CAPÍTULO 14

Örion tinha diante de si um novo universo cheio de complexidades para lidar. Podia pensar o dia inteiro e ainda ter mais e mais assuntos para destrinchar. A dimensão humana lhe fascinava muito, apesar de não entender ainda o porquê. Mal podia imaginar-se no meio de tanta encrenca. Voltar às regiões altas de Koli já lhe trazia lembranças desagradáveis da terrível batalha ocorrida há poucos dias. Imagens sangrentas perseguiam sua mente. Não encontrava mais paz.

Apesar da discussão que teve com Rílkare, na capital, decidiu acompanhar seu amigo. O nobre queria que Örion retornasse ao seu lar, mas não foi possível dissuadi-lo. No fundo, Rílkare tinha razão, uma guerra não era lugar para ele.

Agora, cavalgavam lado a lado, em meio às tropas, em direção à velha estrada. Montavam seus cavalos, como o de costume, mas estes receberam mantas e selas que os identificariam como aliados na guerra. Fora bastante difícil convencer Zitrehidel a usar sela, mas no fim acabou aceitando. A vestimenta de Rílkare era vistosa, uma manta vermelha com o brasão da família Krenov, em amarelo. A adaga cercada de dez estrelas repousava sobre a armadura de placas do nobre. Sobre a cabeça, um elmo trabalhado por um artista de talento, exibia duas asas prateadas ornamentadas, na região temporal. Örion usava uma manta semelhante e fora lhe explicado que usar uma destas era como ser reconhecido como tendo acedência nobre. Também foi um pouco difícil encontrar um elmo que não o incomodasse muito. Acabou optando por um elmo simples e aberto, com cota de malha protegendo a nuca. A adaptação ao peitoral metálico é que era mais difícil, pois Örion nunca havia usado uma armadura em sua vida. No fim, ficou apenas com o peitoral e proteção para as costas, deixando as pernas e braços cobertos com vestimenta de couro reforçado. Sentia-se preso e pesado em tantas roupas.

Örion observava a reação das pessoas simples que viviam na região à passagem das tropas. Alguns estavam excitados e acenavam dizendo palavras de incentivo, enquanto outros pareciam assustados e preocupados. Tendo os sentidos abertos para sensações que os humanos costumam ignorar, Örion sofria ao perceber uma quantidade tão grande de emoções fortes. Para aliviar seu sofrimento lembrava-se de seu lar e de seus parentes, em especial, de seu avô. Ao fechar os olhos era capaz de enxergar a bela floresta em que viviam.

Após acalmar-se, a mente de Örion voltou-se para questões intrigantes que insistiam em acompanhá-lo. Quem estaria por trás do desaparecimento das mulheres? Quem tinha razão afinal? Kel ou Luvik? Seriam os aldancarianos os responsáveis pelos desaparecimentos? Por que nenhum corpo fora encontrado? E se não fosse um complô? Se fosse algum tipo de predador com gosto especial por mulheres? Mas como poderia nunca ter sido visto? E quanto aos sinais de luta, ou mesmo sangue? Não podia ser, não havia pistas. Voltava a sua mente as suspeitas levantadas por Con na noite em que se conheceram. E se Kel estivesse tentando ascender ao poder? Ele seria realmente capaz de armar contra seu próprio irmão?

- Rilks, você acha que a morte do príncipe Luvik possa ter sido planejada?

- Planejada? Ao que parece não.

- Mas essa morte certamente favorece o príncipe Tarin quanto à sucessão ao trono.

- Örion! Cuidado com o que diz.

- Estou tendo cuidado, não conversaria sobre isso senão com amigos verdadeiros.

- Tudo bem.

- Mas então? O que acha?

- Definitivamente não. Tarin é um sujeito despojado e despreocupado com questões de política. Só tem cabeça para mulheres e caçadas.

- Entendo. Já ouvi dizer algo assim, mas o príncipe Kel é diferente, não é mesmo?

- O que está sugerindo? - franziu o cenho de súbito. - De jeito nenhum! Eu conheço o príncipe e seu que ele nunca faria algo assim. Ele é bom e sensato.

- Mas...

- Chega Örion! - disse o nobre irritado. - Não quero falar mais nesse assunto. Levantar suspeitas sobre as pessoas desta forma não é atitude honrada. Não lhe ensinaram isso?

- Desculpe, você tem razão Rilks. - Örion reconheceu que Rílkare estava certo, porém com certo pesar. Ele sentia que Kel, apesar de parecer ser bom e sensato, em seu íntimo podia ser diferente. E isso não lhe saia da cabeça.

Con, cabisbaixo e com a face coberta por cota de malha, cavalgava já há algum tempo ao lado de Örion. Esforçava-se para escutar a conversação de Örion e Rílkare, tendo sucesso em captar a maior parte.

- Escute Örion, sou de semelhante opinião. - Disse baixo de forma que Rílkare não pudesse escutá-lo.

Örion surpreendeu-se, imaginando que se ele escutou, talvez outros também pudessem ter escutado. - Hã? Con? - De fato, as vestimentas de Con não chamavam tanta atenção quanto as de Örion e Rílkare Krenov.

- Algo fede além da bosta de cavalo. Escute o que digo.

Örion aproximou sua montaria da de Con. - O que sabe? Algo de novo?

- Muito se fala nas tavernas. E muito se fala em todo canto. Para quem tem bons ouvidos, é claro.

- Entendo.

- Há um velho ditado que diz: tempo de guerra é tempo de confusão.

- Não entendi.

- Agora que estamos em guerra, pouco vai importar quem fez ou deixou de fazer algo errado. Investigações não serão prioridade, entende? E francamente... Tarin como Príncipe General? Isso até parece uma piada. O que ele entende de guerras?

- Entendo. Você acha que nesta situação ele poderá correr riscos e até perecer?

- Claro que sim! E neste caso, quem sai ganhando? Não diga!

- Rilks não quer nem ouvir falar nisso.

- Eu sei. É a coisa correta a se fazer. Mas me escute: fiquemos atentos. E não nos esqueçamos de Poul e tantos outros que perderam esposas, irmãs e filhas.

- Verdade. Parece que agora é hora de perder os esposos, irmãos e filhos.

- Meu avô dizia que ninguém ganha com a guerra. Parece que neste caso pode haver uma exceção.

- Estou muito preocupado. Realmente venho sentido coisas estranhas. Por mais de uma vez tive estranhas sensações quando estive próximo do príncipe. Meu avô me advertiu que eu sentiria quando confrontasse o verdadeiro mal.

- Você sentiu coisa semelhante na batalha? Quando confrontamos o Caveiroso?

- Caveiroso?

- Sim, o cavaleiro com a máscara de crilha.

- Sim, só que mais forte.

- Será que o Caveiroso trabalhava para Ele?

- Queiram os espíritos que não. Só de pensar numa traição assim fico enjoado. Irmão contra irmão. Será que vão tão longe assim as ambições dos homens?

- Infelizmente, algumas vezes sim. Nesta história toda, só tem um questão que não encaixa.

- O que?

- Os desaparecimentos. Eles não tem lógica.

E nisso, eu acredito no príncipe. Não acho que são os aldancarianos. Não vejo como poderiam lucrar com tal situação.

- Penso que é preciso trabalhar com outras lógicas, por vezes.

- Como, por exemplo?

- A da magia.

- Magia?

- Sim. No passado, alguns cultos e até mesmo povos sacrificavam pessoas, e em alguns casos, somente mulheres, a fim de obter favores místicos de entidades malévolas.

- Contos de fada!

- Olha bem para meu rosto. - Não era fácil confundir um rosto de silfo com um de um homem.

- Tudo bem... Mas entidades malévolas? Não foram expulsas há milênios ou algo assim?

- É o que sabemos.

- Outra coisa Örion. Não vai dar uma de herói e se arriscar nesta batalha, certo? Temos que ajudar o Poul e os outros... Parece que além de nós, pouca gente está ligando para este assunto.

- Tudo bem, mas como fazer isso?

- Fique por perto de mim e ouça o que eu disser.

- E quanto ao Rilks?

- Ele sabe se virar. Recebeu treinamento e se for esperto, vai usar sua posição de comando para evitar riscos desnecessários. Nós devemos fazer o mesmo.

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