CAPÍTULO 15

O alvorecer rubro anunciava um dia sangrento para a história dos reinos de Saubics e Aldancara. O céu estava limpo e já não chovia forte há dois dias. A movimentação de tantas tropas e notícias da morte do príncipe havia chegado até o reino vizinho. Ambos estavam a se preparar para a guerra e o ataque ao forte não seria uma surpresa.

Nas proximidades do forte, chamado pelos aldancarianos de Nir-vich, havia pequenas fazendas que estavam abandonadas. Os rebanhos foram retirados e nada de maior interesse estava disponível para pilhagem. O Forte Nir-vich já podia ser visto no alto da mais alta colina, com suas grossas paredes de rocha cinzenta suportando as cinco torres baixas. Ao longe, era possível escutar os sinais de alerta do inimigo enquanto o horizonte era preenchido pela força de cerca de dois mil homens.

Um estandarte foi erguido indicando parada total da marcha das tropas. Era hora de um descanso e discussão dos detalhes do ataque que ocorreria a seguir. Os comandantes dos grupamentos foram convocados para discussão com o Príncipe General e a cúpula dos cavaleiros. Rílkare foi participar e deixou os companheiros no seu grupamento.

Örion observava à distância o encontro dos comandantes. De longe, podia distinguir bem a figura do príncipe Tarin vestindo uma armadura que lhe chamava a atenção. Brilhava mais que outras e não parecia ter sido montada ou mesmo concebida no reino de Saubics. Detalhes dourados e prateados entrelaçavam-se formando padrões geométricos curvilíneos de grande beleza. De cima dos ombros se projetavam proteções que rodeavam toda a cabeça na proximidade do pescoço deixando-o escondido, sendo apenas possível visualizar parte da boca e o nariz. O príncipe tinha fisionomia diferente de seus irmãos, cabelos castanhos curtos, olhos castanhos escuros e sobrancelhas grossas.

Ele explicava algo aos demais participantes da pequena conferência, mas não tomavam suas palavras muito a sério. Em seguida, demonstrou irritação e reafirmou o que dizia, apontando com um graveto para a lona estendida no chão. Os cavaleiros e demais participantes abaixaram as cabeças e acenaram positivamente. Örion pode perceber quando um dos nobres pediu algo ao Príncipe General apontando para a região da cintura. O silfo sentiu os cabelos do braço arrepiarem enquanto pode ver, por um breve momento, a lâmina que o Príncipe retirou da capa. Aos seus olhos a lâmina tinha um brilho especial que vira poucas vezes na vida. Tratava-se de um instrumento embevecido em intensa e pura energia mágica. Porém, aos olhos de não iniciados, não passava de um belo trabalho de forjaria em metal.

Percebeu que alguns dos comandantes saíram da conferência com olhares preocupados, outros, um pouco irritados. Logo Rílkare voltou, mas não tiveram tempo para discutir detalhes.

- O que houve? - quis saber o jovem silfo.

- Recebemos as instruções do Príncipe General.

- É impressão minha ou...

- Desculpe, Örion, mas não há tempo - Rílkare voltou-se para seu agrupamento de cerca de cem homens e bradou - Atenção homens! Preparem-se para marchar, pois temos um forte a conquistar.

A reação geral não foi de muita empolgação. A motivação de cada um daqueles homens era diversa. Uns vieram por dinheiro, outros por promessas, curiosidade, etc.

Eskallurè gritou do meio dos homens - Vamos lá gente! Vamos rachar cabeça de aldancarianos!

Alguns homens riram. Outros concordaram. Muitos, assim como Rílkare estavam suados e sentindo um nervosismo cada vez mais forte.

Eskallurè batia as palmas das mãos e incitava os outros repetindo: - Rachar! Rachar! Rachar!

Poul entrou no clima erguendo ao alto seu machado de combate. - Rachar! Rachar! Rachar!

O grupamento de Rílkare viria a ser conhecido como: O Racha.

Örion respirava fundo tentando dominar sua ansiedade. A noção de que poderia morrer aumentava. Tivera uma série de pesadelos nos últimos dias no qual participava de grandes batalhas. Batalhas contra criaturas inumanas, ferozes e cruéis. Podia ver flashes destas imagens em sua mente ao fechar os olhos. E foi assim, como num piscar de olhos, que se viu no meio de uma batalha de verdade. Acompanhava o grupamento em sua retaguarda subindo a colina em passos rápidos. Havia muita gritaria e confusão. Decidira, na última hora, mandar Zitrehidel ficar fora da batalha. Instruiu a montaria para aguardar em alerta num poço próximo da colina.

- Flechas! Defendam-se! Flechas!

Ergueu o escudo acima da cabeça assim como os demais. Logo, viu tombar ao seu lado e adiante soldados atingidos pelas setas que caiam em quantidade. Desviou-se de um do corpo de um soldado bastante azarado atingido por uma seta de forma letal.

Enfim, enfrentava um dos primeiros horrores daquela guerra para a qual ainda buscava um sentido. Assim como seu grupamento, os demais subiam a colina afastados uns dos outros atraindo as saraivadas de flechas que partiam das ameias e das torres. As baixas começavam a se somar e até o presente momento, nenhum inimigo parecia ter sido ferido. Örion tentava entender a lógica do ataque, sem sucesso. Em livros que pode ler a respeito do assunto eram mencionados mecanismos de guerra como aríetes, escadas e catapultas. Nada disso estava presente nesta batalha. Concluiu  que estavam todos sendo impelidos a serem mortos.

Enfim, seu agrupamento atingiu o objetivo desejado. Deitaram-se contra a grama, a meia altura da colina, no local onde havia um desnível que os protegia dos ataques do inimigo.

Foram instruídos a ficar ali todos que estivessem a pé até que o sinal fosse dado. A parte do grupamento que estava montado, que incluía Rílkare, Con, Eskallurè e Poul, seguiu colina acima aproximando-se de outros grupos de cavalaria em escolta ao Príncipe General. Este grupo maior seguia em direção ao portão do forte. Sobre eles novas saraivadas de flechas eram disparadas.

Vendo seus companheiros se afastando e sob risco Örion sentiu arrependimento de ter deixado sua montaria para trás. Estava ofegante e sentindo um forte calor em todo seu corpo. Tomado pela curiosidade ou algum outro impulso irracional abandonou a cobertura avançando em direção à trilha que cortava a colina até o portão da fortaleza. Cada vez mais próxima, a construção parecia crescer e tornar-se mais imponente e impenetrável.

Örion pensava: "E agora? O que vai acontecer? Será que simplesmente irão todos morrer? Todos massacrados pelas flechas do inimigo? "

Do meio da cavalaria pode ser visto o Príncipe General destacar-se e avançar em direção ao grande portão de madeira e ferro. Inúmeras flechas foram disparadas contra o Príncipe e sua montaria. Não demorou muito para ocorrer o inevitável. Foram atingidos tombando ambos ao solo.

Örion mal podia acreditar que estava diante de tanta estupidez. Sim, ouvira dizer que os humanos eram irracionais, que as guerras eram irracionais. Mas o que estava a testemunhar senão um suicídio coletivo? Toda a discussão que mantinha com Con passou por sua mente. "E agora? Se o príncipe Tarin sucumbir? O trono será mesmo de Kel? Não pode ser? Seria magia? Estaria ele enfeitiçado e cometendo suicídio? Sim, só pode ser isto!"

Para sua surpresa o príncipe ergueu-se. Sua montaria também, porém pôs-se a fugir relinchando com duas setas encravadas no corpo. Mais setas eram direcionadas ao Príncipe General, mas falhavam todas em penetrar sua armadura que o deixava invulnerável. Novamente, Örion pode ver a espada sendo desembainhada. Desta vez o Príncipe General ergueu-a segurando-a com ambas as mãos. Em seguida, mudou a empunhadura para desferir um golpe contra o solo. Desceu com todo o corpo cravando a lâmina à sua frente. Por um instante, todos os sons da batalha cessaram. Um instante de quietude no qual, aliados e inimigos concentraram seus olhares no Príncepe General. Rompeu o silêncio o som de rocha estalando. Örion lutou para manter o equilíbrio quando sentiu o solo tremer abaixo de seus pés. Um pequeno tremor comparado ao que atingiu a fortaleza nas proximidades do portão. Do alto da muralha, pequenas rochas começaram a se soltar e acompanhadas destas, cascatas de pó desciam sendo jogadas para fora das frestas entre as grandes pedras que a compunham. Toda muralha estralava e estremecia.

O tremor se intensificou e os aldancarianos que se encontravam nas ameias começaram a gritar e fugir em desespero. Um deles, tomado pela surpresa e pelos fortes tremores tombou gritando enquanto caia. O olhar fascinado dos saubiquenses acompanharam a queda do inimigo. Pouco depois, grandes pedras soltaram-se da estrutura do muro e seguiu-se o efeito de uma avalanche que trouxe ao chão boa parte da parede que sustentava o portão. Um forte estrondo soou neste momento e uma grande nuvem de poeira subiu escondendo a parte frontal da fortaleza.

Os estandartes se levantaram e se agitaram sinalizado para o avanço das tropas que circundavam o forte formando uma meia-lua.

Örion escutou atrás de si seu grupamento erguer-se e gritar - Rachaaar! Rachaaaar!

Correram provocando estremecimento ao seu redor. Chegaram na entrada, coberta por escombros, e notaram que os grupos montados já tinham penetrado a fortaleza. No interior, a batalha havia começado. Formou-se um grande aglomerado de mais de mil homens esperando ocasião de penetrar na brecha aberta. Apenas cinco homens lado a lado podiam passar. No alto, os arqueiros se reuniam nas duas torres mais próximas disparando flechas, porém em quantidade insignificante. Todo o balcão que suportava dezenas de arqueiros ao longo das ameias do forte havia ruído. Os arqueiros das duas muralhas adjacentes não conseguiam bons ângulos para alvejar o aglomerado.

No interior, à medida que mais em mais homens penetravam a fortaleza, a batalha converteu-se num massacre, uma vez não era esperado pelos aldancarianos que os saubiquenses pudessem penetrar a fortaleza sem o uso de máquinas de guerra. Antes do meio-dia, a fortaleza de Nir-vich estava tomada.

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