com vigor.

Yourdon projetou duas bolas de fogo contra ele. O mestre as dispersou com facilidade.

– Terá que fazer melhor que isso, meu aluno!

O ataque de Yourdon foi quase infantil, exceto pelo fato que era uma mera distração. Mãos enormes de pedra emergiram da muralha e esmagaram o corpo de Alexanus como um inseto. Gelo tomou conta das mãos de pedra até que as quebrou. A gargalhada horrenda de Alexanus soou – Ótimo truque, meu jovem! Agora morra!

Yourdon viu-se cercado por meia dúzia de espectros que avançaram com garras afiadas contra seu corpo. O corte gelado das garras arrancou sangue de seu braço esquerdo, mas a magia armazenada no anel dado por Thoudervon o salvou. Seu corpo foi envolvido por relâmpagos que afastaram os espectros.

Alexanus teve o corpo todo esmagado e inutilizado, mas sua cabeça, agora flutuava em meio ao fogo azulado que fluía para fora dos restos de seu corpo. Yourdon compreendeu que o velho mestre estava usando um corpo, mas na verdade, tornara-se um morto-vivo imaterial.

– Não pode me deter – Alexanus disse enlouquecido.

Yourdon atirou um objeto na direção do oponente e saltou muro adentro. A pequena garrafa atingiu o crânio de Alexanus e depois caiu no chão rodopiando, cada vez mais rápido. Este olhou para baixo, intrigado e gritou – Um nexo? Não! Não!

A sua força vital, resto de seu corpo, pedras e objetos foram sugados para dentro do nexo.

Yourdon produziu um colchão de ar e aterrissou próximo de onde cerca de duzentos homens de Fortrail resistiam. Os mortos-vivos entravam pelo portão como água escapando de uma represa rompida. Na linha de frente, vinham quatro cavaleiros da morte e a visão fez Yourdon se recordar do Barão Dagon. O ferimento em seu braço latejava e seu precioso sangue escorria muito. Não era uma ferida qualquer, mas um Toque de Morte Certa. Yourdon sabia que só havia um jeito de sobreviver. Ele atraiu a lâmina de um soldado caído e deixou-a flutuando diante de si. Aqueceu-a com fogo até deixá-la incandescente e então, projetou-a contra si mesmo. O golpe decepou seu braço logo acima do ferimento. O mago caiu sentado com a dor e esforçou-se para não perder os sentidos.

Fortrail avançou contra os cavaleiros da morte. Ele portava uma antiga lâmina sílfica obtida com os aliados e que teria sido forjada num lendário vulcão, lugar onde outras lâminas célebres como a Maré Vermelha e a Espada Flamejante de Quill foram forjadas. Július a chamava de Rajada. O fio da lâmina era perfeito. A espada parecia dançar ao ser manejada pelo velho cavaleiro. Com um golpe certeiro decepou o primeiro dos cavaleiros da morte. Mais mortos-vivos vinham de todas as direções e sucumbiam com facilidade contra a Rajada, mas aos poucos, os homens de Fortrail eram abatidos. Até que restaram menos que cinquenta deles.

Yourdon usava um feitiço para manter-se consciente e auxiliava o grupo a resistir aplicando feitiços defensivos nos soldados. A fadiga o dominava e cada pequena magia vinha sob grande custo. Mesmo tonto, o mago reconheceu a gargalhada ritmada de Necranxelfer. Ele penetrou na fortaleza distribuindo pancadas nos de mortos-vivos. Com a efetividade de quinze homens, o endemoniado mais parecia um pequeno ciclone de fumaça e fogo atacava sem cessar.

Com a chegada deste, a batalha virou a favor dos homens de Fortrail que passaram a repelir o avanço dos mortos-vivos.

– Para a muralha interna homens! – ordenou o líder.

Todos recuaram e baixaram o portão de ferro que guardava o núcleo da fortaleza. Comemoraram a vitória momentânea que se deu graças à ajuda de Vekkardi, que foi apelidado por eles de Dragão de Fogo.

– Estou esgotado, mago. Onde está o nexo?

Yourdon estava todo suado e sujo. Fez uma careta e disse – Tive que usá-lo.

O corpo de Vekkardi tinha uma aparência péssima. Estava todo esfolado e queimado. As roupas em frangalhos e tinha boa parte do corpo em carne viva.

– Ótimo, aprendiz! – Necranxelfer cuspiu uma bolota de sangue – Sabe o que isto significa?

Yourdon fez que não.

A fumaça negra e pulsante como uma pequena tempestade abandonou o corpo de Vekkardi que caiu como se fosse feito de borracha. A voz potente e lenta de Necranxelfer preencheu o ar – Significa que se eu não localizar uma âncora, eu voltarei aqui para te devorar!

Yourdon engoliu seco e disse – A catedral. Se ainda estiver intacta... É provável que haja crianças do eclipse por lá.

– É melhor estar certo, aprendiz... – saiu voando para o alto e em seguida rumo à catedral de Lacoresh. Ficava do outro lado da Praça das Rainhas, em frente à fortaleza.

Július Fortrail desmontou e veio falar com Yourdon.

– Ei, mago! Você trabalha para um dos graúdos, não é mesmo?

Chris estava grogue e acenou positivamente.

– Afinal, que merda é essa? – referia-se à horda de mortos-vivos que tomou Lacoresh.

– Merda? – a visão dele já se embaçava. – É como dizem: Merda acontece... – e desmaiou.

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