CAPÍTULO 119
Após a destruição do corpo amaldiçoado de Maurícius, o ataque iminente da praga de mortos vivos sobre o sul de Lacoresh deixou de ocorrer. O poder dos necromantes sobre Lacoresh se esvaia para dar lugar a um novo domínio a ser exercido, a partir dos bastidores, pela Irmandade do Dragão Negro.
Hana foi aconselhada a proclamar uma série de decretos que iniciaram a decomposição do império lacorês. Ordens foram enviadas para as frentes de guerra para a desmobilização das tropas e retorno das mesmas para seus reinos de origem.
Não se falava em outro assunto na capital. No dia em que Kyle e Kiorina retornaram a Lacoresh, tiveram um encontro com Nasbit e Shaik Kain na taverna de Meinard. Vekkardi também estava presente, acompanhava Kain, mas não se sentou. Ficou olhando o céu por uma janela e escutando a conversa.
Kain sentou-se por último e baixou a capa e o lenço que tampava o rosto. Ele tinha olhos azuis cristalinos como os de Radishi e na testa, resquícios das tatuagens típicas dos tisamirenses. Era um homem maduro de cerca de cinquenta anos e seus cabelos eram grisalhos, especialmente nas têmporas. O rosto ainda conservava uma lembrança de sua beleza quando jovem, mas estava manchado por uma feia cicatriz de queimadura que tomava a parte esquerda do rosto subindo até a testa.
– Você é um tisamirense? – Kiorina estava surpresa.
– Sim, podem me chamar de Shaik.
– Mas Radishi nos disse que todos os tisamirenses haviam perecido.
– De fato, sou um dos poucos remanescestes. Também sou o líder da irmandade. Anos atrás, eu e Radishi discutimos a respeito de como ajudar Lacoresh, e até o mundo, em relação ao período de sombras que se aproximava. Eu tinha um plano, mas discordávamos muito. Ele debruçou-se em livros em busca de uma solução milagrosa, já eu, passei a adotar uma abordagem realista. Concluí que é impossível para a humanidade evitar as trevas vindouras, mas isto não quer dizer que não possamos, ou melhor, devamos lutar. Meu povo já não acreditava em lutas e nos deixaram para trás. Não acho que estavam errados, mas eu, simplesmente não podia ir. Muito do que veio a acontecer está relacionado com erros do meu passado.
– Como assim? – quis saber Kiorina.
– Para começar, sou pai de Calisto. Também fui eu que levei conhecimentos de Tisamir para aquele que vocês conhecem como Arávner. Ele era um estrangeiro, o primeiro que conheci com fortes inclinações para o Jii. Ele tentou ingressar no Ermirak, mas foi recusado. Foi ele também quem me trouxe Hana, a quem muito amei. Eu concordei em treiná-lo, pois não suspeitei que ele fosse portador de uma agenda maligna. No final, fui o culpado por deixá-la escapar. Por não ir atrás dela.
– Mas Hana é filha de Maurícius. Afinal, como se conheceram?
– Ela fugiu de um casamento arranjado por seu pai e foi parar em Tisamir. Arávner usou-a para chegar em mim. E tirou de nós, nosso filho para usar em seus planos junto com o maligno Thoudervon. Tudo isso ocorreu por minha culpa, mas de algum modo, irei reparar meus erros.
– O que diremos a Hana sobre Calisto? Acho que ela irá ficar arrasada quando souber... – disse a ruiva.
– Cabe a mim falar sobre isto com ela. Infelizmente, ela está enganada a respeito do rapaz. Foi criado por um monstro e tornou-se um monstro. Não podemos confiar nele. Ele não pode ser recuperado. O projeto original dos necromantes para ele foi cumprido. Thoudervon iria entregá-lo a seu poderoso aliado, o demônio Necranxelfer. Mas agora, ao menos, estes dois não serão mais plenos aliados. Teremos a chance de confrontá-los separadamente, assim como devemos agora confrontar e derrotar Arávner.
– Como? – indagou Kyle.
– Com isto – Shaik mostrou o seu braço, cheio de cicatrizes, e nele, o bracelete do dragão negro. Ele o retirou e entregou a Kyle.
– Vocês dois – ele prosseguiu – devem ir até sua fortaleza e confrontá-lo. Ele está desesperado e usará todos seus recursos para inverter a situação. Ele sabe que Thoudervon o quer fora do caminho e que trouxe inimigos, no caso vocês, para derrotá-lo. Enquanto vocês cuidam dele, eu irei cuidar de medidas urgentes aqui em Lacoresh. Lidarei com Hana e com as ameaças iminentes de diversos conspiradores, em especial, do clero, que anseiam pelo poder.
– Mas como poderei usar isto? – Kyle indagou.
– Você é jovem e vigoroso. Além disso, desenvolveu a antiga forma de combate que se aproveita dos fluxos de Jii, o Kishar. O Dragão Negro tem muitas capacidades, mas em geral, é um potencializador do Jii. Espero que seja suficiente para apoiá-los no combate decisivo contra Arávner, mas também, os ajudará com camuflagem. Com ele é possível selar os pensamentos de uma pessoa contra a ação de mentalistas. No passado, era usado para evitar que reis e outras pessoas já poderosas fossem possuídos ou influenciados por mentalistas que faziam mau uso do Jii. Vou instruí-lo quanto ao uso da camuflagem. Vamos, coloque-o e siga-me.
– Agora?
– Sim, não temos tempo. Uma cidade cheia de gente como Lacoresh é um ótimo lugar para praticar.
– E quanto a mim? – indagou Nasbit, o que devo fazer, mestre?
– É hora de você retomar o governo de seu reino, prepare-se para isto.
Nasbit concordou. Sentia-se aliviado, pois depois de tanto tempo o usurpador, Maurícius, havia sido destruído.
– Shaik – Kiorina segurou em seu braço antes que se levantasse.
– O que?
– Noran e Radishi – Eles podiam ajudar pessoa com problemas, quero dizer, em seus pensamentos...
– Sim.
– Será que você poderia me ajudar? Desde que estive em Ilm'taak, meus pensamentos estão...
– Compreendo. Eu já havia percebido. Vamos arranjar um tempo para isto, mas primeiro, a instrução de Kyle.
– Tudo bem, obrigada.
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