CAPÍTULO 7

O tempo parecia passar bem devagar. Era apenas entardecer do segundo dia de viagem. Com mar em todos os lados e poucas nuvens no céu, o efeito do sol dourado à frente do caminho ofuscava a visão. Assim, as previsões de mau tempo e mar revolto do capitão ainda não haviam se concretizado.

Kiorina e Gorum tomavam lições da linguagem tchilliana no convés com Kleon. Archibald tentou participar, mas estava inquieto e deixou-os. Kiorina comentava com Kleon a respeito de algumas palavras parecidas do antigo lacorês e do tchilliano. Era interessante constatar que mesmo línguas tão diferentes tinham algumas palavras cuja origem era comum. Kleon explicava a Kiorina que a maioria das línguas que ele sabia tinham pontos em comum. Ele acreditava que isso advinha do fato de serem derivadas de três línguas antigas, destas apenas o sílfico atual teria se mantido parecido com o sílfico antigo. Ainda citou exemplos e mostrou que algumas das palavras que Kiorina havia identificado como parecidas no tchilliano eram de fato de raiz sílfica.

Enquanto as lições de tchilliano continuavam, Archibald entrou na cabine e observou Kyle dormindo por alguns instantes. Estava inquieto e numa posição que parecia desconfortável. Ainda vestia calçados e Archibald pensou "Puxa! Há tempos não vejo Kyle despencar exausto deste jeito".

O ex-monge passou pela cama de Kyle até chegar ao lado da sua. Ajoelhou-se e depois entrou com a cabeça e braços em baixo da mesma. De lá retirou o cajado que recebera de Atir enrolado em um tecido estampado. Colocou-o sobre a cama desembrulhando-o. Parecia um pouco ansioso e, em seguida, tocou o cajado observando suas runas e demais entalhes. Fechou os olhos como se quisesse potencializar sua percepção às energias contidas no objeto. Tão logo o segurou com ambas as mãos, sobreveio um surto energético que fez os pelos de seus braços se arrepiarem. Sua respiração intensificou-se e ficou impressionado com a potência energética do objeto. Um pouco assustando e até sentindo a cabeça zunir largou o cajado na cama. Encarou-o com os olhos esbugalhados. Teve a impressão que o diamante na ponta apresentava um fraco brilho. Passou alguns momentos observando a pedra e lembrou-se de quando carregou a mesma presa a um colar em seu pescoço.

Suas memórias foram ativadas e viu-se na floresta de Shind, em Lacoresh, caminhando com Kyle e Kiorina. Em sua memória, o ataque dos bestiais se repetiu. A luta foi confusa para ele. Fora atingido com força por um enorme bestial. Seu destino poderia ter sido morrer nas mãos daquela fera, mas fora salvo por uma flecha certeira. Em sua memória olhou para sua salvadora, era Mishtra, sua amada. Pode ver seu rosto com clareza. Tinha uma expressão bastante fechada com as sobrancelhas rígidas. O que estava ocorrendo com sua memória? Não foi assim que aconteceu. Na ocasião, tinha sido capaz de ver apenas um vulto que logo desapareceu na mata.

Ainda de joelhos ao lado da cama, Archibald era tomado por seus pensamentos e memórias. Seus olhos estavam fixos no brilho do diamante, mas imagens apareciam vislumbradas pelo olho de sua mente.

Voltaram fortes memórias dos bons momentos que compartilhou com Mishtra, em especial, os tempos tranquilos na Ilha de Shind. Na época, começou a desprender-se dos conceitos rígidos de sua antiga religião. Memórias de suas orações direcionadas à mãe da natureza, Ecta, vieram à tona. Reviveu memórias e sensações da estadia na casa de Melgosh. Entristeceu-se, pois ao ver a imagem de Melgosh em sua mente, constatou seu filho nunca conheceria seu avô, um silfo de muita coragem, fibra e bom caráter. A tristeza conectou-o a memórias de Lacoresh, as enfermarias cheias de soldados moribundos durante a guerra contra os bestiais. Dali viajou para as batalhas e, em especial, a grande retomada de Grey, na qual lutou com ferocidade. Fazia muito tempo que não pensava naquilo. De certa forma, a maior parte do tempo esteve envolvido em lutas, violência e sofrimentos.

Lembrou-se da terrível batalha que travou contra Weiss, antes do mosteiro dos Naomir ser consumido pelas chamas. O irmão Himil DeReifos Weiss fazia parte da aliança dos necromantes e escondia o segredo de ser seu tio. Foi ele que manipulou a sua vida trazendo-o para o mosteiro dos Naomir. Trabalhou, distorcendo sua mente e seu espírito para que fosse um colaborador da causa das trevas. Essas influências eram muito fortes nas terras de Lacoresh, mas depois que partiram para além-mar, aqueles efeitos desapareceram. Sentiu calafrios e medo de voltar a Lacoresh e uma ideia forte veio à sua mente: "Nunca devo voltar a Lacoresh. Vou ajudar, mas nunca devo retornar".

Archibald deu um salto e virou-se assustado para Kyle que acordava muito excitado.

– Excelente! Excelente! – exclamava o cavaleiro com vigor.

Archibald engoliu seco e retrucou, – O que é excelente, Kyle? – Enquanto isso cobria o cajado com o tecido colorido.

– Excelente? Sim... Quero dizer... Fazia sentido agora mesmo! Puxa Archie! Sonhei novamente com aquele lugar estranho. Era como seu eu fosse outra pessoa, sabe?

Archibald sentou-se na cama e analisou a expressão facial e maneira diferente de falar de Kyle. De fato havia algo estranho acontecendo. Talvez não fosse só um sonho. 

– Fale mais desse sonho.

– É um pouco confuso. Mas vejo algumas imagens com perfeição. Havia um silfo ancião e no meu sonho ele era meu avô. Espera aí! Isso quer dizer então que eu era um silfo?

– Um silfo, tem certeza?

– Absoluta! Pois até me lembro do meu nome, um tanto esquisito... Olrion.

– Olrion? Não me parece um nome de silfo... Passamos tanto tempo no arquipélago de Shind e nunca ouvi tal nome.

– Mas tenho certeza, e este lugar não parecia ser em qualquer dos arquipélagos.

– O que mais ocorreu?

– Hum... Não sei bem. Parece que eu estava doente ou ferido, mas já tinha melhorado. Então discuti com meu avô sobre sair numa missão.

– Que tipo de missão?

– Não sei, tenho a sensação de que investigava algo. Coisa estranha!

– Verdade.

– Acha que pode ser algo como o que acreditam os tisamirenses? De voltarmos a viver depois de morrer?

– Você diz reencarnação?

– Sim, isso mesmo. Será que fui um silfo chama do Olrion no passado?

– Puxa, não sei o que dizer. A Real Santa Igreja não acredita nisto, e a crença dos silfos também não é assim. Os silfos creem que o espírito se dilui integrando-se à natureza. Depois de morrer, habitam árvores e animais.

– Sim, ouvi dizer. Mas não estou falando da crença dos silfos, tão pouco da Real Santa Igreja e suas mentiras. Mas sim da crença dos tisamirenses.

– Entendo. Diria que é possível.

– Veja bem, temos toda aquela coisa de viagem astral e faculdades da mente que aprendi com Noran e Radishi. Se podemos sair dos corpos e manter a consciência, o que nos impediria de retornar?

– Não sei Kyle. Já pensou que esses sonhos podem ter relação com nosso recente encontro com Renè L'amian?

– Para falar a verdade, sim. Sinto que quando ele me tocou, mudou alguma coisa em minha mente. Acho que ele fez isso de propósito. Será que estaria nesses sonhos a resposta para nossa busca? Será que através deles poderemos obter alguma informação sobre o paradeiro do oráculo?

– Quem sabe? Sei apenas que nossa viagem até Tchilla poderá dar o tempo de descobrir tais fatos. Temos muitos dias e noites pela frente.

Só então Kyle percebeu o cajado enrolado atrás de Archibald. – O que é isso?

– Um presente que recebi de Atir. – Guardou sob a cama. – Em outra oportunidade posso te mostrar.

– Por que o mistério?

– Nada demais... Mas é um objeto mágico e temo algum efeito negativo de sua manipulação. Ainda não pude compreender o que faz.

– Entendi. Por que não pede a Kiorina para dar uma olhada?

– Sim, parece-me uma boa ideia, vamos?

Kyle coçou a cabeça e fez uma careta desanimada. – Não sei... Acho que ela não está muito legal comigo.

Archibald evitou fazer comentários sobre questões emocionais com Kyle. Costumeiramente se irritava ao tocarem no assunto. – Suponho que está certo. Vou indo então.

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