CAPÍTULO 34

Já era noite. Na maior cabine do Estrela do Crepúsculo, os viajantes se reuniam, com exceção de Archibald, que permanecia hospedado com Nar Eseak.

- Eu te disse, Gorum! Naquele dia você ficou me olhando como se eu fosse uma doida... - reclamou Kiorina.

Gorum deu com os ombros e mostrou um sorriso amarelo. - Ainda considero isso fora de nossa alçada. Mesmo assim, após os jogos, eu e Lepard descobrimos quem é o dono daqueles reptantes, um templário chamado Nartipal.

Claudine intrometeu-se - Nartipal, nan é?

- Por acaso sabe quem é? - indagou An Lepard, curioso.

- O mesmo canalha que está com meu pai... - respondeu irritada.

- Hein? Perdi alguma coisa? - Gorum estava surpreso.

Kyle explicou - Encontramos o pai de Claudine, ele é propriedade deste Nartipal, um poderoso templário.

- Então eu já sei! - animou-se Kiorina. - Vamos pedir a Nar Eseak para negociar o pai de Claudine e os lagartos...

- Talvez seja uma boa ideia - refletiu o pequeno Kleon - Estivemos novamente na casa de Nar Eseak, e ao que parece, ele e Nartipal são fortes rivais.

An Lepard complementou - Kleon disse rivais, mas pelo que entendi, na verdade são inimigos. Odeiam-se mutuamente.

- Melhor ainda! - exclamou a ruiva - Assim Nar irá nos ajudar a roubar os escravos de Nartipal.

- Roubar escravos?! - indignou-se Kyle - Está louca?!

- Roubar, sequestrar, qualquer coisa... Por que não?

Gorum intrometeu-se - Escute garoto, segundo Nar, o oráculo estaria em algum lugar além da terra dos lagartos...

- Como assim?

- Procurei saber de onde vinham estes tais lagartos. Segundo os locais, vivem nas montanhas a nordeste daqui...

- Na mesma direção... - ponderou Lepard.

Kiorina sorriu triunfante - Viu só? Não é perfeito? Nos libertamos os lagartos, e estes poderão nos guiar até o oráculo.

Gorum coçou a barba e disse - Hum... O lagarto azul me revelou algo sobre A Voz... Talvez, ele já tenha consultado o oráculo... É suposição demais?

- Talvez, mas não importa. - Kiorina estava animada - O que acham? Vamos pedir a Archibald para nos ajudar a convencer Nar Eseak?

Lepard deu com os ombros - Eu não me oponho.

- Lagartos... ora! - retorquiu Claudine e tom de indignação - Nan é melhor fazer um plan e resgatar meu pai? - e finalmente resmungou em dacsiniano - quem liga para uns malditos lagartos! - Ela olhou para Kyle, como se exigisse um posicionamento.

Ele estava confuso e não disse nada. Gorum disse - Talvez haja uma maneira de extrair os lagartos e salvar seu pai. Amanhã, tomaremos informações junto a Archibald para avaliar este plano.

- Ótimo! - Kleon bocejou - Melhor irmos descansar, hoje o dia foi cansativo.

An Lepard seguiu Kleon, um pouco apressado, como se precisasse lhe dizer algo. Claudine seguiu-os. Kyle aproximou-se dela, mas ela o afastou. Ele voltou a se sentar, decepcionado.

Kiorina acusou - Ela tem razão.

Seus olhares se cruzaram e havia algo que não conseguiam dizer um ao outro. Gorum sentiu que as coisas podiam piorar e intrometeu-se - Conte mais sobre Torenb Nargub. Supõe que nosso plano surtirá efeito?

- Torembi quem? - indagou Kyle.

Kiorina balançou a cabeça sem acreditar e explicou - Aquele homem, cujo filho seria sacrificado daqui a dois dias.

Kyle ergueu as sobrancelhas e fez - Ah, é mesmo! Mas não vai ser mais?

- Será que você só pensa no seu umbigo? - acusou Kiorina.

Antes que respondesse, Gorum explicou - Temos um plano, talvez com doença do pai o filho mude de ideia.

- Doença?

- Falsa, é claro, mas preparei tudo de forma a ser muito convincente. Fiz um serviço perfeito!

- Magia?

- Claro estúpido!

- E como eu ia saber, sua convencida!?

- Pois saiba que você está aqui hoje e vivo por causa da minha magia!

- Vai jogar isso assim na minha cara? É convencida sim! E além do mais, insensível!

- Agora eu que sou a insensível... Tenha paciência, senhor Kyle Blackwing. Não vê o que começou essa discussão? Justamente a sua insensibilidade com Claudine.

- Ah, corta essa!

- Eu sei do que estou falando, ela precisava sentir confiança em você. E justamente no momento em que mais precisava disso, você não acredita nela.

- A mesma ladainha, vê se cresce e para com esses sermões Kiorina!

Houve um momento de silêncio e Gorum tentava ficar quieto e segurar o riso como podia. Mas isso lhe escapava e caiu na gargalhada. Ambos encararam Gorum com olhar fulminante, tomados por uma explosão de raiva. Gorum olhava para suas caras sérias e gargalhava com maior intensidade. Chegavam a brotar lágrimas de seus olhos.

Algo mudava no interior de Kyle e Kiorina, e contrariados seguravam o riso. Gorum gargalhava e foi impossível segurar a explosão. Kiorina começou a rir acompanhada por Kyle e riram todos juntos até perder o fôlego.

Gorum enxugou as lágrimas e confessou - Sinto falta de casa. Falta de martelar metal. Falta de quando você chegava com pão quente, ainda cedo. - disse para Kyle e voltou-se para Kiorina - E de quando você nos visitava fazendo bagunça em minha oficina.

Kiorina suspirou. - Quanta bobagem a nossa de ficar discutindo. Somos os únicos lacoreses aqui. Não há mais ninguém...

- Olha, desculpe Kiorina... - começou Kyle e foi cortado.

- Deixa para lá... Eu estava mesmo procurando uma briga, na verdade, fiquei um pouco frustrada por trabalhar o dia inteiro aqui no navio, enquanto vocês estavam explorando Tchilla, sem mim.

- Que tal mais uma bebida? - sugeriu Kyle. Em seguida serviu os companheiros.

- A Lacoresh! - ofereceu Gorum.

Depois de uns goles e algum silêncio Kyle soltou uma pergunta que deixou o grandalhão e a ruiva intrigados. - Vocês acreditam em reencarnação?

Kiorina ficou pensativa e Gorum logo respondeu em tom de gozação - Se eu acreditasse nisso, diria que estou diante do meu velho companheiro, Armand Blackwing.

- É sério! - retrucou Kyle.

- Armand, é você?

- Gorum seu idiota... Um pai não pode reencarnar em seu próprio filho.

- Bem, isso depende. Veja, seu pai morreu antes de você nascer...

- É? Mas e antes?

- Antes o que? Antes você era um bebê desalmado, esperando o nascimento.

- Não é nada disso, não é o que ensina a igreja, um bebê na barriga tem mais alma que um animal, você sabe disso.

- Eu sei, eu sei... Estou apenas de gozação, você não percebeu?

- Ah, e eu estou apenas querendo falar sério, não percebe?

Kiorina pigarreou, saindo de uma espécie de transe dos próprios pensamentos. - No sentido mágico, sim. Acredito em reencarnação, pois isso é provado.

- Sentido mágico? Como assim? - quis saber Kyle.

- Existem encantos que podem levar uma pessoa a mudar de corpo. Antigos feiticeiros eram capazes de transferir almas para um objeto, a fim de protegê-las. Tal técnica poderia ser utilizada para transferir a alma de um objeto a um novo corpo. Daí a reencarnação. Magos sensatos, não fazem isso, pois é imoral e arriscado.

- E acha que pode acontecer de forma natural?

- Hum, suponho que sim. Os efeitos mágicos, até onde tenha estudado, são apenas um reflexo do que já acontece espontaneamente, porém sob comando da inteligência do mago. É como o fogo... - Kiorina fez surgir uma chama em suas mãos - antes dos magos, já acontecia, mas sobre este é possível realizar... - fez as chamas crescerem e mudar de cor, para azul e depois esverdeado. As chamas tomaram a forma de um lagarto que caminhou sobre a mesa e depois evaporou. Atrás dele, um rastro de madeira chamuscada no formato de pequeninas patas.

- Belo espetáculo - aplaudiu Gorum.

- Obrigada! Mas diga-me, Kyle, por que toda essa conversa?

- Eu acho que na minha vida passada eu fui um silfo chamado Örion.

Kiorina franziu as sobrancelhas. - Ora, isso seria muito estranho, especialmente por que os silfos não reencarnam. Eles voltam a unir-se à natureza.

- Estranho então, mas essas memórias voltaram a mim. E depois do Blukutil, enquanto estava desacordado, tive sonhos e lembranças intensas, mas como antes, a maior parte delas desaparecem após meu despertar. Conseguir recobrar algumas destas memórias, tais como o nome deste silfo, Örion.

- Quanto disso aí você andou bebendo, hein garoto?

- Dá um tempo!

- E de que mais se lembra? Nome de outras pessoas? Cidades, reinos?

- É muito confuso... Lembrei! Tinha um amigo, um rapaz humano chamado Rílkare. Acho que ele era um nobre...

- Que conversa esquisita... - comentou Gorum, desconfortável - afinal, que tipo de nome é esse? Rílkare?

Kyle deu com os ombros - Havia uma guerra entre reinos vizinhos... Puxa, mas que droga! - Bateu com a mão na mesa, irritado. - Não consigo me lembrar de mais...

- O nome de duas pessoas é muito pouco para verificarmos essa sua história. - anunciou Kiorina - Mas quando se lembrar de mais, conte-nos. Quem sabe descobrimos do que se trata?

Gorum bocejou e falou com voz sonolenta - Não sei quanto a vocês, mas já deu para mim. É hora de cama, ou melhor, rede.

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