CAPÍTULO 16

Semanas após a tomada de Nir-vich, a guerra tomava outros rumos. As tropas aldancarianas até então, não confrontadas, marcharam contra a fortaleza tomada, que, por ser indefensável, foi abandonada. Vários acampamentos se formaram ao redor da antiga estrada, nos pequenos vales entre as montanhas, que separam os reinos. Nesta região alguns confrontos foram travados e as forças dos dois reinos se equiparavam. Uma força aldancariana não identificada, conseguiu mover-se contornando as cordilheiras pelo norte para atingir a vila de Adasepti, nas proximidades de Koli. Foi o primeiro golpe duro sentido pelo reino de Saubics. Muitos civis pereceram e muitos mais foram feitos prisioneiros, entre eles, um nobre, primo do rei Kalden.

Nestes dias, Rílkare, Örion e os demais estavam de volta à capital tendo sido chamados do campo de batalha para encontrar-se com o príncipe Kel. Nas duas batalhas em que tiveram participação, conseguiram sobreviver sem sofrer graves ferimentos. Eskallurè fora o mais atingido, tendo sido alvo de uma seta e dois cortes provocados pelas lâminas inimigas.

Rílkare e os demais foram conduzidos através de diversos corredores e escadarias do castelo até o local no qual o príncipe Kel fazia suas leituras. Örion estava impressionado com pinturas, tapeçarias, esculturas e outros tantos objetos dispostos nos corredores e salões do castelo. Um painel, em especial, chamou sua atenção. Era enorme, estava numa parede do vão das escadarias que subiam até o quarto pavimento do castelo. Ao seu redor, janelas com vitrais traziam iluminação multicolorida ao ambiente. O painel retratava uma cena de uma batalha feroz, com centenas de figuras representadas: humanas e inumanas. Entre as bandeiras representadas, havia o brasão da família real de Saubics: o pássaro vermelho empunhando duas espadas apontadas em diagonal para o alto, uma negra e uma branca.

A sala de estudos de Kel era ampla e iluminada. Havia grandes janelas que davam acesso a um balcão externo. Dali, via-se construções da cidade e a famosa ponte sobre o rio Viran.

Kel estava sentado a uma mesa de madeira escura entalhada com formas e figuras. Con ficou interessado, pois nutria gosto por esculpir madeiras. Sobre a mesa, alguns pergaminhos, pesos de papel e tomos sinalizados por dezenas de marcadores de página. Atrás de si, estantes repletas de livros e pergaminhos.

Rílkare curvou-se e os demais seguiram sua postura. - Alteza - cumprimentou o jovem nobre.

- Rílkare Krenov. Que bom que puderam vir - Respondeu o príncipe olhando rapidamente para os demais.

- Como passa Vossa Majestade, o Rei.

- Nada bem. Penso se poderá viver para ver nossa vitória nesta guerra. Mas ao menos, já foi uma alegria para ele ter as notícias da atuação heroica de meu irmão na tomada do Forte Nir-vich.

- Foi algo muito inspirador, porém também uma grande surpresa para todos.

- Peço a vocês que não comentem por aí, mas parte da estratégia foi de minha formulação.

Todos murmuraram alguma coisa simultaneamente. Uma nova surpresa, de fato.

- Aquela espada Alteza? De onde veio? Qual sua história? Poderia nos contar? - Pediu Rílkare.

- Sim, será instrutivo, e além do mais, poderá ser um conhecimento útil para o futuro. Aquela espada, é antiga, e já foi chamada de muitos nomes. Acredita-se que foi forjada na época da grande guerra, junto com outras espadas de grande poder. Cada qual, encerrava em si o poder de manipular diferentes elementos. Espadas flamantes, conjuradoras de tempestades, de poderes invernais e assim por diante. A que está com o Príncipe General manipula o elemento terra: o solo e as rochas. Está em posse da nobreza, meus ancestrais, desde antes da unificação contra as hordas inumanas. Os antigos, utilizaram seu poder, mas não sem seu preço. Aprenderam a duras penas que tais artefatos não devem ser utilizados e portados corriqueiramente. É um tesouro que é guardado com muito cuidado pela realeza, sendo retirada apenas de tempos em tempos, para que o conhecimento sobre seu uso seja passado entre as gerações. Há poucos anos meu pai escolheu Tarin para ser o guardião de seus poderes e seus segredos.

- Entendo que foram meus ancestrais os forjadores destas lâminas. - informou Örion.

- Sobre isso, os registros não são precisos. Pelos meus estudos houve sim a participação dos antigos silfos, porém, em parceria com os anões e humanos.

Örion deu com os ombros.

- Mas enfim, havia um nome antigo, mas atualmente a chamamos de Racha-Montes.

Eskallurè deu uma risada - Racha-Montes. Engraçado!

O príncipe estranhou - Qual é a graça?

- A coincidência. O nome de nosso grupamento, Alteza. É O Racha! E ganhou esse nome no dia da batalha. Mesmo antes de a tal espada aparecer.

- Coincidência? Talvez não. Tais artefatos possuem estranhos poderes ocultos. Eu diria que pode haver uma relação.

- Bom saber disso tudo, Alteza. - Revelou Rílkare preocupado - Penso que poderá nos dar uma vantagem nesta guerra, ainda assim...

- Está preocupado com o andamento dos confrontos, não é mesmo, Krenov?

- Um pouco. Adasepti caiu, como sabe Vossa Alteza.

- Sim, e logo teremos mais preocupações.

- É verdade, meu príncipe?

- Alianças. Os aldancarianos estão prestes a forjar aliança com Tradarnak. Isso poderia nos colocar em desvantagem. Porém, nossos estrategistas já estão mais adiantados. Amanhã mesmo haverá notícias por todo o reino.

- Nevreth, Alteza? - arriscou Con.

- Sim... - respondeu como quem desejava saber seu nome.

- Condarillo.

- Condarillo deCrown - corrigiu Eskallurè.

O príncipe ergueu as sobrancelhas em reconhecimento. Observou a mão de Con e disse - Vejo pelo seu anel que é parente do cavaleiro deCrown.

- Sim, era meu avô.

Kel sorriu, levantou-se aproximou-se de Con. - Deixe-me ver o anel.

Con mostrou o anel. Estava indeciso quanto a sentir orgulho ou medo.

- É o mesmo! Seu avô foi um grande cavaleiro, também foi um bom instrutor. Foi com ele que aprendi a manejar a espada, sabia?

Con acenou negativamente. A manobra de Eskallurè para difamar Con, revelando-lhe o nome da família havia falhado. Ao que parece o Avô de Con tinha mais valor para o príncipe que o pai. Justamente o pai de Con que trouxera desgraça e má fama ao nome da família.

- Não sei o que dizer, Alteza.

- Não é preciso que diga nada. Cada homem é responsável por traçar seu destino e valor. E nunca ficar preocupado com tomar para si o destino e valores de seus ancestrais. A propósito, chegou aos ouvidos de meu pai que o senhor vingou o assassino de meu irmão. Cavaleiros comentaram que seu arremesso foi de uma precisão incrível.

- Se dizem...

- O caso é que ele pediu para que lhe desse um sinal de sua gratidão. - Havia uma caixa sobre a mesa, da qual o príncipe retirou um objeto envolto num tecido. - Aqui está, senhor deCrown, com os cumprimentos do rei de Saubics.

Con ficou emocionado e recebeu o presente sem examiná-lo. Ajoelhou-se e disse - Não é possível expressar minha gratidão, mas mesmo assim: muito obrigado!

Só então Con pode examinar o que recebera. Uma adaga muito bonita, cujo desenho do cabo e da lâmina eram obras de um verdadeiro mestre. Havia detalhes em dourado e presumiu corretamente tratar-se de ouro. Enquanto Con namorava sua nova arma, o príncipe Kel voltou-se para Rílkare.

 - Como dizia, Krenov, já está selada nossa aliança com o reino de Nevreth. Tropas já estão a caminho, o primeiro objetivo conjunto será retomar Adasepti.

Örion, novamente, sentia-se desconfortável durante as conversas com o príncipe. Precisava abreviar o encontro, mas não sabia exatamente como. - Perdoe-me a intromissão, Alteza - disse Örion respeitoso - mas não foi para discutir os andamentos da guerra que nos chamou, estou certo?

O príncipe ergue ambas sobrancelhas e encarou o silfo com um olhar congelante. - Está certo sim, Örion Erendon, e imagino que intromissões para ir direto ao assunto assim seja algo aceitável entre seu povo.

Rílkare sentiu sua face corar e o sangue esquentar por causa da fala de Örion.

- Desculpe-me novamente, mas estou apenas preocupado com seu tempo e seus estudos. Para que nossa perturbação dure pouco...

- Entendo, senhor Örion, mas o senhor falha em assumir que a companhia de vocês me seja uma perturbação. Mas enfim, ao ponto, não é mesmo?

Rílkare olhava para baixo, enquanto Eskallurè se divertia com a forma que o príncipe deixava o jovem silfo desconcertado.

Após uma pausa, Kel disse - Chamei-os aqui, por conta da questão não resolvida dos desaparecimentos.

Os olhos de Poul brilharam e deixou escapar - Ótimo.

- Entendo seu interesse. Poul, da vila de Pinnus?

Poul acenou, surpreso por ser reconhecido pela realeza.

- Pois bem, meu bom homem, fui informado de que sua própria esposa encontra-se entre as desaparecidas. E como a guerra já está bem encaminhada é hora de retomar a atenção para esta questão.

- Obrigado, Alteza! Obrigado mesmo! - Agradecia o lenhador com sinceridade.

Kel ergueu a mão - Não é necessário, bom homem. É apenas meu dever como soberano cuidar das aflições do povo.

Poul emocionado, deixou uma lágrima escapar, enxugando-a prontamente.

- Pois bem, meu caro Rílkare, continuemos de nossa última conversa. Quero que você e seus companheiros continuem a investigação, conforme a vontade do Barão Krenov, porém, agora, contando com meu apoio pessoal.

- Será uma honra senhor!

- Ótimo! Quero que cruzem o rio, rumo a Pinnus e viagem além dos bosques verdejantes.

- Além dos bosques? - retrucou Con temeroso.

- Sim rapaz, além dos bosques. Desejo que investiguem a Floresta Proibida.

- Flo-floresta proibida? - Resmungou Poul.

- Sim, minhas investigações me levam a crer que os responsáveis pelos desaparecimentos estão se aproveitando das crendices e tradições locais e se escondendo lá.

Rílkare concordou com vibração. - Confrontaremos qualquer perigo Alteza, em seu nome e para o bem do povo de Saubics!

Örion balançou a cabeça negativamente. Sentiu pela primeira vez verdade nas palavras do príncipe. De fato, toda a lógica indicava para algo assim. Para um grupo de criminosos ou raptores, o local perfeito para um esconderijo era a Floresta Proibida. Só restava uma questão: seriam os motivos para que ninguém penetrasse nesta região, por centenas de anos, fossem verdadeiramente justificados por algum grande perigo?

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