CAPÍTULO 116
Hana foi conduzida por Nasbit e alguns membros da Irmandade do Dragão Negro para o palácio imperial, ainda naquela noite. Os oficiais de justiça e membros do clero foram convocados para reconhecê-la. Na manhã seguinte, era anunciada a coroação da nova imperatriz.
Tudo fluiu sem maiores problemas e o seu primeiro ato como nova governante do império foi pedir desculpas ao povo do império e declarar as ações de seu pai e seus comparsas como criminosas. Para fazer o pai pagar pelos crimes, mesmo após a morte, enviou mensagens para que todos colaborassem para combater as hordas que haviam tomado o norte. Sua segunda ação foi proclamar o Duque Dwain Kaman, como Arquiduque de Kamanesh. Elevando-o ao segundo em comando na hierarquia da nobreza. Ela adotou o velho nome da família sendo coroada como Imperatriz Hana dos Greysnow. Revelou também sua relação de maternidade com Calisto que foi coroado Príncipe Calisto Greysnow.
Gorum foi elevado a cavaleiro de primeira ordem e apontado para a guarda do príncipe. Kiorina foi reintegrada à Alta Escola e nomeada Conselheira Imperial para trabalhar diretamente sob as ordens da imperatriz. Kyle foi consagrado Primeiro Cavaleiro de Lacoresh e recebeu a incumbência de atuar como general do exército a ser reunido para confrontar as hordas. Arávner foi declarado como cúmplice dos crimes realizados por Maurícius e um prêmio foi posto sobre sua cabeça.
Entre os membros do conselho imperial, foi apontado o antigo regente do reino de Homenase, Klereon Nasbit que também teve seu título de Rei de Homenase restaurado. Homenase foi elevada à condição de Reino Amigo de Lacoresh e não mais, território anexado. Nasbit enviou mensagem a seu reino para que seu exército fosse reunido e marchasse imediatamente para Lacoresh para prestar auxílio no combate às hordas de Maurícius.
Calisto estava muito desconfiado de Nasbit e suspeitava que ele estivesse, de modo indeterminado, controlando todas as ações de sua mãe. Partiu de Lacoresh à contra gosto sem poder ignorar uma ordem direta de sua mãe e imperatriz. Tudo havia acontecido de modo tão rápido e perfeito, num certo sentido, que Calisto chegou a desconfiar se não estaria ele próprio, sob efeito de algum feitiço ou domínio mental. Todos aqueles acontecimentos lhe pareciam absurdos. Não seriam algum tipo de ilusão? Por mais que tentasse extrair informações e pensamentos de qualquer um dos membros da irmandade de Nasbit, nada conseguia.
Kyle, Gorum, Kiorina e Calisto partiram para reunir-se às tropas lacoresas que se organizavam em torno de Kamanesh. Vekkardi também viajava com eles, vestido em roupas escuras e folgadas. Uma máscara de cerâmica branca escondia seu rosto desfigurado.
Kiorina aproveitou sua reintegração à Alta Escola para subtrair da biblioteca dois volumes de astrologia que continham descrição dos ciclos lunares. O alinhamento que estava para acontecer era raro, pois englobava o sol, luas e os planetas. Havia relatos que em alinhamentos lunares, a energia da lua Tchiunni era canalizada para a terra e que durante este período a magia e os objetos de magia tinham seus efeitos alterados e potencializados.
O exército havia levantado acampamento entre Lacoresh e Kamanesh nas proximidades de Situr, uma vila que pertenceu aos antigos domínios de Calisto. Kyle circulava e dava ordens em todos os cantos até que, mais tarde, entrou em uma das tendas de oficiais na qual Kiorina estudava.
Ela vestia o traje alaranjado com cinturão dourado, típico dos magos da Alta Escola. Sobre uma pequena mesa iluminada por velas em candelabros tinha os livros abertos. Estava sentada em duas grandes almofadas empilhadas. Kyle entrou e sua armadura bem polida refletiu sutilmente as chamas. Sobre a cabeça usava um elmo com um penacho azul, sua capa combinava com a mesma tonalidade. No passado, seu pai e seus companheiros também usaram capas coloridas. A de Fortrail era escarlate, de Tarne, irmão de Gorum, era verde, a do irmão cinzenta e a do pai azul. Gorum falava sobre isto quando Kyle foi escolher seu uniforme há alguns dias. O primeiro cavaleiro tirou o elmo. Tinha o rosto limpo, pois agora se barbeava diariamente e o corte de cabelo estava ainda mais baixo.
Kiorina olhou-o e não pode evitar de achá-lo elegante, mas logo voltou seus olhos para os livros.
– Alguma coisa interessante aí?
– Sim, mas nada que valha a pena lhe explicar.
– Ah é, por que?
– Coisas de feitiçaria Kyle, não de cavalaria.
– Você devia vir comer alguma coisa. Amanhã partiremos bem cedo, antes do alvorecer.
– Estou muito ocupada. Será que não pode me deixar em paz? Preciso me concentrar.
Kiorina virou algumas páginas do livro, mas não era um volume sobre astrologia, era uma cópia do tomo dos mil demônios. Ler este assunto reforçava seus pensamentos sombrios, cada vez mais presentes. Ela fechou a expressão ficando muito séria e tensa. O conflito entre sua antiga personalidade e a mancha deixada pelo espectro de Marlituk se acirrava.
Kyle apertou os lábios – Como quiser, Kiorina – e saiu da tenda.
Ao sair, foi requisitado. Alguns de seus oficiais queriam lhe perguntar sobre suas viagens e Kyle acabou no entorno de uma fogueira comendo espetos de carne e contando histórias. Muitos deles nunca haviam saído de Lacoresh e outros nunca haviam ido além de Homenase, ou dos arquipélagos dos silfos do mar. Tchilla, Tonuak e outros lugares eram como lendas para eles.
– Muitos acham esse assunto uma completa tolice – disse um de seus homens – mas há alguns anos, começou a se falar no profeta de Shind.
– De Shind? Um silfo?
– Sim, dizem que um silfo velho que teve contato com o rebeldes previu que o velho rei cairia com o retorno do cavaleiro predestinado. Que haveria uma mudança para melhor, mas fico pensando se a imperatriz não irá cumprir um papel semelhante ao de seu pai, o velho traiçoeiro e mentiroso.
– Bem difícil ter certeza – disse Kyle – sei apenas que ela sempre odiou o pai e sempre pensou diferente dele... Talvez as coisas melhorem. Mas por hora precisamos nos concentrar. Enfrentar uma horda de mortos vivos não será nada fácil.
– Se os Naomir ainda fossem numerosos... – falou outro cavaleiro mais velho, veterano da segunda guerra contra os bestiais.
– Teremos que contar com os sacerdotes da igreja. E alguns feiticeiros da Alta Escola.
– Serão alguns destes necromantes? – indagou um cavaleiro jovem.
– Dizem que os mais importantes zarparam de Lacoresh, antes da coroação.
– Há mais magos e sacerdotes em Kamanesh – disse Kyle – mas nossa principal arma será fogo e óleo. Devemos evitar um confronto aberto e usar o terreno a nosso favor.
– Não subestimemos o Rei Morto – disse o veterano – o maldito é ardiloso. Não é um zumbi qualquer com miolo mole. Além disso, dizem que ele retém sua magia.
– Sem falar nos demônios que controla. – falou pela primeira vez um cavaleiro grisalho com o rosto marcado por cicatrizes. – Eu vi uma daquelas coisas no Baile Maldito. Simplesmente não havia cavaleiro, mago ou sacerdote forte o bastante para ferir aquela aberração.
Kyle desembainhou sua espada encantada – Talvez com esta lâmina possamos fazer a diferença. Achei-a sob a lendária cidade de Ilm'taak. Soube que foi a espada de Tarquis, da ordem dos caçadores de demônios. – a lâmina respondia à luz bruxelante da fogueira exibindo tons ora azulados, ora esverdeados. – Segundo a lenda que ouvi, ela foi forjada com a espada de metal estrelar do rei dos antigos Hölmos. Ele próprio teria enfrentado e derrotado o líder dos demônios pondo um fim a guerra milenar.
– Contos de fada... Tolices. – retrucou o cavaleiro grisalho – Quero ver manter sua confiança quando encontrar-se com aquela coisa infernal.
– Posso apenas dizer que já confrontei minha dose de demônios e vivi para contar a história.
***
Mais tarde, naquela noite, uma figura encapuzada chegou até a velha mansão que pertenceu a Calisto, não muito longe do acampamento. O local estava abandonado.
– Apareça demônio! – disse Vekkardi – sei que está aí.
Uma janela do segundo andar se abriu e dela saltou uma menina que pousou no solo de quatro, mas com graça e agilidade felina.
– Não esperava vê-lo vivo. Seu corpo foi um dos mais deliciosos que já possuí. Uma pena que não pude ficar mais. – e menina loira, de olhar e voz sinistras se levantou. Encarou-o de baixo para cima.
– Eu vim lhe oferecer uma barganha.
– Verdade?
– Precisamos de sua ajuda para derrotar o Rei Morto.
– Curioso! Seus pensamentos estão insondáveis. Vejo que recebeu a marca do dragão. Mas diga-me, Vekkardi, o que tem você a me oferecer em troca de meu auxílio?
– Algo que você muito deseja, Necranxelfer.
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