CAPÍTULO 111
Archibald estava preso dentro de seu próprio corpo e sem nenhum controle. Apenas podia observar o que ocorria ao seu redor enquanto o demônio liberado por Weiss comandava seus movimentos e até sua fala. Sua voz soava pesada e gutural.
– Mal posso esperar para estripar esses malditos elfos.
– Quer dizer, silfos – observou Clefto.
– Não necromante, elfos degenerados, mas ainda, malditos elfos.
Weiss observou – Você deveria saber sobre a maldição, Clefto.
O necromante deu com os ombros. O trio observava o contorno negro da torre contra o céu estrelado.
– Volto a expressar que sigo nesta tarefa sob protesto. Não é nada sensato para nós três enfrentarmos, talvez, meia dúzia de bruxos mestres e dezenas de outros em treinamento.
– Temos Plar-Goshu conosco, e além disso, talvez não precisemos ter um confronto sequer.
– Não se preocupe, necromante sensato, deixe-os todos para mim – retrucou o demônio.
– A sensatez tem mantido minha cabeça sobre meu pescoço. – disse o necromante incomodado pelo fato de estar lidando com um demônio novamente. Desde a ocasião em que quase perdeu a vida enfrentando o demônio Therd Fermen, tornou-se um pesquisador das criaturas visando descobrir meios de controlá-las.
O demônio no corpo de Archibald, cansado de tomar precauções, tomou a frente e foi para a entrada da torre. Era um enorme edifício que erguia-se de modo circular e espiralado. A terceira maior construção de Nish, ficando apenas atrás do palácio imperial e da grande arena.
Plar-Goshu atirou-se contra as paredes de pedra agarrando-se nas juntas largas. Era uma escalada quase impossível, mas com agilidade felina, em pouco tempo, chegou às varandas do terceiro pavimento. Retirou da mochila uma corda, amarrou em uma das colunas externas e atirou-a para baixo.
– Suba – ordenou Weiss.
– Sério?
O velho monge encarou-o. Clefto pode apenas captar o brilho sarcástico em seus olhos sob a penumbra. O necromante iniciou a subida e na metade do percurso tinha as mãos ardendo e doídas, os braços latejavam e pediam socorro.
– Vamos, seu molenga!
– Não consigo! Sou um mago, não um ladrão.
– Então voe, levite!
– Plar... – chamou Weiss.
O demônio emitiu um pequeno ronco de desprezo e içou o necromante como se erguesse uma criancinha. Pegou-o pela roupa e depositou-o no chão sem muita gentileza. Clefto girou para ficar de costas. Ofegava e estava todo suado.
– Fracote! – o demônio chutou-o nas costelas.
Weiss era velho e mancava devido à perna mutilada, mas teve durante toda a vida o exigente treinamento dos monges. Sem mesmo usar as pernas escalou pela corda numa velocidade invejável.
– Vamos Clefto – disse Weiss chiando forte – de pé!
No passado, a torre tivera defesas mais robustas, mas com milhares de anos de relativa paz, recebeu reformas como as varandas espiraladas e portas de vidro e madeira ao longo de seu perímetro. Outra modificação foi redirecionamento das energias que convertiam para o olho da torre, situado no topo. Era uma poderosa arma que manteve Nish livre de ser conquistada por demônios no passado. Tal energia era usada agora para fins utilitários, como para alimentar os elevadores internos da torre e as câmaras de teleportação.
– Dá para cheirar a magia deste lugar... – observou Clefto ao penetrar no corredor externo que era debilmente iluminado pela luz lunar. Penetrava pelos portais de madeira trançada e vidro que ladeavam o extenso corredor.
– O corredor é reto, mas não faz sentido – observou o demônio respondendo à voz interna de Archibald que se manifestava como pano de fundo na mente.
– Uma ilusão – esclareceu Clefto.
– Para onde agora? – indagou o demônio.
– Para baixo – informou Weiss – Esta torre é tão profunda quanto alta.
A torre estava vazia e Clefto, cada vez mais, se sentia sem lugar ali. O que estavam prestes a fazer seria mais um terrível crime. Se houvesse uma rebelião para se juntar agora, talvez o faria. Levou tempo, mas percebia agora que sua busca por poder era sem sentido. Olhou para a estátua que homenageava o grande construtor daquela torre, Vurja Sanir Maki, que também nomeava a torre, Terisoveb Vurja, ou os doze olhos de Vurja. Era uma estátua em mármore rajada de fios de tom vermelho terroso. Tinha as palmas das mãos abertas e voltadas para a frente, enquanto a cabeça e o olhar estavam direcionadas ao alto, para onde estaria o ponto culminante da torre, muitos pavimentos acima.
Isto fez que se recordasse se sua passagem ali há alguns dias quando foi recebido pelo Grão-Mestre Ayllew Maki, descendente direto do construtor e também patriarca do pequeno clã Maki, que perdurava até os dias atuais.
Ayllew dissera – O venerável Vurja Sanir estudou na antiga Trinidacs e esteve pessoalmente com os Arquimagos da antiga aliança.
Weiss sabia disto, mas Clefto não. Ele estava impressionado com as rugas profundas em tramas enxadrezadas que cobriam o rosto do Grão-Mestre. Seus bigodes de um branco prateado desciam até o peito e contrastavam com os mantos sobrepostos de tonalidade verde escura que vestia. Ele indicou uma das colunas da torre que pulsava, levemente, viva com energia mágica que fluía ali.
– A torre foi construída seguindo a mesma arte, hoje perdida, com a qual foram construídas as Nove Torres Lunares.
– Por que mais torres como estas não foram construídas?
– Mas foram, Sr. Clefto. Sabemos que os humanos perderam suas bibliotecas no grande incêndio global que ocorreu durante a Era Maldita.
– O titã de fogo...
Ayllew explanou – Hostemura'edur, supremo ser dos planos ígneos. O ser que foi liberto pelo enlouquecido general Quill, o exterminador de demônios.
Weiss comentou – Sua lenda transcende a história escrita, isto é verdade.
Clefto estava curioso – Não é verdade que sua espada, Baleni, foi encontrada e dada como prêmio a um grupo de lacoreses?
– Bimu Balcatemi, assim era conhecida sua espada. E sim, infelizmente foi cedida aos lacoreses, há alguns anos, no governo do último imperador.
– Sabem sobre seu paradeiro?
– Não muito, sabemos que foi vista na cidade do grande octógono.
– Tchilla – chiou Weiss percebendo que Clefto não havia captado a alusão.
– Mas voltando a sua questão concernente às torres... Merrin, o traidor, ergueu dez torres que copiavam o projeto dos arquimagos. Foi através destas que a antiga humanidade estabeleceu o elo maligno e abriu o portão para as dimensões abissais.
Aquela conversa fascinava Clefto. – Sim, a lenda das dez torres do Deus sombrio.
– O culto a Triox-lon, foi isto que separou os povos que antecederam a humanidade, Vetmös e Hölmos.
– Tragédias do passado que nunca mais devem ser repetidas... – anuiu Weiss – o futuro está na integração de todas as nações desta terra, e no governo que recairá certamente sob as mãos dos mais sábios e poderosos, os silfos.
Clefto lançou um olhar de estranhamento para Weiss.
– Sim, embaixador, no tempo certo, será estabelecida a duradoura paz e nossos impérios estarão unificados sob a liderança do imperador Hiokar.
Clefto não fazia ideia de que conversa era aquela, mas logo concluiu que seria uma estratégia de traição de Weiss. Só precisava saber quem seria traído, o império sílfico ou o lacorês. O necromante abordou o assunto pelo qual estavam ali – O embaixador comentou comigo que há velhas prisões de demônios aqui nos arquipélagos.
– Sim, é verdade. Durante a guerra, descobriu-se que demônios, depois de mortos, retornavam aos abismos e lá recuperavam suas forças para retornar à nossa terra e espalhar novos tormentos. Muitas prisões foram construídas para evitar este processo.
– Por exemplo, há uma destas nesta torre – revelou Weiss.
O Grão-Mestre Ayllew de demonstrou incômodo ao perceber que o embaixador possuía tal conhecimento.
– É verdade – o velho silfo olhou para baixo – suponho que escutou esta história do próprio Lévoro, antes de sua morte.
Weiss confirmou. Era sabido que o Duque Hiokar e seu conselheiro, o bruxo Lévoro, tiveram apoio lacorês em sua tomada do poder. Ayllew pensava que tais laços era potencialmente perigosos. Ele perguntou a Clefto.
– Ouvi dizer que demônios foram vistos em Lacoresh. Pode me dizer qual o postura da ordem dos magos em relação às vis criaturas?
– Os demônios ainda circulam em nosso mundo. Eu, pessoalmente, tenho me dedicado há anos a estudar os meios de controle dessas criaturas.
– Verdade? Não espere sair-se melhor que seus ancestrais, pois eles eram mais longevos e poderosos. Ainda assim, foram enganados e perderam o controle, meramente ilusório. Se aceita meu conselho, de líder para líder, concentre os esforços de sua ordem estudar maneiras de destruí-los ou aprisioná-los. Não se barganha com demônios para ganhar algo, se não, sempre para perder.
As memórias daquela conversa ficaram de lado agora que descia as escadarias na companhia de um demônio. Aquelas palavras de Ayllew ecoavam em sua mente "Sempre para perder".
Archibald, ou melhor, seu corpo, fungou ruidosamente cheirando o ar. – Sinto cheiro de medo em você necromante. Não tema, seremos bem sucedidos. Se algum elfo aparecer será trucidado.
– Sim, é claro, poderoso Plar-Goshu – disse Clefto, mas em seu íntimo não temia os silfos, mas sim o demônio e os outros que pretendiam libertar.
Depois de descerem cinco níveis da torre sem encontrar resistência alguma, Clefto declarou – Algo não está certo. Nenhum guarda? Certamente é uma armadilha. Não haveria como não saberem sobre nossa presença, depois de tanto. É melhor desistir e voltar.
A resposta do demônio não veio em palavras, mas Clefto viu-se erguido com sua garganta sendo esmagada pelas mãos incrivelmente fortes de Archibald. Ele olhou-o nos olhos e disse destilando ódio – É morrer agora, ou continuar tentando. Qual sua opção?
Clefto conseguiu emitir um débil – continuar...
Plar-Goshu soltou-o no chão e disse – Então vamos, já estamos perto, posso sentir as vibrações de meus aliados.
O faro sobrenatural do demônio os guiou até o local. – Atrás dessa porta – ele disse. Era um portão ogival largo e alto com imagens de batalhas contra demônios esculpidas em alto relevo.
Plar-Goshu empurrou o pesado portão que cedeu à sua força se abrindo lentamente. Lá dentro havia a mais completa escuridão que foi quebrada pela linha de luz que penetrava pelo portão entreaberto. Quando os três entraram no salão, Clefto convocou uma luz simples sobre seu pequeno cetro. Não foi suficiente para iluminar todo o local, mas puderam ver que não estava vazio. Clefto estava certo, era uma armadilha e eram alvos fácies. Uma chuva de feitiços veio na direção do trio.
Weiss atirou-se para a esquerda e rolou sobre o chão para escapar. O demônio, que imbuía o corpo de Archibald com agilidade e força sobre-humanas saltou como um gafanhoto por sobre os raios e pousou no centro do salão, sobre a enorme porta metálica. O portão da prisão era circular e cheio de símbolos e escritos. Um alçapão de dois metros de diâmetro. Ali debaixo, Plar pode sentir centenas de essências demoníacas sedentas por libertação e vingança.
Clefto tentou proteger-se com um feitiço, mas conseguiu defender apenas dois dos três ataques dirigidos sobre ele. Um raio esverdeado e sinuoso atingiu-o no ombro provocando uma dolorosa queimadura que penetrou em seu corpo ressoando pelos ossos. Ele girou e caiu no chão gritando, mas sem perder a consciência.
Cerca de dezesseis bruxo sílficos estavam posicionados sob os arcos de alcovas que circundavam todo o salão de modo equidistante. Uma segunda leva de feitiços ofensivos foram lançados contra os dois invasores remanescestes.
Usando os sagrados ofícios, Weiss moveu-se veloz como uma aranha dando um bote contra um desses feiticeiros. No ar, proferiu as palavras de poder – Carvus, Carvus, Carvus!
O soco potente atingiu o silfo em cheio no rosto quebrando seus dentes. O mesmo tombou atordoado à beira de perder a consciência.
Archibald atirou o recipiente para frente e convocou seu companheiro com um urro medonho – MITZLORG!
O nexo se abriu causando uma breve ventania no salão que forçou os bruxos a protegerem os olhos. Ao mesmo tempo, Archibald deu outro salto e agarrou-se com precisão nos rejuntes das pedras que compunham a abóbada de suave inclinação sobre o salão.
Os raios elétricos e duas bolas de fogo explodiram no centro do salão sem atingi-lo. Em instantes, emergiu do nexo o horripilante demônio conhecido como Lorde Mitzlorg, membro das disformes e grotescas hordas Zimbronianas. Em seu torso superior estava o corpo deformado de uma criança, o filho de Jeero, Armand DeFruss. O corpo do demônio era um misto de caranguejo, com patas finas, cascudas e peludas que sustentavam um enorme abdome que se arrastava e do qual emergiam dezenas de tentáculos terminados em bocas circulares com dentes dispostos de forma radial.
Os magos sílficos foram tomados por um horror esmagador. Muito haviam lido sobre demônios e criaturas abissais, mas nunca haviam confrontado uma criatura tão horrenda como aquela. Os mais próximos dele hesitaram e foram abocanhados. Gritaram agonizando, enquanto os demais, bombardearam a criatura com seus feitiços, ferindo-a apenas de modo superficial. Aproveitando-se da distração causada por Mitzlorg, Plar-Goshu desceu sorrateiramente agarrado ao teto como uma lagartixa até o local onde Weiss se escondia. Supreendeu-o ao sussurrar atrás dele.
– Esperemos o desenrolar, pois de certo nos será favorável.
O velho Ayllew surgiu de uma das alcovas e convocou um domo de proteção que se mostrou efetivo contra as investidas de Mitzlorg. Atrás do silfo era possível ver um pequeno grupo e entre estes, havia uma criança. Ali atrás, o silfo Molgras, irmão de Melgosh estava apreensivo e sob a penumbra e disse para seu sobrinho neto – Você tinha razão Marr, mas antes estivesse enganado...
– Obrigado por acreditar em mim, tio Mol, mas e agora? Não consigo ver para onde foi meu pai.
Adiante, Ayllew combinava com um de seus discípulos, o jovem Irgmat, o momento de baixar o domo. O aprendiz havia sido membro da guarda imperial antes de ingressar na escola de magia. Em suas mãos, uma das relíquias forjadas no Monte Hostenoist, durante a Era Maldita, o Dardo de Forlagon. Era uma pequena lança de arremesso imbuída de poderosa magia temporal capaz de tornar um inimigo lento, por algum tempo.
– Agora! – avisou Irgmat ao lançar seu dardo contra o demônio. Ayllew desfez o domo e o dardo voou certeiro para afundar-se na carne gosmenta do abdome de Mitzlorg. O efeito veio como esperado.
Ayllew cedeu suas energias a Irgmat e este absorveu-as ampliando sua força e agilidade.
– A âncora deve ser removida – o velho indicou a metade desfigurada de Armand que brotava do corpo grotesco do demônio. O guerreiro correu até a criatura e desviou-se do ataque de um tentáculo com facilidade. Uma das pinças couraçadas atacou em seguida e ele saltou para cima desta tomando impulso para escalar no dorso da criatura. A espada do silfo, Snarda Lian, era estreita e curta. Forjada em Nelfária, era imbuída de magia sutil que mantinha o fio de corte e conferia flexibilidade tornando-a quase inquebrável. O golpe foi preciso contra o pescoço exposto do menino.
Mitzlorg urrou usando sua bocarra situada acima do abdome – Malditos!
Os mestres da escola iniciaram imediatamente o rito de exorcismo. O corpo de Mitzlorg estremeceu e agora eles tinham pouco tempo para capturá-lo. Plar-Goshu esperava que os silfos fossem facilitar seu trabalho. Para aprisionar Mitzlorg precisariam remover o selo místico do portão. O demônio e Weiss observavam quietos e escondidos enquanto o processo se desenrolava. Ambos não perceberam a movimentação do menino saindo da alcova em busca de seu pai.
Marr circulou pelas laterais ficando fora da vista de Weiss e Plar. O menino suava frio, mas seguia firme em seu propósito. Há alguns dias, após mais sonhos e visões, havia procurado por seu tio para convencê-lo a levá-lo a Nish. Foi difícil dobrar o tio para que traísse a confiança de sua sobrinha, Mishtra. Entretanto, o garoto estava certo, se ela fosse consultada, nunca concordaria em deixar o menino abandonar o esconderijo e se expor a perigos em Nish. A descrição precisa da torre de Vurja, seu interior e da prisão de demônios foram detalhes que ajudaram a convencer o velho tio da veracidade de suas visões. As implicações de não ir até Nish avisá-los a respeito da uma possível libertação da horda de demônios seriam terríveis. Era necessário agir para prevenir tal tragédia, e se possível, salvar o pai do garoto.
Marr e Molgras haviam chegado a Nish naquela manhã e só depois de muito insistir, conseguiram uma audiência com o Grão Mestre Ayllew. O mago investigou a mente do garoto e buscou algumas imagens de suas visões, e assim, convenceu-se do perigo iminente. Apesar de não dominar o Jii e seus fluxos, o Grão Mestre possuía conhecimentos teóricos sobre as disciplinas mentais do Jii. Havia no cofre de relíquias da torre um raro amuleto que fora acoplado a uma tiara. Era um potencializador de Jii. Não haveria tempo para o menino aprender como usá-lo propriamente, mas o Grão Mestre instruiu-o para que confiasse em seus instintos.
Quando Plar-Goshu e Weiss perceberam a aproximação do menino ele já estava a poucos passos deles. Weiss olhou-o com desconfiança percebendo uma estranha familiaridade em sua fisionomia e isto preveniu que ele tomasse uma ação ofensiva imediata.
– Mas o que temos aqui? – deixou escapar Plar-Goshu surpreso.
Marr olhou nos olhos de seu pai, mas viu a face de uma demônio. O mesmo que o perseguia em seus pesadelos. Escutar sua voz o fez estremecer. O demônio sorriu sentindo prazer ao sentir o cheiro de medo que veio do menino. Também, ficou intrigado. O que um garoto apavorado estaria fazendo ali? Tentando fugir? Sim, parecia ser este o caso, presumiu Plar.
– Você não vai escapar! Ninguém vai escapar... – Plar deu um passo adiante e seus olhos faiscaram para intimidar o menino.
Marr engoliu seco e projetou suas emoções sobre o oponente. Um misto de medo e raiva atingiram o demônio que tentou, sem sucesso, erguer barreiras mentais para defender-se. Plar-Goshu levou as mãos sobre a cabeça e gritou agonizando. Marr, agora confiante, ampliou seu grito psíquico. "Saia do meu pai! Sai dele, seu maldito!"
Weiss captou os pensamentos de Marr, atingido colateralmente pelo ataque psíquico. "Pai?" pensou o velho monge. "Sim, seu rosto. É como ver Archibald quando criança...". Era o filho de Archibald e Mishtra, por quem havia procurado por tanto tempo. Ainda atordoado pela revelação Weiss hesitou sem tomar ações para auxiliar Plar-Goshu.
O ataque de Marr se intensificou e Archibald caiu no chão tremendo. Uma estranha forma gasosa e avermelhada emergiu à partir de seu corpo. Weiss avançou contra Marr atingindo-o com um forte tapa – Ora seu moleque! – chiou Weiss.
Era tarde demais. O menino havia expulsado o demônio. Plar ficou desorientado. Naquele instante o selo da prisão foi removido e uma força passou atraí-lo para dentro.
– Não! Não! – o demônio gritou afastando-se de Archibald. – Preciso de uma âncora! – desesperou-se sendo tragado para o portão entreaberto. Sugava o ar e energias do local como uma banheira sendo esvaziada após o tampão do ralo ser removido.
Plar-Goshu cravou suas unhas em Weiss e expulsou o espírito guerreiro que se agarrava ao velho proporcionando-lhe capacidades sobrenaturais. Weiss chiou desesperado – Não! Saia de mim, maldito! Saia...
Plar-Goshu, possuindo Weiss, olhou com ódio para o menino mestiço caído diante de si – Você vai me pagar...
Mas antes que pudesse completar seu ataque foi atingido por uma teia negra e pegajosa.
– Fuja menino! – ordenou Clefto que venceu seus temores e veio confrontar o demônio.
– Seu necromante traíra! – Plar-Goshu rasgou a teia em dois tempos. O menino aproveitou para correr até seu pai para ampará-lo.
O corpo de Mitzlorg de desfazia em fumaças púrpuras e fedorentas sendo sugado para dentro da prisão.
Plar, incorporado em Weiss, saltou sobre Clefto, mas foi atingido por um raio elétrico emitido por um dos mestres sílficos. Sua carne queimou uma vez mais e o demônio caiu. Clefto recuou enquanto outros silfos, entre este, Irgmat, se aproximaram para dar combate ao demônio.
– Menino! – a voz de Ayllew soou ao pé de seu ouvido – expulse o demônio do corpo do embaixador. Não podemos manter o portão aberto por muito tempo!
Archibald recobrava a consciência, mas estava tonto sem saber onde estava e o que se passava. Marr voltou-se contra Weiss e lançou novo ataque mental. Desta vez, estava mais determinado e focalizou o ataque com maior precisão. De uma só vez o demônio foi repelido do corpo. Protestou e amaldiçoou enquanto era tragado pelo portão. O menino caiu de joelhos sem fôlego e com dores de cabeça. Weiss, mesmo ferido, levantou-se motivado por uma raiva extrema que queimava em seu estômago. Seu esquema havia falhado. Estava derrotado. Ainda assim, convocou seus poderes para ignorar as dores. Avançou contra o menino, mas foi detido por Clefto. – Não iria machucar um menino?
Weiss respondeu com um forte safanão que atirou o necromante de lado. Seguiu mancando para o menino. Archibald segurou-o pegando em seu ombro.
– Deixe este verme comigo! – disse Archibald.
– Nos confrontamos uma vez mais, sobrinho – chiou Weiss.
– Desta vez me certificarei que é nosso último confronto – ele convocou os sagrados ofícios – Carvus Maste Oném!
O soco de Archibald atingiu o tronco do oponente fazendo Weiss soltar todo ar e cuspir sangue. Ainda ignorando as dores, ele revidou agarrando o braço de Archibald e levando outra mão ao seu pescoço. O rosto dele ficou vermelho, mas desvencilhou-se com um forte chute. Weiss tirou um punhal do manto triplo e tentou uma estocada.
Archibald desviou-se e contra atacou com um chute contra a perna ruim de Weiss. O velho caiu no chão e perdeu o punhal que quicou pelo chão ruidosamente. O sobrinho caiu sobre o tio e socou-o repetidas vezes no rosto.
– Maldito! – dizia enfurecido – Vai me pagar!
Weiss não conseguia se defender, mas sorria cheio de sangue na boca a cada golpe recebido.
– Pai – chamou Marr – Por favor, não o mate.
Archibald parou por um instante, contendo sua ira.
– Ele é um tolo, mas ainda assim, seu tio.
– Você não entende filho.
– Você é que não entende pai. Matar um inimigo indefeso não é certo. Ou melhor, matar, é contra a lei divina.
– Lei divina? O que você sabe sobre leis divinas?
– Acho que mais que você. Mamãe sempre disse que você era um devoto dos deuses.
– Pois saiba que há muitos deuses que se saciam com sacrifícios de sangue.
– Apenas falsos deuses seriam assim.
– É? Então o que devemos fazer com ele? Deixá-lo ir?
– Ele cometeu crimes, deve ser preso.
Archibald gargalhou – Não sei que tipo de fantasia sua mãe ensinou a você sobre o mundo, mas para pegar tantos criminosos, precisamos construir uma prisão do tamanho de um continente!
– Isso não tem nada a ver com mamãe. Mas sim com aprender a falar com a Deusa. Ectarlissè ainda fala àqueles que estão abertos para ouvi-la.
– Ora menino, não me venha dar lições de moral! – voltou-se para Weiss a fim de exterminá-lo. Ele estava desacordado e respirando debilmente. Seu ímpeto recuou e não encontrou coragem. – Muito bem – disse ele ao se levantar – Farei como me pede.
Marr avançou e saltou sobre Archibald envolvendo-o num abraço apertado. Archibald sentiu-se culpado por nunca ter retornado para Mishtra e para ele. Mas o afeto livre de mágoas daquele garoto logo fez com que sua culpa cedesse lugar a outras emoções. Sentiu-se agradecido e em instantes tinha lágrimas rolando de seus olhos. Sentiu orgulho de seu filho e sua incrível coragem e sabedoria. Seu filho havia vindo em seu socorro, não para salvar seu corpo, sua vida, mas para salvar sua alma.
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