CAPÍTULO 110
Túneis e mais túneis depois, chegaram ao subterrâneo do templo numa pequena passagem que dava para o lago. Örion havia visitado o mesmo lugar no passado na companhia de Con e Irscha. Na ocasião, o lago tinha águas geladas e submersa neste, havia um enorme esquife de metal preso por correntes de calibre colossal. O ambiente agora estava quente e contrastava com o frio intenso que fazia ali outrora. Havia vapor no ar que vinha da água borbulhante. O nível do lago havia baixado e dava para ver o esquife, ainda submerso, mas a poucos metros da superfície.
Estavam todos juntos num bloco compacto, em redor da princesa Hana. Usavam o orbe como camuflagem e seguiam para a subida sem fazer maiores ruídos.
Hana respirava ofegante. Visões terríveis vieram à sua mente, mesmo sob estado de lucidez. Era a primeira vez que visões se formaram sem que estivesse em transe. Havia muita energia circulando no ambiente e o orbe parecia prestes a falhar, assim como quando absorveu muita energia de uma só vez provida pelos cristais de sargentium. As visões não eram claras, mas sim, fragmentadas. Morte e sangue esperavam a todos no alto daquela escadaria.
Radishi sentiu sua cabeça pesar. Precisou entrar na defensiva para evitar maiores danos.
– É só comigo, ou o ar aqui está muito pesado? – manifestou-se Örion.
– Ele está chegando! – concluiu Cretàh – rápido, precisamos impedir que Zeah realize o ritual de sangue. Vamos!
Todos apressaram o passo, mas Hana ficou estacionada e quando Calisto passou, ela tomou-o pela mão. – Espere um pouco – ela disse.
– O que foi, princesa?
Lágrimas escorreram por seus olhos.
– Sei que não é o momento, mas pode não haver outro...
– Do que está falando? Por que isso agora?
– Calisto, eu sou... você é...
– O que? Fale de uma vez!
– Sou sua mãe.
Calisto fez uma careta e lembrou-se das ocasiões em que ela tentou seduzi-lo. Se não tivesse resistido, teria se deitado com sua própria mãe!
– Me desculpe, filho. Eu não sabia... Os malditos... Quando você nasceu... Arávner tirou-o de mim e entregou-o a Thoudervon. Deram-me, no seu lugar, um bebê morto.
Calisto estava atordoado. – Quer dizer então, que sou o herdeiro ao trono de Lacoresh?
– Sim, meu filho. Tentei me aproximar de você, pois tive visões de nós dois, governando juntos... Eu não sabia, mas agora, tudo faz sentido.
– Sim, faz sentido. Vamos, princesa, ou ficaremos para trás.
– Você não me odeia?
– Não, nem um pouco. Só não ache que vou começar a chamá-la de mamãe.
Hana chorou de felicidade, pois temia que o filho a rejeitasse de modo violento. Pensava em como ele era belo e forte, mas ainda imaturo, indisciplinado. Sim, se conseguirem retornar a Lacoresh, ela poderia educá-lo, mesmo que de modo tardio. Recuperar o tempo perdido.
A entrada de Cretàh e dos lacoreses no salão do tempo foi algo inesperado. Nem mesmo o poderoso Marlituk através de seus muito espectros libertos pode antecipar aquele movimento. Estavam todos empenhados e concentrados na realização do ritual de sangue. A energia escura preenchia todo salão, exceto um pequeno perímetro em torno do altar.
Cerca de trezentos meninos e meninas estavam postos diante do altar. O local ainda resistia ao avanço das forças das trevas. Para realizar o sacrifício, estava reunido o mais alto escalão dos servos corrompidos pelos espectros. Entre estes estavam a bruxa Zeah, os silfos Ardívila e Keledrel, o mercenários Skallurè e Danke Furioso, o tardo Nergon, Alzaad, o Pug'a'wee e outros mais.
A prole demoníaca de Marlituk se fazia representar pelo esguio e feioso demônio Ayon. Ao ver Kyle e os demais surgirem pelo acesso na parte posterior do altar, o demônio disse – Criaturas ousadas! Atrevem-se a interromper a cerimônia derradeira em prol do Pai?
Kyle avançou com agilidade superior conferida pelo antigo Anel de Tarquis. Quem veio confrontá-lo foi o silfo Keledrel, contra o qual Kyle mal sustentou combate na ocasião pregressa. O silfo avançou confiante e mal acreditou quando teve o tórax trespassado pela lâmina de Kyle. Tombou de olhos arregalados sem conceber de modo fora atingido.
Rílkare, ainda ferido, avançou pela esquerda, logo atrás de Kyle e atraiu o grito odioso por parte de Skallurè que veio à carga. – Krenov!
Pelo lado direito de Kyle, Gorum avançou trajando a armadura de aparência sinistra que pertenceu ao herói lendário. Danke Furioso avançou com um machado na mão esquerda e espada na destra.
Kiorina convocou uma linha de chamas que se expandiu para diante e aos poucos ergueu-se na forma de um paredão de fogo. Isto isolou boa parte dos inimigos que estavam para além do altar. No lado interno da barreira ainda restavam Zeah, Nergon e Alzaad. Este último, emitiu um bramido aterrador e deu um longo salto para atacar Kyle com sua boca capaz de comer e partir até o aço.
Alzaad e Kyle, Rílkare e Skallurè e Gorum e Danke confrontaram-se simultaneamente. O monstro mítico, também conhecido como, Aquele Que Tudo Devora, abocanhou a lâmina de Tarquis e para sua surpresa, achou-a deveras indigesta. Ao invés de parti-la e degluti-la, esta quebrou seus dentes e depois rasgou sua boca e focinho cortando carne e ossos até atingir o cérebro. Uma espécie de ganido foi o último som que a criatura emitiu antes de tombar. Kyle saltou sobre o monstro completando uma meia cambalhota e evitou ser derrubado pelo corpo que tombou em sua direção.
Skallurè disse – Krenov! Desta vez o boçal do Poul não poderá mais salvá-lo!
O primeiro ataque do mercenário foi defendido fazendo as espadas faiscarem, mas o segundo golpe veio certeiro. Teria atingido o pescoço sendo letal, mas, no último instante, o cinturão dourado atraiu a espada que resvalou neste produzindo um som de arranhão metálico e faíscas.
Rílkare estava branco, pois viu a morte passar perto e contra atacou com um golpe de escudo que atingiu o oponente no queixo e o deixou atordoado. Confiante na proteção oferecida pelo cinturão, Krenov atacou de forma temerária expondo-se. O golpe forte atravessou a armadura de escamas do mercenário e tirou sangue.
Ao mesmo tempo, Danke, mais veloz que Gorum, girou suas armas sobre o oponente atingindo-o, porém, sem penetrar a forte armadura de ossos de demônio. Gorum sentiu o choque e dor provocada pelos golpes e contra atacou ferindo a coxa desprotegida de Danke. O corte foi fundo, até o osso e incapacitou o mercenário, que desequilibrou-se e caiu.
Nergon era a criatura mais alta presente. O tardo musculoso tinha cerca de três metros de altura e vestia uma armadura completa. Avançou sobre Kyle atraindo o golpe da Espada de Tarquis. O corte partiu uma peça da armadura que protegia o antebraço e afundou até atingir o osso. O contragolpe dele, um chute poderoso, atingiu Kyle no peito e atirou-o para trás girando. Kyle perdeu a espada que ficou cravada no antebraço do tardo.
Cretàh surgiu diante do monstrengo e encarou-o nos olhos – Me servirá, velho amigo! – o pequenino liberou a energia de seu amuleto provocando um forte ataque mental que anulou a vontade de Nergon. O tardo olhou para a espada presa em seu braço e retirou-a com a outra mão. Parecia uma faca em suas mãos enormes.
Gorum estava prestes a despachar Danke quando foi atingido por um raio de energia esverdeado lançado por Zeah. A energia o envolveu causando estremecimento. O gigante caiu de joelhos e depois tombou para frente.
Rílkare surpreendeu-se ao ver que Skallurè resistiu ao golpe com um sorriso no rosto, neste instante, pode ver que os dentes do mercenário estavam distorcidos e pontiagudos. A energia espectral de Marlituk conferia-lhe um vigor sobre-humano. Deixando sua espada de lado, o mercenário avançou sobre Krenov agarrando o cinturão com ambas as mãos.
– Vou arrancar esse brinquedo e comer seu fígado, maldito!
Kiorina viu os companheiros sendo abatidos quase ao mesmo tempo e murmurou horrorizada – Kyle, Gorum...
Örion avançou para auxiliar seu velho amigo. Tirou um punhado de pó de pimenta de sua bolsa e direcionou-o com sua magia para os olhos de Skallurè. Este gritou levando as mãos nos olhos e deixando de lado o cinturão de Krenov. Rílkare aproveitou a oportunidade e com uma estocada precisa atravessou o pescoço de Skallurè. Com vigor demoníaco, ou não, o mercenário possuído tombou derrotado.
No final das escadarias, Hana aguardava pelo chamado de Calisto ou Radishi. A dupla observava o combate a partir da retaguarda. Estava evidente para eles o poder do amuleto de Cretàh. Sabiam o que poderiam esperar dele. Nergon, atacou Zeah. Ela desviou-se, mas perdeu o equilíbrio e caiu. Calisto viu o demônio Ayon saltar através das chamas da muralha de fogo. Este veio em socorro de sua madrinha, Zeah. Nergon estava a um palmo de ceifar a vida dela, mas um chute aéreo inesperado do demônio, ainda envolto em chamas, atirou o tardo para trás fazendo-o cair sentado.
O demônio sacudiu-se fazendo as chamas se extinguirem, sua pele azulada, agora chamuscada de negro emitia uma fumaça fedorenta, semelhante a frutos do mar podres e queimados.
– Não! Seu desgraçado! Intrometido! – Cretàh gritou decepcionado ao ver que Zeah havia sobrevivido.
Kiorina correu para socorrer Kyle caído e, enquanto isso, Radishi e Calisto, que mantinham um elo mental, realizaram um ataque combinado contra Ayon. Este soltou um grito estridente e pressionou as mãos contra os ouvidos. Gotas de sangue brotaram de seus olhos e narinas.
Rílkare viu a oportunidade e partiu em carga contra este e cravou sua espada em seu abdome. Em sua defesa, Ayon golpeou o herdeiro de Balish no rosto com as costas da mão fazendo-o girar e depois cair atordoado. A espada de Rílkare ficou cravada em Ayon.
Zeah convocou outro raio fulminante para disparar contra Radishi, ou Calisto. Antes que ela o disparasse, Cretàh avançou enfurecido com um espadim, não maior que uma faquinha de patê, e atingiu-a no olho esquerdo. – Cá-cá-cá! Te peguei vadia! – zombou o pirilampo em êxtase.
Com a mão ainda carregada de energias mortíferas, Zeah tentou tocar em Cretàh e teria conseguido, se não fosse pela ajuda de Örion que repeliu-o com sua magia telecinética.
– Maldito seboso! – resmungou Cretáh.
– Salvei sua vida, seu pestinha! – Örion retrucou.
A vergonha tomou conta de Cretàh fazendo sua pele ficar roxa.
Nergon deixou a Espada de Tarquis de lado e ficou novamente de pé. Levou as duas mãos contra a cabeça de Ayon e com sua força descomunal quebrou-a como uma noz.
Zeah recuou e gritou ao atravessar a barreira de fogo. Sua roupa de couro se incendiou e ela correu desesperada com uma das mãos sobre o olho cego.
Cretàh voou por cima da muralha para persegui-la. – Nergon! Nergon! – ele chamou.
A silfa Ardívila socorreu a bruxa incendiada envolvendo-a em sua capa escarlate. O pavor de Negon pelo fogo impediu-o de avançar, mesmo sob comando direto de seu mestre.
Enquanto Cretàh chamava o tardo, Ardívila, que tinha mira admirável atirou uma pequena lâmina em Cretàh. Errou seu corpo por milímetros, mas danificou uma das asas. Ele girou e caiu no chão proferindo maldições.
Calisto chamou por Hana e ela avançou em voo veloz passando por ele, Radishi, Kyle e Kiorina, por sobre o altar, Nergon e finalmente ao atingir a muralha de fogo absorveu-a. Localizou Cretàh e foi socorrê-lo. Precisariam dele como guia para chegar à câmara dos portais. O vermezinho jurou que só os levaria lá depois que Zeah estivesse morta.
– Mate-a! Mate-a! – Ordenou Cretàh.
– Não sei como, não conheço magias ofensivas...
– Você não conseguiria ser mais inútil? – ele retrucou irado.
Zeah tinha as duas mãos crepitando com a energia verde e mortífera. Seu olhar estava fixo sobre o pirilampo. Ardívila atirou uma lâmina certeira contra Hana atingindo-a no pescoço. Hana perdeu a concentração e caiu sentindo dores.
Kiorina constatou que Kyle estava apenas sem fôlego, mas bem. Ela se lembrou do primeiro ser que matou, um bestial que envolveu em chamas. Podia fazer melhor que isso agora. Concentrando o olhar sobre Zeah, fez com que suas roupas e o manto dado por Ardívila pegassem fogo. Kiorina intensificou sua magia ao ponto de exaurir suas energias. Zeah foi envolvida numa pira de chamas e gritou agonizante enquanto era queimada viva.
Cretàh comemorou – Sim! Viva! Finalmente! Morra sua vadia!
Ardívila, temendo destino semelhante, fugiu para a saída do templo.
Hana levou a mão ao pescoço e esta se tingiu de sangue. O ferimento ardia e ela recuou com expressão de dor no rosto. Calisto correu para ampará-la.
Ardívila gritou por socorro próximo da saída do templo. Bestiais e outros inumanos que estava do lado de fora atendiam ao seu chamado.
Ao mesmo tempo, Örion e Rílkare chamavam as crianças, apavoradas, para se reunirem no fundo do templo. Radishi avançou até o local onde Nergon estava. Tinha a intenção de pegar a Espada de Tarquis. Gorum despertou com uma tremenda dor de cabeça, dores musculares e nos ossos. Sua armadura, além de possuir defesa física incrível, tinha alguma dose de proteção contra magia. Sem ela, teria sido fulminado pelo raio mortal de Zeah. Seus ouvidos zumbiam.
– Rápido, por aqui!
Gorum mal escutou o que Radishi e Örion diziam às crianças.
Próximo a Gorum, Danke Furioso ficou caído de olhos fechado, mas não morto. O espectro de Marlituk que o habitava viu Radishi passando. Abandonou o corpo de Danke e foi com tudo para cima do tisamirense. Radishi defendeu-se, mas logo, toda energia escura que pairava próxima ao solo do templo, exceto em redor do altar, começou a convergir sobre ele. Isto alimentou o espectro a até que este tornou-se mais forte que aquele que habitava o Rei Kel.
Os olhos de Radishi tornaram-se negros e seu corpo começou a sofrer deformações. Calisto atacou-o, mas Radishi apenas sorriu de volta. Esticou as mãos e gerou um forte ataque telecinético. Calisto foi projetado para longe até atingir uma das paredes do templo.
– Nergon! – ordenou Cretàh – esmague-a! – indicou a princesa Hana. O pirilampo mudava de lado novamente. Com Zeah morta, seu novo objetivo era agir em favor da libertação de seu mestre.
Hana ficou horrorizada com o avanço do tardo em sua direção, mas quando este chegou a poucos passos dela, parou por uns instantes, confuso. O feitiço de Cretàh dissolveu-se e foi absorvido pelo orbe. Com a mente embaralhada, e sem saber o que havia acontecido, o tardo ficou indeciso e tentando compreender o que havia acontecido.
– Maldito orbe! – gritou a criaturinha num tom estridente.
Rílkare avançou contra Radishi e golpeou o braço dele com a espada na esperança de expulsar o demônio. Este revidou com um soco que amassou a placa da armadura e projetou o nobre para trás fazendo-o cair e rolar no chão.
A pele de Radishi se tornou escura e cheia de veias, seu rosto transfigurado exibia um semblante demoníaco. O espectro avaliou seus inimigos e constatou que nada poderia detê-lo. A voz de Radishi soou inumana – Não poderão me deter. Nunca puderam, são fracos... São tolos...
Kyle ficou de pé e entrou em estado de concentração. Os fluxos de Jii passaram através dele revelando as ondas do futuro próximo. Sua única chance seria alcançar o altar. Correu, como se fosse confrontar Radishi e preparou uma finta. O demônio aguardava a proximidade física, pois queria partir Kyle em pedacinhos. Por culpa deste, sua libertação fora adiada por oito anos. Era hora de dar o troco.
No último instante, Kyle saltou tomando um impulso sobre-humano graças ao anel encantado, e conseguiu passar por cima do Radishi Espectral. Num movimento perfeitamente coordenado, rolou sobre o chão, apanhou a espada de Tarquis e continuou avançando até o altar.
Örion estava do outro lado do altar e compreendeu que ali seria o lugar mais seguro. O espectro de Marlituk voltou sua atenção para Hana. Com sua vontade, direcionou um fragmento de pedra da construção contra ela. O baque contra o seu peito foi forte, fez com que perdesse os sentidos e caísse no chão. O orbe rolou de sua mão. Uma magia direta sobre o orbe não funcionaria. Então, o espectro fez algo semelhante ao jogo de bolas contra bolas e direcionou outra pedra contra o orbe de modo que este rolou em sua direção. Kiorina foi rápida. Ainda tinha um pouco de energia e entrou no jogo. Fez uma pedra atingir o orbe o que voltou a afastá-lo do demônio. Enquanto isso, Kyle e Örion se encontraram no altar e sentiram um incrível fluxo de energias aflorar.
Vida incontáveis passaram diante de seus olhos. Souberam que já haviam sido irmãos em outras vidas. E como irmãos, estiveram naquele mesmo tempo, diante do mesmo altar, milhares de anos antes. Fora durante uma longa vida na pele dos extintos Holmös. Uma vida de quase imortalidade, pois os Hölmos não envelheciam, dificilmente adoeciam e nem morriam de causas naturais. Um acidente, ou uma guerra, poderiam acabar com a vida de um Holmö, mas nunca a velhice.
Muitos entre os Hölmos e Vetmös haviam morrido na grande batalha contra o demônio Marlituk. Hölmos, Vetmös e os próprios deuses se reuniram no templo de Levisse, a deusa da luz, conhecida pelos lacoreses como Leivisa. Ali fizeram o feitiço que aprisionaria o corpo do demônio para todo sempre. Naquele altar, a deusa depositou suas lágrimas por todos que pereceram para derrotar o terrível demônio invasor. Alguns dos mais devotados espíritos concordaram em permanecer no templo em eterna vigilância para evitar o retorno do demônio, porém, com o passar das eras e após a destruição de Ilm'taak durante a guerra milenar, a proteção foi perdendo forças até que o esquife prisão, localizado no subterrâneo, diretamente sob o altar, começou a emanar os eflúvios malignos dos espectros de Marlituk.
Apenas um dos guardiões originais restou. E foi este que travou diálogo com os irmãos.
– Infelizmente, ele não poderá ser detido sem o poder da Espada Celeste.
– Espada Celeste? – indagou Kyle ao espírito de luz.
– Tu seguras em tuas mãos um fragmento da mesma. Talvez, todos possam ser novamente reunidos para o retorno da Celeste.
– O que devemos fazer? – indagou Örion.
– Escapar! Levar o fragmento para um local seguro!
– Como?
– Ajudá-los-ei – respondeu a voz prateada que ecoava – Vossos espíritos são antigos e afins. Uma união temporária os favorecerá.
Quando Kyle e Örion deram por si, estavam novamente no templo, as memórias do vislumbre do passado se esvaíram como as imagens de um sonho após o despertar. O corpo de ambos agora era como um. Quatro braços e pernas e duas cabeças. Eles empunhavam a Espada de Tarquis e o corpo fundido emitia um forte brilho de luz branca que cegou o demônio que possuía Radishi.
– Que diabos! – urrou o espectro cobrindo os olhos.
– Sentimos muito, Radishi.
A espada penetrou no peito do tisamirense e absorveu toda a energia escura de Marlituk. Ele caiu. O amalgama Örion-Kyle olhou para baixo. Observaram a vida de Radishi se esvair. O espírito guardião que os mantinha unidos disse – venha a mim, Radishi de Tisamir. Preciso de seu auxílio para retardar um pouco mais a libertação do grande mal.
O espírito de Radishi desprendeu-se de seu corpo com facilidade, pois já estava habituado a fazê-lo para viagens no astral. Tomou a forma de um globo de luz e foi para o altar. Estava enfraquecido e reduziu-se numa forma ovoide. Dentro do altar de pedra, havia uma bacia de líquido luminoso na qual ele foi se banhar. A paz e êxtase invadiram sua mente. Seu passado se abriu. Ele e os tisamirenses haviam vivido entre os primeiros Vetmös. Antes de seu povo se submeter aos ideais de seu auto proclamado imperador. Foram os fundadores e construtores de Ilm'taak, a mais esplendorosa cidade da antiguidade.
Com a progressiva extinção de sua raça, muitos aceitaram retornar em corpos humanos. Outros não. A maldição que veio quando os deuses deixaram a terra transformou a raça Vetmös, outrora perfeita e orgulhosa em doente e definhante.
Örion-Kyle observou os arredores. A energia negra voltava a marejar pelo chão e pelas paredes. Era a energia de Marlituk que escapava sem cessar do esquife. O brilho intenso emitido pelo amalgama forçava todos a desviar o olhar. Finalmente, o estranho ser de oitos membros voltou ao altar onde se separou.
Nergon caminhou para o altar disposto a destruir Kyle e Örion, ambos estavam prostrados e atordoados após a estranha experiência. Um forte jato de chamas envolveu o tardo que correu para longe desesperado. Kiorina tinha posse do orbe e expandiu as chamas fazendo crescer uma muralha de fogo três vezes mais forte na parte central do templo. Com isso, o avanço da turba de inumanos liderada por Ardívila foi contida. Kiorina moveu as chamas na direção dos oponentes provocando uma fuga em massa. Com um dedo, apontou para Cretàh e levitou-o trazendo-o para junto de si.
– Se não quiser morrer como seu amigo tardo, leve-nos à sala dos portais.
– Sim, claro, senhora, farei tudo que ordenar.
Os feridos foram reunidos e todos se juntaram em torno de Kiorina. Örion, com a ajuda de Kiorina cauterizou o ferimento de Hana. Depois, tirou de sua sacola uma essência curativa que fez com que a princesa despertasse. Para andar, teve que se apoiar em Calisto. Os ferimentos mais sérios foram tratados apressadamente e depois desceram as escadarias seguidos das crianças que seriam sacrificadas. Kiorina tomou o pirilampo nas mãos e fez o amuleto que usava como um cinturão desprender-se e flutuar para Rílkare.
– Leve isto até que estejamos fora de perigo. – ela disse.
– Não, não! – resmungou Cretàh, mas foi interrompido.
– Cale-se, ou arrancarei suas asas!
Cretàh assumiu um tom negro vivenciando ódio profundo. Ainda assim, guiou-os pelo subterrâneo até o salão dos portais. Os lacoreses foram na dianteira e Örion e Rílkare vieram atrás para acalmar e organizar o avanço das crianças.
Quando chegaram ao salão, Kiorina colocou Cretàh para dormir com um feitiço. Örion e Rílkare instruíram as crianças para esperar do lado de fora. Kiorina olhou para um dos portais e disse – Posso ver que a passagem é operada por magia. Sendo assim, o orbe não poderá atravessar em seu atual estado.
Hana estava pálida e sem forças, mas conseguiu dizer – Quando viemos ele estava inoperante. Agora...
Örion disse – teremos que nos separar. Sei que vocês precisam retornar à sua terra natal, mas nosso lugar é aqui. – Estendeu as mãos para pegar o orbe das mãos da ruiva.
Ela entregou o objeto e sentiu um grande alívio ao fazê-lo. Colocou Cretàh sobre o chão. Örion manipulou as pedras moldando-as em torno do pequenino até formar uma espécie de jaula. Rílkare ergueu-a achando-a um pouco pesada.
– O que pretendem fazer? – indagou Kyle
Rílkare respondeu – Vamos tentar chegar em Balish. O monstrinho disse que a cidade ainda resiste.
– Levarão as crianças. – sentenciou Calisto.
– Sério? – retrucou Rílkare.
– O plano netéreo não é lugar para crianças... Terão melhores chances seguindo vocês.
Hana disse – Ele tem razão... E não temos alguém treinado para nos conduzir...
Calisto disse – talvez essa discussão toda seja inútil, até que alguém consiga ativar o portal.
– Tem razão – concordou Kyle – Kiorina?
A moça avançou em direção ao portal, mas não tinha noção do que fazer. Ao longe, nos túneis, já se ouvia sinal de bestiais e outros inumanos procurando por eles.
Kiorina falhou e voltou cabisbaixa.
– Se você não tivesse assassinado Yourdon, já estaríamos longe daqui! – acusou Calisto.
Kiorina sentiu a culpa voltar pesada sobre seus ombros, mas também muita raiva. – Ora seu! – acendeu uma chama nas mãos pronta para atacar Calisto.
Gorum segurou seu braço – Acalme-se garota! Não ganharemos nada brigando agora.
Kyle encarou Calisto pensando que não demoraria até um confronto inevitável surgisse entre eles.
– Princesa? – chamou Kyle.
Ela estava muito mal, mas mesmo assim tentou suas evocações sem nenhum efeito.
– Sabia – ralhou Calisto – Maldito plano suicida! Estamos condenados!
Naquele momento, Calisto sentiu sua mão queimando e curvou-se emitindo um grito de dor.
Hana e Kiorina puderam ver que o anel que ele usava estava pulsando fortes ondas de energia mágica. Sentindo dores agudas na mão e subindo pelo braço, Calisto disse entre dentes – Ele nos chama...
Gorum questionou – Ele quem?
– Thoudervon...
No fundo do salão soou um zumbido e uma tênue luz de multicores revelou que o portal tornou-se ativo.
– Vamos depressa – chamou Calisto.
Os lacoreses tinham que ir, e não havia tempo para longas despedidas. Kyle e Örion se abraçaram brevemente o primeiro dizendo – Adeus irmão! Que haja luz na sua jornada.
– Adeus Kyle, viajem bem!
Rílkare e Örion viram os lacoreses desaparecer ao cruzar a superfície luminosa do portal que parecia um poço de águas turbulentas. Rílkare chacoalhou a jaula e disse – Acorde! Acorde porcariazinha!
Cretàh acordou furioso ao se ver preso daquela forma.
– Indique-nos uma saída segura – disse Örion.
Rílkare ameaçou – E se sonhar em nos enganar, juro que esmago seu precioso amuleto e em seguida sua garganta.
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