CAPÍTULO 23

Örion despertou sentido um gostoso calor próximo de sua face. Ao abrir os olhos, viu ao seu lado uma fogueira. Estava de volta ao acampamento no interior do grande templo. Novamente, tivera um daqueles estranhos sonhos, dos quais pouco podia se recordar. Desta vez porém, lembrou-se de detalhes com mais intensidade. Tinha sonhado com um humano, o mesmo, por mais de uma vez. Desta vez, ele estava ferido e a beira da morte. Quem era ele? Por que tinha esses sonhos?

Estava um pouco grogue e tinha a impressão de que alguém balançava seu ombro. - Örion, levanta! Estamos com problemas! - pediu Con nervoso.

- O que? Con? Foi tudo um sonho? - indagou o jovem silfo com a mente bastante confusa.

- Lá fora! Estamos cercados. - explicou Con. - Levanta!

Örion obedeceu, percebendo que todos os demais estavam montados nos cavalos. Con ajudou-o a montar em Zitrehidel e montou seu próprio corcel.

- O pirilampo corrompido disse a verdade. - confirmou Keledrel à frente. - A feiticeira, Ardívilla, está lá fora com um grupo de seres malignos. Vejo duas dezenas de bestiais, um tardo e dois ogros.

- Bestiais? - perguntou Örion.

- Sim, seres brutos e violentos. Não é comum encontrá-los por aqui. Muitos foram mortos na guerra dos humanos contra os inumanos, há alguns séculos. Diz-se que o restante se retirou para além das Montanhas Dentadas.

- Estamos perdidos. - desesperou-se Örion.

Keledrel o encarou - Não Örion! Escute-me: você deve escapar, junto com os demais. É muito importante que seja bem-sucedido. Prometi a seu avô, que você retornaria desta viagem e vou manter essa promessa.

- Do que está falando, Keledrel?

- Irscha - ele voltou-se para ela. Tomou sua mão e olhou-a nos olhos. Num tom baixo e triste revelou - Fui lento e perdi minha oportunidade.

- O que?

- Meus sentimentos... - Keledrel olhou para baixo. - eu não...

A face de Irscha ruborizou - Sentimentos? Por que isso agora?

Keledrel soltou as mãos da silfa e voltou a falar alto, com determinação. - Não importa! Não mais importa!

Irscha ficou confusa, olhando para Keledrel e sentindo um forte aperto no peito. - Não pretende...

- Não há tempo para discussões! - cortou a fala dela. - Você sabe o que deve ser feito! Conduza Örion de volta em segurança. - afastou-se de Irscha pressionando os lábios e franzindo o cenho, sentindo seu coração disparar - Rílkare, você deve proteger Örion a todo custo, compreende?

- Compreendo - concordou Rílkare, entendendo o que Keledrel estava prestes a fazer.

- Vou atacá-los! Será a oportunidade de vocês todos escaparem, certo? Estejam prontos!

Örion aproximou-se de Keledrel e sua montaria.

- Não! É melhor esperarmos, eles não podem penetrar no templo.

- Eu sei disso, mas se temos uma chance de quebrar o cerco é agora, enquanto ainda temos energia. Se ficarmos por mais tempo, estaremos condenados. - avançou lentamente e gritou - Vamos, Vento-radioso! Rá! Rá!

Do lado de fora, Keledrel avançou contra os bestiais, que formavam uma linha de frente. Os bestiais portavam machados, clavas e lanças. Peludos, com olhos vermelhos e dentes pontiagudos, os bestiais partiram para cima de Keledrel em bloco. Antes do confronto, um sucumbiu com uma flechada no peito. Da entrada do templo, Eskallurè disparava flechas de cima de sua montaria. Keledrel derrubava um bestial a cada movimento de sua espada que zunia executando golpes precisos e letais. Os bestiais recuaram assustados, mantendo distância e procurando cercá-lo.

Zitrehidel disparou, seguido de Ferro-em-brasa e da montaria de Irscha. Ao contrário do que esperava, três dos humanos ficaram para dar cobertura à fuga do nobre e demais silfos. Poul avançou golpeando violentamente com seu machado. Con, atirava facas certeiras contra os bestiais e Eskallurè tinha sucesso derrubando mais um ou dois. O combate estava favorável, mas isto não duraria. Gruko e Grurbo, os enormes ogros, avançavam dando tudo de si. Eram seguidos pelo tardo conhecido com Nergon e na retaguarda, Ardívilla observava o desenrolar do confronto.

- Vamos recuar - ordenou Keledrel aos demais.

Poul, Eskallurè e Con logo forçaram um galope veloz seguindo a trilha de Örion, mais adiante. Keledrel seguiu por curto período, mas fez Vento-radioso retornar para confrontar o grupo de gigantes.

Eskallurè exclamou - ele é louco! Eu estou fora.

Poul hesitou e Con o persuadiu - vamos Poul, não encontraremos sua esposa se estiver morto. Keledrel deve saber o que está fazendo.

Poul deu com os ombros e seguiu no encalço de Rílkare e dos outros.

Keledrel avançou a toda velocidade para o ogro de rosto disforme e boca beiçuda. Sussurrou palavras no ouvido de sua montaria e, em seguida, equilibrou-se ficando de pé sobre o lombo do animal a pleno galope. Saltou veloz contra o peito do ogro, que mal teve tempo de reagir. Vento-radioso, por sua vez, desviou-se da criatura dando meia-volta.

O silfo cravou a lâmina de sua espada até o cabo no pescoço curto do ogro. A ponta da espada penetrou e atravessou a garganta atingindo e estilhaçando as vértebras da espinha dorsal, e finalmente despontou na nuca corcunda do monstro. A morte foi instantânea e antes mesmo que a criatura tombasse para frente, Keledrel saltou tomando impulso com ambas as pernas contra a barriga protuberante do ogro. Realizando uma cambalhota completa, o silfo aterrou com os dois pés, flexionando o joelho direito à frente do corpo e esticando a perna esquerda para trás. A mão esquerda tocou o chão e a espada empunhada com a destra, pingando sangue negro, preparada para seguir combatendo. Toda sua manobra, foi realizada como se fosse parte de um único movimento premeditado.

O outro ogro, que vinha logo atrás, era narigudo e sua boca aberta mostrava apenas três dentes medonhos. Irado, ergueu uma enorme clava acima da cabeça e golpeou com violência atingindo o solo num grande estrondo. Keledrel rolou para a direita para evitar o golpe. Ergueu-se do rolamento, posicionando-se na defensiva. O ogro desferiu mais três ataques violentos, e de todos o silfo, que era ágil como um felino, desviava-se apenas por um triz. O tardo já estava próximo e silfo precisava atacar de imediato para evitar confrontar ambos simultaneamente. Desviou-se de mais uma clavada rolando para diante e emendando um golpe da espada contra o pé do monstro. A lâmina decepou o dedão do pé e o ogro emitiu um forte grunhido de dor. Enfurecido, ele atingiu Keledrel de raspão com um chute. Um chute certeiro teria quebrado ossos do silfo, ou mesmo provocado nocaute. Keledrel voou girando chocando-se contra uma parede próxima. Atordoado, colocou-se de pé sentindo fortes dores. 

Tendo aprendido a lição, o ogro girava a clava de um lado para o outro sem parar, procurando evitar ao máximo uma aproximação de seu oponente. Keledrel saltou um golpe, agachou-se para escapar de outro e por fim, fingiu perder o equilíbrio caindo de costas no chão. O ogro, como ele esperava, voltou a erguer a clava sobre a cabeça visando abaixá-la com violência e esmagá-lo como um inseto. O movimento do oponente deu-lhe tempo suficiente atirar sua espada adiante, que deslizou no chão. Keledrel manobrou o corpo erguendo as pernas ao mesmo tempo em que dava impulso com as mãos, ficando de pé a partir de posição deitada. Porém, ao invés de simplesmente ficar de pé, aproveitou o impulso para rolar adiante, reaver sua espada e esticar-se para golpear a batata da perna do ogro. O golpe feriu o ogro ao mesmo tempo em que sua clava colidiu contra o local de onde Keledrel tinha saído. Com um novo giro do corpo e da espada, próximos ao solo, atingiu o tendão acima do calcanhar do ogro narigudo. Os três ferimentos na mesma perna fizeram com que finalmente o ogro caísse de joelhos. Com mais um rolamento, Keledrel escapou do monstro corpulento que cairia sobre si. Posicionou-se atrás do oponente e escalou até suas costas para finalmente ferí-lo entre as costelas.

O tardo, menor e menos feio, chegou para atacar. Era veloz e forte como um touro. Sua pele escura tinha textura semelhante à de um velho tronco e seu rosto de feições grosseiras, parecia estar cheio de calma.

Keledrel teve de abandonar o ogro ferido, mas não derrotado. Ele e o tardo se estudaram.

- Por que não se entrega, pequeno? Não quero te machucar. - alertou Nergon em sílfico bem pronunciado.

- Não vai dar... é melhor se defender. - Keledrel atacou visando o abdome do Tardo.  Comparada a estatura de ambos, Keledrel parecia um menino de oito anos perto de um adulto.

Nergon defendeu-se habilmente com o enorme mangual, composto de uma corrente grossa ligada a uma bola de ferro lisa, do tamanho de uma cabeça humana.

- Vai pequeno, estou te dando uma chance. - insistiu Nergon segurando a corrente com ambas as mãos.

Keledrel ignorou o segundo aviso e atacou contra a coxa. O golpe atingiu, porém de raspão. O tardo fez um careta e girou o mangual contra as pernas de Keledrel. Ágil, este saltou escapando por uma, duas e três vezes. O tardo não era estúpido, golpeava de forma a fazer Keledrel recuar. Logo estaria encurralado e com problemas. Sua única esperança, seria se o tardo lhe oferecesse mais uma chance para entregar-se. Já encurralado e prestes a ser golpeado, Keledrel suspirou percebendo que o tardo recolhera a corrente. Supôs que o tardo pediria novamente para se render e aproveitou para avançar com tudo. Seu erro foi supor. O tardo chutou o chão com violência, projetando terra e pedregulhos contra o guardião. Foi impossível desviar-se das pedras que voaram o atingindo em vários pontos. Teve a espada retirada de sua mão e o corpo enrolado pela grossa e pesada corrente do tardo. Keledrel gemeu ao ser apertado pela corrente e erguido do solo.

Adiante, Ardívilla batia palmas - Foi um espetáculo e tanto Keledrel. Uma luta formidável!

O silfo sentia muita dor e tinha dificuldade para falar. Disse entre dentes - Sua traidora! Na primeira oportunidade, acabo com você!

A silfa, com vestimentas rubras e de longos cabelos loiros, disse - É hora de conhecer nossos mestres, Keledrel. Logo, terá apenas o suicídio como escapatória. Isto é, se for forte o bastante para tal. O converteremos. Será mais um traidor! - ela jogou os cabelos de lado e deixou escapar uma gargalhada suave.

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