CAPÍTULO 21
Qualquer ruído feito dentro do grande templo parecia cinco vezes mais alto. Passos ficavam marcados, falas causavam eco e a brisa soprando lembrava uma ventania. Era noite e um acampamento, com direito a fogueira, foi preparado na parte central da nave. O fogo crepitava diretamente sob a alta e grande cúpula, ainda intacta, que recebia pouca iluminação, quase se misturando ao negrume dos cantos e sombras projetadas a partir da fogueira central.
Örion, Irscha e Con, curiosos, desejavam explorar o templo. Enquanto isso, os demais repousavam, ou mesmo montavam vigília na entrada do templo.
Con portava uma tocha cujo óleo queimava intensamente. Em alguns pontos, era possível visualizar painéis com figuras em alto e baixo-relevo. Alguns pigmentos ainda restavam, mas foram empalidecidos pelo tempo. Algumas pilastras tinham escritos antigos lapidados em baixo-relevo.
- Sabe ler isto? - indagou Con.
- Nunca havia visto tais símbolos - disse Örion.
- Tão pouco eu - completou Irscha.
- Nunca pensei que um lugar tão antigo pudesse manter-se erguido.
Irscha estava excitada com tudo que via a seu redor - Não sentem uma forte emoção? De estarmos em contato com a história deste povo antigo?
- Vejam isso! - Con iluminou o paredão alto, mais conservado que os demais.
Irscha e Örion perceberam de imediato, pelo sutil reluzir de alguns pontos, que o grande painel estava imbuído de energias místicas. Milhares de homens estavam representados em pequena escala atirando flechas e operando máquinas de guerra contra um ser gigantesco, com um par de chifres curvados. Em seu rosto, uma expressão de puro ódio. Nos céus, pequenos cavalos alados montados por cavaleiros empunhando espadas e lanças, também cercavam a gigantesca besta.
- Mas que exagero! - comentou Con.
- Será mesmo? Ou teria existido tal criatura? - especulou Örion.
- Se existiu - Irscha disse - Devia ser um demônio vindo dos abismos.
Con estava incrédulo - Do abismo ou não, não acredito que nem mesmo cem mil homens fossem capaz de deter tal criatura. O que podem as formigas contra um homem?
- De certo é uma representação exagerada, Con. - Örion concluiu descontraído - Vamos adiante, ver se encontramos algo mais de interessante.
Irscha segurou a mão do amante e revelou-lhe ao pé do ouvido - Esse demônio me dá arrepios. É como uma besta destruidora de mundos.
Örion deu com os ombros e puxou Irscha pela mão, seguindo o avanço de Con. O guarda seguiu pela lateral do templo, ora parando para analisar painéis, ora fazendo algum comentário com os companheiros. Mais adiante, um grande altar captou a atenção dos três. Subiram um pequeno conjunto de degraus para alcançá-lo. O que logo chamou atenção foram as enormes rachaduras no bloco de pedra do altar. Ao iluminá-las de perto com a tocha, Con percebeu que a chama era sugada por uma corrente de ar.
- Segure a tocha Örion - pediu excitado e tentou forçar as rachaduras para abrir uma passagem. Depois de algum suor e pequenas lascas retiradas, Con desistiu.
- É pesada demais. Não consigo mover.
- Talvez possamos conversar com as rochas. - sugeriu Irscha.
- Conversar com pedras? Só pode ser brincadeira. - resmungou - Animais ainda vai lá, mas pedras...
Irscha olhou para Örion e disse - O que acha?
O rapaz concordou com gesto afirmativo - Podemos tentar.
Örion devolveu a tocha para Con e segurou as mãos de Irscha. Cerraram os olhos e colocaram-se a sussurrar frases em sílfico, incompreensíveis para Con. O processo levou algum tempo. O suficiente para o guarda humano perder a paciência. Andava de um lado a outro sem acreditar que algo de fato fosse acontecer.
Depois de longa concentração e recitação de antigos ritos, ambos aproximaram-se da rocha do altar tocando-a suavemente com a ponta dos dedos.
Örion e Irscha abriram os olhos encarando o infinito. Con gesticulou procurando chamar a atenção, mas era como se nem mesmo estivesse ali, diante deles.
Recitavam agora em voz alta, num surpreendente uníssono uma estranha frase de forma repetitiva. Con arregalou os olhos ao ver e escutar a pedra mover-se lentamente gemendo em atrito contra o chão. Após mover-se por uns instantes, parou. Os silfos pararam de falar no mesmo instante. Tontos se apoiaram, cada qual, numa das metades afastadas do altar.
- Caramba! - exclamou Con - Nunca mais duvido! Vocês podem falar que vão conversar com uma chave, maçã, qualquer coisa. Eu acredito.
Örion disse ofegante - Con, os elementos nos ouviram. Advertiram para sermos cautelosos.
Irscha completou - Nós conseguimos ver. O templo nos revelou o túnel.
Con aproximou a tocha da abertura entre as metades do altar. De fato, havia um profundo túnel vertical que descia. A abertura era larga o suficiente para entrarem. Apesar de não enxergar o fundo, era possível ver uma escadaria na lateral rochosa do túnel. Örion tocou no primeiro degrau. - É metal. Parece firme. Con ateou fogo em um pedaço de tecido e atirou-o no interior do túnel. Acompanharam sua queda que iluminou as laterais da passagem até atingir o solo.
- Pelos espíritos da floresta! - exclamou Örion - Não imaginava que fosse tão fundo.
Em poucos instantes, o pequeno ponto de fogo se extinguiu.
- O que acha? - perguntou Örion - Vamos explorar?
- Não seria melhor avisar os outros? - sugeriu Irscha, preocupada.
- Já devem estar dormindo... - Con fez pouco-caso.
Örion estava excitado com a descoberta e movimentou-se. - Eu vou! - disse já descendo o primeiro degrau.
- Tenha cuidado, Örion! Verifique se cada degrau está realmente firme! - recomendou Irscha.
- Tudo bem. - disse tomando distância. - Venha Con - sua voz produziu eco - está ficando escuro aqui.
Irscha balançava a cabeça negativamente torcendo os lábios. Essa impulsividade deles não a agradava. Poderiam acabar encrencados.
Con iniciou sua descida, porém com maior dificuldade devido aos cuidados que tomava com a tocha que carregava. Irscha ficou para trás e cada vez mais no escuro. Acompanhava os dois ficando menores à medida que desciam o túnel. A moça retirou um colar com um grande pingente de cristal que escondia sobre as roupas. Com um sopro e gesto gentil alimentou-o com energia mágica, fazendo-o brilhar intensamente numa tonalidade azulada. Hesitava, mas enfim, suspirou irritada com a imprudência dos dois e decidiu segui-los.
- Esperem! Eu também vou!
Após uma longa e cansativa descida, perceberam que não mais estavam numa construção, mas sim numa espécie de caverna. A temperatura estava mais baixa e ali, podiam ver o bafo de suas respirações.
Irscha encolheu-se e reclamou - Que frio!
Con concordou com um som gutural, sem olhar para ela. Procurava por algo que lhe chamasse a atenção. Novamente, orientou-se pelo movimento provocado pela brisa nas chamas da tocha. Era uma espécie de corredor. Irscha agarrou-se em Örion amedrontada.
Adiante, confrontaram-se com um lago que lhes barrava o caminho. Um exame mais cuidadoso, mostrou que não era um lago natural, os contornos retangulares das paredes laterais sugeriam uma piscina. Uma piscina enorme.
- Olhem - avisou Irscha - pilares!
- Não são pilares - corrigiu Con - são correntes.
- Tão grossas? - Irscha não podia acreditar.
- Ele tem razão - confirmou Örion - pelo brilho, não parecem de pedra, mas sim, de metal.
As duas correntes gigantescas caiam verticalmente do alto da câmara, penetrando na superfície da água que se movimentava brandamente, influenciada pela brisa que ali passava.
Irscha arregalou os olhos ao ver Con tirando peças de suas vestimentas.
- O que pensa que está fazendo?
- Vou mergulhar. Não vim até aqui para sair sem respostas.
- Pense! Nada enxergará. - Irscha reagia inconformada com a estupidez e teimosia do humano.
- Não se me emprestar seu colar - apontou Con.
Örion deu com os ombros - ele tem razão.
Irscha tentou não demonstrar sua frustração e entregou o colar para Con.
Apenas vestindo roupas de baixo, o guarda testou a temperatura da água.
- Credo! Está gelada! - Mas estava determinado. Vestiu o colar e mergulhou.
Örion e Irscha puderam ver os contornos de Con nadando para o fundo com nitidez. A água era transparente. Conforme a luz que carregava afundava, puderam ver que as correntes afundavam até tocar uma superfície submersa. Con perdeu o fôlego e retornou à superfície no meio da piscina.
- É uma caixa! - revelou.
- Caixa?
- Sei lá! Um tipo de caixa... Vou voltar lá. - acumulou fôlego e desceu.
Desta vez, chegou próximo o bastante para que os silfos pudessem ver os contornos da caixa retangular surgindo. Con, bem de perto, lutava contra seus olhos ardendo fixando seu olhar na superfície metálica da caixa. Estava repleta de inscrições, símbolos e gravuras em alto-relevo. Fascinado, tocou sua superfície. Logo, Örion e Irscha viram subir uma grande quantidade de bolhas à superfície. Ao tocar o metal, Con sentiu um profundo e terrível calafrio congelar todo seu corpo. Sua mão ficou colada à superfície do metal e não pode evitar soltar todo o ar do peito. Seu corpo esfriou rapidamente e tudo ficou claro. Uma luz forte preencheu sua visão por completo. Nada mais importava, respirar, viver ou morrer. O transe foi rompido ao sentir em torno de seu tórax um toque quente. Örion segurava-o erguendo-o para a superfície. Con sentia um calor distante, mas não era capaz de mover um músculo sequer.
Irscha ajudou Örion a retirar Con da água. Seu corpo estava gelado, os lábios azulados, o olhar vidrado e com o peito imóvel. Não respirava. Irscha tinha consigo fortes sais para despertar, cuja dose usual era de uma ou duas gostas, mas naquela situação, seu instinto de curandeira lhe disse para entornar todo o frasco na boca do rapaz. No instante seguinte, Con puxou ar fazendo um forte ruído e engasgou. Tossia e tremia, mas estava respirando novamente.
Örion voltou sua atenção para a piscina e no fundo pode ver os contornos do imenso esquife se iluminarem. Con despertara algo com seu toque. Uma grande bola de luz subia à superfície. Irscha, com medo, abaixou-se segurando as mãos de Con. Mas Örion não pode resistir e encarou a luz. Seus olhos se encheram e em seguida sua mente inteira estava preenchida por aquela imensa e fria luz. A mente de Örion se dissolveu, dando lugar ao vazio. O infinito vazio iluminado.
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