Capítulo Vinte e Sete

Evan D'Ávila

O condomínio que meus pais escolheram é um lugar amplo e que possui uma extensa área verde onde se pode caminhar e ter um pouco de laser. Helena está ao meu lado, com seu braço entrelaçado ao meu e me sinto seguro com esse gesto, pois tenho a sensação de que vou ceder ao chão a qualquer momento. Não vou mentir, é uma sensação muito boa estar de pé novamente, andando como antes. Mas também é estranho, muito estranho. É como se eu pudesse sentir toda a minha perna direita, a qual perdi mais da metade do membro, mas sei que é apenas minha cabeça. A prótese não me incomoda, mas não é confortável usá-la. Não digo fisicamente, mas o meu eu não se sente confortável. Mas eu sei que preciso deixar todo meu preconceito e medo de lado, pois minha situação não vai mudar apenas porque eu quero. Não há mais volta e eu preciso me aceitar, pois sei que me fechando as coisas só vão piorar a cada dia mais.

- Nossos pais vem nos visitar no final de semana. - Helena diz, quebrando o silêncio que há entre nós.

- Como papai está? - Pergunto, preocupado.

Sei o quanto essa situação é estressante para todos ao meu redor e para meus pais não é diferente. E o que me preocupa é ter meu pai grávido em meio a tudo isso. Sei que ele não é mais jovem e sua gestação é de risco, então o estresse e preocupação comigo não ajudam em absolutamente nada.

- Ele está se cuidando, Evan. O pré-Natal está sendo feito corretamente e nada vai acontecer ao bebê. Não se preocupe. - Helena diz, adivinhando meus pensamentos e solto um suspiro.

- Só não quero sentir culpa por mais nada. - Falo frustrado e minha irmã para de andar.

Sinto seus olhos queimando em mim com questionamento, mas não retribuo seu olhar e continuo de cabeça baixa. Ouço minha irmã suspirar e segundos depois ela me puxa em direção a um dos bancos disposto em uma pequena praça do condomínio.

Meus olhos passeiam ao meu redor e vejo algumas pessoas indo e vindo, muitas são famílias. Pais com seus filhos, todos sorridentes e totalmente de bem com a vida. Eu nunca pensei realmente sobre o futuro, mas depois de saber sobre Luz, eu me peguei imaginando como seria se as coisas fossem diferentes? Talvez eu estaria casado com Otávio, isso eu sempre quis, talvez teríamos mais um filho, um cachorro para completar a família e Luz viva. Seríamos uma verdadeira família de comercial de margarina, seríamos felizes.

Mas, tudo isso não passa apenas de um sonho que eu criei tarde demais. Luz está morta, Otávio e eu nos afastamos mais do que deveria e agora as coisas estão uma bagunça completa. Eu amo aquele homem, mas não tenho coragem de dizer isso e o prender a mim. Não me vejo fazendo ninguém feliz e não quero que Otávio sofra ainda mais. Nossa cota de sofrimento já está no limite.

- Você se cobra demais, irmão, e isso é muito ruim. Você não pode adivinhar tudo que vai acontecer na sua vida, não pode se blindar ou evitar que tudo aconteça, não é assim. Mas... você pode escrever sua própria história. - Minha irmã diz algum tempo depois e eu suspiro.

- O problema é que eu não sei fazer isso.

- Para, Evan... claro que sabe, só está com medo. Poxa, maninho, há tanto que você pode fazer ainda... se dê uma chance. Eu não posso fazer isso por você, ninguém pode.

- Eu estrago tudo, Lena. Fiz isso com Otávio há alguns dias. - Falo e me sinto frustrado apenas por me lembrar do quão idiota eu fui com ele.

- Eu sei que está com medo e não se sente o suficiente, mas maninho, Otávio está tão disposto a estar do seu lado novamente. Sei que há muito a ser resolvido entre vocês dois, mas eu sei que ainda existe muito amor. Otávio não é alguém que ligue para aparências, ainda mais quando isso envolve você. Há semanas atrás você estava tão determinado a tê-lo de volta, o que houve com esse Evan? O medo não pode ditar sua vida, irmão. Você mais do que isso, é mais do que uma limitação, é mais do que houve no passado. Não deixe essa chance escapar, por favor. Não se arrependa de não viver.

Fecho meus olhos e jogo minha cabeça para trás, respirando fundo e pensando em todas as palavras que acabei de ouvir. Eu realmente não posso e não quero jogar essa chance fora, mas... será que vale a pena? Será que eu posso fazer Otávio feliz novamente? Será que eu posso ser feliz novamente? Será que eu posso viver sem a sombra que me persegue desde o acidente?

- Quando foi que minha irmãzinha se tornou tão sábia? - Pergunto com humor e Helena revira seus olhos, me empurrando levemente pelo ombro.

- Quando meu irmão se tornou idiota. - Ela responde e faço uma careta.

- Aí, essa doeu ruiva! - Falo em drama e Lena apenas ri.

Sou pego um pouco de surpresa quando minha irmã me abraça apertado, quase me esmagando em seus braços finos.

- Por favor, me prometa que vai ser feliz. - Ela pede e ouço ouço voz embargar.

Sinto meus próprios olhos arderem com a vontade de chorar que me toma, mas me faço de forte. Retribuo o abraço de minha irmã e respondo o meu melhor:

- Não posso prometer, mas posso tentar. - Respondo, sincero.

[...]

Horas mais tarde, sentado em minha cama, eu fito intensamente o celular em minha mão com o número de Otávio na tela, esperando apenas um toque meu para iniciar uma ligação. Respiro fundo diversas vezes e busco coragem dentro de mim para ligar. Uma ligação, Evan... apenas uma ligação.

Mas a coragem não vem e me sinto um covarde por isso. Continuo encarando o celular em minha mão e acabo me assustando quando ele começa a tocar, indicando uma ligação. E me sinto ainda mais assustado ao ver o nome de Otávio brilhar na tela.

- A-lô? - Atendo a ligação e minha voz falha um pouco.

- Evan? Tudo bem? - Otávio pergunta e sua voz é calma, como sempre.

- Sim e você... está bem?

- No momento sim. Humm... estou te ligando para te fazer um convite.

- Convite? Para o que?

- Sim, nesse sábado é aniversário da Cecília e meus pais vão fazer um jantar para comemorar. Já convidei sua irmã e John, seus pais também vão vir. - Ele diz e arqueio uma sobrancelha.

- Você convidou o John? - Pergunto surpreso e aposto que ele está revirando os olhos para mim agora.

- Sim, ué. Ele faz parte da sua família, não?

- Sim, mas...

- Bom, é isso... até mais, Evan.

- Não, espera! - Quase grito meu pedido e sinto meu coração acelerar em meu peito.

- O que foi? Aconteceu algo?

Penso em tudo o que eu quero e preciso dizer a ele, mas parece haver algo em minha língua que me impede de falar e isso me deixa tão frustrado. Por que é tão difícil dizer? Por que?

- Evan? Está aí? Estou ficando preo...

- Eu... me desculpa por tudo o que te disse naquele dia, Otávio. Eu não acho que sinta pena de mim, me expressei por medo e não deveria descontar minhas frustrações em você. Só me desculpa, ok? Eu nem me reconheço mais com essas atitudes. - Peço e um longo silêncio toma a linha.

Penso que Otávio deva estar com muita raiva de mim, por isso está se segurando para não me mandar ir a merda, mas ele não é assim.

- Tudo bem, Evan. Eu disse que entendo você, por mais que suas palavras tenham me machucado, eu te entendo, de verdade. E obrigado por me pedir desculpas, isso já significa muito. - Ele diz após um tempo e me sinto aliviado.

- Humm... será que pode vir me visitar? Quero te mostrar uma coisa. - Peço, mesmo inseguro. - Sei que não tenho direito de te pedir isso, mas...

- Evan, tudo bem... eu vou. Meu plantão acaba em algumas horas, pede pizza. - Ele diz e encerra a ligação logo em seguida.

Abro um sorriso pequeno e fecho meus olhos, soltando um suspiro.

Ok, Evan... só faça a coisa certa dessa vez.

[...]

"Amar pode curar
Amar pode consertar a sua alma
E é a única coisa que eu sei, sei
Eu juro que vai ficar mais fácil
Lembre-se disso com cada pedaço seu
E é a única coisa que levamos quando morremos"

Como pedido a pizza já está a sua espera e sinto um frio na barriga quando ouço a campainha do apartamento tocar. John e Helena saíram para ver um filme em cartaz e eu juro que nunca agradeci tanto por isso. Limpo minhas mãos suadas em minha bermuda e me levanto do sofá. Ainda não me sinto tão confiante em andar, mas consigo chegar perfeitamente até a porta, a abrindo segundos depois.

Rapidamente meus olhos se focam em Otávio do outro lado e confesso que perco um pouco do meu fôlego. Já disse o quanto esse homem é lindo? Otávio é alto, mas possui alguns centímetros a menos que eu. Seus cabelos cacheados batem no pescoço, os olhos brilhantes em um castanho escuro, lábios carnudos e as poucas sardas que eu amo.

- Evan, meu Deus!

Sua exclamação me tira do meu pequeno trase e percebo seus olhos na prótese. Ele demora seu olhar ali por alguns segundos até lentamente subir seus olhos aos meus, sorrindo. E fico totalmente surpreso quando Otávio dá dois passos até mim e me abraça.

Meu corpo inteiro leva um choque quando sua pele toca a minha e não demoro a retribuir seu abraço. Meus olhos se fecham no automático e meu nariz inspira seu cheiro, o que me traz paz, me faz sentir novamente a sensação de casa. E essa é a melhor sensação que se pode sentir na vida. É estar seguro.

- Eu estou tão feliz em te ver de pé, meu Deus! Isso é tão bom, Evan! - Otávio diz e posso sentir que sua felicidade é verdadeira. Ele está feliz por mim, mesmo depois de tudo, ele está aqui por mim.

Meu coração bate tão depressa em meu peito que eu sinto medo de sofrer um infarto ou algo do tipo. Eu me sinto o mesmo Evan de anos atrás, o adolescente bobo e apaixonado por ele... por Otávio.

Quando ele se afasta de mim segundos depois, meus olhos se perdem nos seus, na imensidão de felicidade que eles emanam. E eu não consigo pensar em mais nada que não seja estar com ele, estar com o homem que eu amo.

Eu ainda tenho meus medos, sei que não vai ser fácil, mas tomo minha decisão de tentar quando quebro a distância entre nossas bocas e inicio o beijo que esperei por tanto tempo. Penso que ele pode me afastar, mas ao invés disso Otávio me envolve ainda mais em seus braços e aprofunda nosso beijo, querendo tanto quanto eu.

"Espere por mim para voltar para casa
Espere por mim para voltar para casa
Espere por mim para voltar para casa

E você poderia me encaixar
Dentro do colar que você ganhou
Quando tinha dezesseis anos
Perto da batida do seu coração, onde eu deveria estar
Mantenha no fundo de sua alma"

Ed Sheeran - Photograph

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